terça-feira, 29 de julho de 2008

Segura, Berenice


Berenice era uma daquelas loiras de entortar o pescoço. Como se não bastasse, gostava de andar sempre bem arrumada e lia o dicionário Aurélio que era pra ampliar o vocabulário. Era linda e inteligente. Ainda por cima, tinha um sorriso pecaminoso. Ela ria e os anjos despencavam lá do céu, puro descuido. Era simpaticíssima e fazia piada com suas próprias desgraças.


“Dizem que eu sou bonita, sabe? Mas quando perguntam o meu nome, neguinho inventa até dor de barriga pra poder ir ao banheiro e fugir de mim.”


Berenice era um tanto louca. Tinha idéias estranhas na cabeça. Andou lendo Sartre e Nietzsche nos dois primeiros períodos da faculdade.


“A gente podia acabar com a corrupção dos políticos.”, ela sugeriu certa vez.


“Ah, é? Como?”


“A gente pode plantar baobás ao redor do Planalto. Daí os políticos vão achar aquilo muito estranho.”


“Sim. E a corrupção acaba?”


“Acaba em dois tempos. Plantando baobás todos os dias, eles terão com o que se preocupar. Imagine só: quem estaria plantando tanta árvore? Precisamos dar um jeito nisso, dirão os ministros.”


“Quanto tempo leva pra crescer um baobá?”


“Eu sei lá.”, e ela encerrava o assunto.


O sonho de todo homem era levar Berenice pra cama. Rezava a lenda que só o Tomás do nono período tinha conseguido tal proeza.


“O que ele tem que nós não temos?”, nos perguntávamos embasbacados.


“Dizem que ele mora num bairro de luxo.”


“Não. A Berenice não é mulher de se comprar com dinheiro.”


Certa vez ela disse que tinha dois sonhos na vida: fazer sexo selvagem com um caubói e sofrer um acidente de carro. Numa dessas festas à fantasia, metade dos homens da sala foi vestido de peão. Mas Berenice não era muito de festas; ela não foi.


“Você me dá uma carona?”, ela me pediu uma vez.


Meu coração faltou sair pela boca. O que diriam os meninos quando soubessem que Berenice entrou no meu carro? Eu precisava pensar em alguma coisa. Precisava ter uma história pra contar pra eles. Berenice entrou no veículo e o perfume dela recendeu o lugar. Então ela destrambelhou numa conversa de que homem que é homem precisa entender as mulheres. Dizia e mexia nos cabelos. Eu não sabia se olhava pras pernas dela ou pro volante.


“Ando cansada de homem meia-sola. Quando chegam pra mim com nhem nhem nhem eu logo digo meu nome: Berenice, viu? Meu nome é Berenice! Daí eles correm. Quero distância de homem assim.”


E ela ria. Eu ria junto. Pernas, volante. Pernas ou volante?


“Você não é assim, é?”, ela me perguntou.


“Eu?!”, me engasguei.


“Sim. Se uma mulher de quem você gosta pintasse na sua frente, você lhe negaria um desejo? Qualquer que seja?”


“Claro que não. Eu faria qualquer coisa.”


“Pois você é raro. Está mesmo dizendo a verdade?”


Pernas e volantes, pernasouvolante. Eu iria provar a ela que dizia a mais pura verdade. E seria ali, naquele momento.


“Segura aí Berenice, segura que nós vamos bater!”