terça-feira, 15 de junho de 2010

A pedra de Drummond


* Em coautoria com a Mari que esboçou as ideias.


Drummond deixou uma pedra no caminho de todo mundo. Há tempos seus versos vêm se repetindo feito mantra. É que, como se sabe, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. O fato é que existem diversas teorias sobre esse poema. Dizem que pedra é um percalço, um obstáculo. Quem nunca teve uma dificuldade na vida? Drummond teria traduzido esse sentimento coletivo, de forma simples. Pedra também, à vista de alguns, seria uma arma. Sim, Davi matou o Golias com três pedrinhas, pra quem não sabe. Uma pedra no caminho, às vezes, pode ser muito útil para derrubar o gigante. Outros ainda insistem que Drummond queria mesmo era brincar de ser bobo, juntou algumas frases e criou um embaraço na cabeça das pessoas que nunca mais pararam de pensar na tal da pedra.


E eis que, na sexta série, Tia Vânia, a mais amável das professoras, pediu à minha turma que montasse um seminário. Sim, garotos e garotas de doze anos teriam que explicar o que seria a pedra. “Oi, que pedra, Tia Vânia?” Ninguém conhecia Drummond. De famosa, aquela pedra não tinha nada. Fomos ler, pois. A cabeça coçava, surgiam piadinhas, pedra é uma coisa muito abstrata, sabe? “Coisa chata esse Drummond”, repetíamos nas nossas cabeças até o dia da apresentação. Há quem repetisse também que no meio do caminho tinha um Drummond, tinha um Drummond no meio do caminho. Ele estragou tudo. Ninguém mais conseguiu brincar de esconde-esconde, de pula corda, de amarelinha. Tudo na vida passou a ser a pedra. Tínhamos sido coisados pelo poder do poema.


O fato é que, querendo agradar Tia Vânia, pensei que ela adoraria ouvir que a sua aula era uma pedra no meu caminho. Afinal, pedra também era sinônimo de segurança, de solidez, de fortaleza. Estufei o peito e apresentei meu seminário dizendo com a boca cheia de paixão: “A pedra, tia Vânia, é essa aula aqui”. Terminei a apresentação e me sentei na carteira, me achando o máximo. Só eu tinha tido aquela brilhante ideia. Qual foi a minha surpresa ao receber a nota: eu havia sido o único de quem a professora subtraíra três pontos. Odeio você, Drummond, e essa sua pedra esquisita que pode ter tantos significados.


Hoje penso no poder das palavras e de suas possíveis interpretações. É que a leitura é tão repelida e odiada. Fizeram das letras um verdadeiro obstáculo, ou, como queria Drummond, uma pedra. Uma rocha gigante no meio do caminho do conhecimento. Ler passou a ser uma penosidade, uma triste tarefa diária, uma obrigação das mais chatas. E concluo que muito disso não é culpa da pedra em si, mas do caminho que leva até ela. Porque não se esqueçam, havia um caminho também. Então de onde essa fonte que ensina o desprazer pelos livros e poemas? De onde essa inimizade com a escrita? Lembro-me então da minha avó professora. Educadora nata que ensinava a arte dos números e das vogais. Dizia ela que educar é um constante parto. O primeiro deles seria o físico, o esforço natural da gestante. Depois vem o esforço para ensinar o filho ou o aluno a criar as próprias ideias, a inventar as próprias palavras. E assim seria possível ensaiar os próprios partos. Não há leitura sem ideia, não há palavras sem olhos atentos, não há poema sem inquietação, não há aprendizado sem esforço. Hoje, o parto explica-se por um verbo. Partir. É que estamos indo todos para um tempo em que a literatura não faz mais sentido. Ninguém mais odeia Drummond e continua lendo assim mesmo, porque foi cativado. Odeia-se e desiste-se. A pedra agigantou-se. Se fosse uma arma, de nada serviria. Arma pesada demais ninguém carrega. A pedra, nesse caso, seria a própria derrota.


Que o partir seja em direção a um caminho onde a pedra se esfarelou. Que seja a pedra, na verdade, uma arma colocada nas mãos de quem quer paz. Usar palavras pra falar daquilo que é bom. Usar palavras para fazer como Drummond que nos prendeu em versos muito simples, mas muito profundos. Para falar de acontecimentos inesquecíveis, como aquele dia em que havia uma pedra no caminho, quando as retinas já estavam tão fatigadas...


terça-feira, 8 de junho de 2010

Depois que você se foi


Depois que você se foi, eu fiquei alguns meses sem nem saber que você ainda morava em mim. Tudo ia muito bem e a decisão parecia ter sido a mais acertada. O problema foi quando veio a certeza de que eu havia perdido um amor muito bonito. Aí doeu. Veio saudade e vontades instantâneas de chamar você de volta. Escrevi um texto, até. Era uma despedida, porque não tivemos uma. Escrevi meu todo ali, dizendo que seria muito bom guardar nossas lembranças. Inevitável foi concluir que eu não poderei jamais falar de amor sem mencionar você.


Depois que você se foi, escutei todos os CDs de Los Hermanos. Passei a traduzir Chico e a buscar as poesias que você abraçava nos dois. Julguei muito injusto não podermos dividir o que eu vinha aprendendo. Injusto também eu não falar das outras músicas que nos traduziriam muito bem. “Tudo diferente”, cantada por Maria Gadú, conhece? Diz assim: Todos caminhos trilham pra a gente se ver/ Todas as trilhas caminham pra gente se achar. É isso que eu teria te dito, talvez. Isso e coisas bregas que você sempre me fazia dizer. Sempre.


Depois que você se foi, fiquei me perguntando como você estaria. Se doía em você também. Quanto tempo doeu. Se houve esperança. Se houve outros caras interessantes. E aí eu quis muito que você se libertasse primeiro. Que me esfregasse na cara um romance muito mais lindo do que aquele nosso, embora eu julgasse difícil essa parte. Mas é que eu precisava saber de você feliz.


Depois que você se foi, eu tive que fazer terapia e tomar medicamentos para depressão. É mentira. Hehe. Mas eu não consegui andar sozinho, algumas vezes. Faltava uma parte grande: era essa a sensação. Daí que fui dando meus passos trôpegos e, hoje, seis meses depois, ainda me pergunto se tá tudo bem aqui dentro. Não sei. Parte de mim já desistiu desse negócio de amor. Pra mim só existiu uma vez: você. Outra parte ainda tem a esperança de haver algo parecido, equiparado. Não igual.


Também coloco um ponto final aqui. Prolongar despedidas sempre foi a nossa cara, mesmo. Mas não estamos mais em tempo disso. Tempo de brigar só pra ter que retornar aos seus braços. Tempo de sumir só pra você ter que me achar. Era assim antes e era muito bom. Vamos deixar esse retrato intocável. Relicário, como você bem disse. Eu respeito também. Ao longe, já vejo nossos dedos se soltando. E o coração atenta praquilo que há de vir; não há caminho melhor: nós abrigamos o amor.