domingo, 8 de novembro de 2009

A breve história de Ruth Larenz


Seu nome era dos mais comuns. Ana qualquer coisa. Cresceu dentro de uma família normal, pais que brigavam vez ou outra, irmãos bagunceiros, tias chatas, aulas de inglês forçadas. Queria muito se encaixar naquele mundo quadradinho de gentes quadradinhas que saíam de casa pro trabalho e depois voltavam com um ar de sou-a-pessoa-que-mais-trabalha-aqui.


Chateou-se das músicas, dos livros, dos amigos. Tudo era muito clichê, a vida era a mesma história contada várias vezes. Escrevia seus pensamentos em um caderno e depois arrancava as páginas e as queimava. Ninguém jamais entenderia que palavras eternas são um perigo.


Saiu de casa numa noite de quarta-feira, aos dezessete anos. Foi sem amigos, sem influência, sem avisos. A alma, de repente, ficou mais leve. Saber que não precisava carregar consigo toda aquela vida quadrada de anos acelerava seus passos. Decidiu que trocaria seu nome. A partir de então se chamaria Ruth Larenz. Teria dezoito anos, para todos os efeitos. E queria um drinque.


Entrou em um bar movimentado. Gente estranha e igualmente quadrada. As pessoas são todas iguais, concluiu de forma triste. Sentou-se em uma mesa vazia e pediu uma coca-cola com limão e gelo. Molhou o indicador no líquido e rodou o gelo, fazendo-o tilintar no copo. Não bebeu. Olhava para todas aquelas pessoas como se fizessem parte de um grande quadro. Pessoas achando que têm vida.


Alguém apareceu à sua frente. Ruth fez que viu, mas não deu atenção. Era uma senhora com hábitos religiosos escritos na face. A mulher implorava para sentar-se. Ruth deixou, de repente. Foi uma conversa de quase meia hora. Ruth não deu a mínima. Não queria saber nem se importar com aquela mulher que, além de faladeira, tomava toda a sua coca-cola.


A mulher se foi. Ruth se levantou pouco depois e voltou para casa, com uma avidez louca de sair do seu próprio corpo só por um instante. Entrou em seu quarto, o abajur aceso e os livros espalhados pelas estantes. Seu canto quadrado. Seu mundo quadrado. Fazia parte e não tinha como ser diferente. Não assim, de fora. Abriu a janela e viu um gato na árvore, lhe fazendo serenata. Sorriu displicente e acenou pra o bichano, como se ele fosse um galanteador interessante.


Deitou-se e despiu-se de Ruth. Melhor ser a Ana de sempre do que a Ruth que não sabia ser. Melhor escutar poesia de um gato do que pintar um quadro de pessoas reais, sem vida. De repente, entendeu que mesmo não cabendo naquela realidade, poderia fazer um esforçozinho. Sua esperança era topar com uma alma tangente à sua.


Com o peito abarrotado de sonhos novos, dormiu.