sábado, 2 de fevereiro de 2008

Rastro


A saudade vem acompanhada do amor, ou, para ser mais cuidadoso, de uma afeição ou carinho por algo/alguém. É um sentimento atroz, vem de repente e traz uma fluência de emoções. Nesse instante, pode-se escutar uma música. Saudade é embalo e tem o seu tom. Invade corpo-alma-pensamento numa descarga de adrenalina irrefreável. Saudade é a parte ativa daquilo que não existe mais. É o belo que, incansável, tenta renascer por meio da lembrança. Ás vezes a saudade traz junto a tristeza – o vazio do não-haver. Saudade é um lugar. Deve-se ir ás vezes. Não é habitável. Quem vive de saudade não vive mais o belo – porque dele vem a lembrança. Saudade não tem tempo. Sobrevive enquanto há lucidez. Saudade é também um rastro humano, é a certeza do pulsar, da alma e do que habita o indizível. Não se explica, não se sabe, não se cabe; saudade se tem.

Saudade é abrir a janela durante o crepúsculo e ver o sol indo. É também a estrada sempre distante, sem destino, sem certeza. É o travesseiro pesado de lágrimas, o caderno rabiscado, o álbum de fotos, o baú de recordações.

Eu imagino a saudade uma senhora cega, de cabelos brancos, sentada numa cadeira de balanço. Ela faz um tricô que nunca acaba. O trabalho não é bem-feito. Há algumas imperfeições; não representa exatamente aquilo que deveria, não satisfaz. E agente fica ouvindo aquela música por um bom tempo, tentando descobrir a nota. Então vem a frustração: não conseguimos mais a nota; devemos nos contentar com a melodia. Deve ser por isso a tristeza: a decepção da lembrança imperfeita; a ânsia pelos detalhes perdidos ao longo do novelo de lã.

4 comentários:

Coisas&Letras disse...

Oi,
gostei muito dos textos que li... mas não consegui ler todos... voltarei para concluir a leitura... :)

Vim agradecer a visita e o comentário... e como já deu para perceber... dizer que gostei muito de ler.
Gostei especialmente quando falas da saudade como o "abrir de uma janela durante o crepúsculo e ver o sol indo"... é mesmo assim...no dia seguinte o sol nasce de novo... mas o crepúsculo volta também... temos que aproveitar enquanto há sol... :0)

beijo:
C&L

Anônimo disse...

Saudade é, apesar de, uma palavra bonita.
E eu ando com muita saudade, uma saudade do que eu nunca tive e uma saudade de mim.
Saudade do meu sorriso, do brilho nos meus olhos, da minha vida...
Sinto que estou perdendo detalhes importantes ao longo do novelo de lã, mas não posso ignorar minha tristeza...

Beijos.

Bárbara Matias disse...

Nossa.. muito bonito e verdadeiro.
A saudade provoca isso msm em nós.

Obrigada pelos seus belos textos. Traz um mundo mais colorido pra mim. continue escrevendo.... =D

Luis Fernando disse...

muito bom! a saudade é um tema que eu gosto de retratar, junto com a solidão, gostei de sua imagem para a saudade, um avelha cega fazendo um novelo, interessantissimo!