segunda-feira, 27 de maio de 2013

Casamento em Cancún


O metrô não estava cheio, mas não havia sequer um assento livre. Apoiei minha pasta no chão, enquanto afrouxava a gravata que me sufocava o pescoço. No ato, derrubei a caneta do bolso que rolou para perto de um par de sapatos muito distinto. A moça, dona dos sapatos, se curvou para buscar o objeto. Constatei que alguns gestos me deixavam sem graça. O fato de a moça ter perdido o seu precioso tempo agachando para pegar a caneta que eu, estupidamente, deixei cair, me causou vergonha. Eu poderia ajoelhar naquele instante e pedir mil perdões. Poderia dizer que faria de tudo para corrigir aquele erro, que ela me desculpasse imensamente por eu ser tão descuidado e tão estúpido. Poderia pagar-lhe um café, se ela quisesse, e depois recitar algumas poesias ao pé do ouvido dela, dizendo que o amor a gente descobre assim mesmo, no de repente.

A moça me entregou a caneta junto de um sorriso que me espetou a alma. Agradeci timidamente, sem deixar de notar que ela havia deixado a blusa desabotoada. Seria pra mim? Pensei e me achei ridículo. Eu poderia ter dito que ela havia sido muito gentil em se preocupar com uma caneta velha e gasta, que não precisava ter se incomodado, que ela tinha os tornozelos mais lindos que eu já havia visto e que os olhos dela pareciam duas luzes ofuscantes de um farol. Eu poderia ter perguntado seu nome, sua idade, sua profissão. Dizer que ela tinha muito a cara de ser bailarina, daquelas que dançam em cima das minhas costas, massageando meus ombros e minha carência. Que, se ela quisesse, eu deixaria ela dançar em mim e me buscar para uma valsa indecente, daquelas que desnudam-se todos os segredos sem qualquer pudor. Eu queria amá-la numa cabine de metrô.

Ela coçou a nuca, deixando a mostra um cordãozinho com um pingente em forma de cruz. Eu poderia ter perguntado se ela era religiosa. Se rezava três vezes ao dia. Se ela beijava a santa ou se ela tinha alguém que a beijasse sem escândalo. Se seus beijos eram mornos, do tipo bossa-nova, ou eram quentes, no estilo rock and roll. Se ela lia Sartre depois do almoço e se seus poemas preferidos eram os de Fernando Pessoa. Eu poderia ter dito a ela que aquela sainha justa lhe dava um ar ocasional de mulher insensata, daquelas que arrancam a roupa como quem quer rasgá-la, que, se ela quisesse, eu a deixaria me rasgar inteiro.

A moça me olhava desconfiada e, sem me dizer um adeus, saiu pela porta que, naquele instante acabara de se abrir. O que ela faria na estação Carioca? Ela teria algum encontro amoroso? Será que ela gostava de caras mais jovens, com barbas mal-feitas? Será que ela era casada, mas escondia a aliança na hora do almoço pra poder se apaixonar até uma hora da tarde? Eu poderia imaginar o seu perfume e o formato do seu sutiã. Eu poderia alcançá-la antes que a porta se fechasse e segurá-la pela cintura, dizendo-lhe algumas palavras indecorosas. Eu poderia dizer que, sim, eu aceitaria me casar com ela em alguma praia de Cancún e que nossos filhos teriam todos a cara de uma história de amor muito linda.

Esperei para ver se ela olharia para trás e me acenaria um tchau discreto. Se seus lábios pronunciariam “me-ligue-pra-gente-tomar-um-vinho”. Se ela voltaria para me dar um beijo muito assanhado. Se ela notaria que eu poderia fazê-la muito feliz. As portas do metrô voltaram a se fechar e a moça se perdeu na multidão de gente. O coração acusou inapropriadamente: o destino não é deixar vir. É fazer vir; com a certeza muito aguda de que a inércia é a pior das escolhas.