quarta-feira, 16 de março de 2011

Venha quando puder


Eu abro a janela do quarto e prevejo um dia de chuva fina, no meu quintal. Os pingos d'água caem tortuosamente pelo vidro e meus olhos refletem o brilho de uma lembrança recente, de um sorriso imaginário que se deita na minha mente, principalmente ao amanhecer. É que algumas formigas parecem caminhar no meu estômago, me dando a sensação estranha de que eu poderia ser muito, muito feliz. Então percebo que sou, embora não me dê conta disso, sempre. Que a felicidade não é um momento, é uma escolha. E, hoje, eu escolho você.

Escolho porque tudo meu é seu também. Porque nossa infância foi parecida e tivemos os mesmos traumas. Estes moldaram nosso caráter, nos fizeram ter a mesma esperança de que haveria um amanhã bonito, onde as pessoas nos veriam como somos, como conseguimos ser. Eu imagino que, na nossa solidão, estávamos um ao lado do outro, em pensamento. Em ideias muito próximas, em planos coincidentes, em caminhos que desembocariam em nós dois.

Escolho você porque nós nunca tivemos um tempo. Mas parece que tivemos todos os minutos do relógio. Nossas rodas nunca deslizaram para o mesmo espaço, de sorte que éramos longe, sem saber um do outro. Porém, houve algum instante em que os sinais produzidos se tornaram eficazes, a ponto de você me enxergar, distante, descendo a avenida com um ramalhete de flores pra você colocar num vaso de água. Sentamos. A conversa foi infinita. Houve madrugadas regadas a música e poesia. Risadas que puderam ser ouvidas fisicamente, porque o eco também se transmite com o frio. Frio que não passa, porque é febre de sentir.

Das vezes que eu quis um amor (porque em tantas outras eu desisti, simplesmente), eu quis que fosse assim: simples. Que os romantismos não fossem melodramas, e sim dividir jabuticabas debaixo do pé, sem deixar os dedos se desenlaçarem. Que as brigas fossem fatos seguidos de um afago maior, um abraço demorado, uma música cantarolada baixinha. Que os diálogos fossem eternos, que despertassem curiosidade, que instigassem o amor. Que, no fim da tarde, o presente fosse uma caneca de chocolate quente ou um suco de laranja com muito gelo, pra dois. Que os travesseiros fossem amparo para nossos livros, nossas poesias criadas em conjunto, nossos sonhos manufaturados.

Eu escolho. Podem aparecer tantas outras possibilidades, mas houve uma escolha pretérita. Houve um esboço de fidelidade e uma vontade de abraçar o intangível, aquilo que ainda não é. Atrelado a isso, existe a minha vontade de ser muito seu, desde sempre. De você, um dia, descobrir que a minha maior preocupação era nunca te achar, por esses caminhos que andei. De eu, um dia, te olhar com desconfiança, sem saber ao certo se era você o tempo todo. Eu escolho. E espero. Venha quando puder.