terça-feira, 21 de maio de 2019

Despedida


Há alguns meses eu me comprometi a registrar, em um diário, a história de vida dela. Sentávamos na quinta-feira a noite (ou no domingo a tarde) e íamos conversando sobre os momentos marcantes que ela viveu. Infelizmente não conseguimos passar das lembranças da infância, mas estou certo que isso foi suficiente para que ela recordasse as coisas bonitas que estavam esquecidas no porão da memória.

Ela nunca se queixava. Disse que era muito feliz, que teve uma infância feliz, uma família feliz. Era tão difícil para ela pensar em um fato impactante, pois o tempo todo viveu momentos muito lineares. Que equilíbrio! Que serenidade! Que certeza de que estava tudo nas mãos de Deus! Fé invejável.

Ela foi uma mulher linda. Marcante. Não era de abraços e afetos, mas era dona das melhores palavras. Ela acolhia com os olhos, com a alma, com o corpo inteiro. Sempre se entregou. Eu amava os biscoitos de queijo que ela fazia, os bolinhos de chuva e os textos poéticos, cheios de reticências. Ela é uma mulher de reticências, não colocou ponto final. Está aí, deixando um belíssimo legado.

Construiu uma família cheia de valores, ensinou tanto. Exemplo de caridade, abnegação, força e companheirismo. Quantas vezes estive com ela, cheio de melindres, e ela me acolheu sem julgamento? Era um porto seguro.

Fizemos muitas viagens juntos. Ela sempre muito simples, apreciava as belezas de todo canto. Tudo estava bom, tudo estava certo. Alma pura, leve, iluminada. Pensava sempre no próximo. Vivia pelo próximo. Não pedia nada em troca. Não cobrava. Não brigava (embora fosse extremamente convicta do que queria).

Que sorte a minha tê-la durante 32 anos. Que sorte a nossa conviver com esse exemplo de ser humano. Minha avó, minha segunda mãe, minha amiga, minha inspiração, minha eterna paixão. Descanse em Deus!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

1999

Em 1999 a gente subiu aquela rua da encruzilhada
Morrendo de medo das almas penadas
E do homem da perna torta que assobiava boleros

Meu avô contava histórias de assombração
E nossa diversão era passar a madrugada acordados
Esperando a luz da chapada aparecer na esquina

A gente não sabia que o mundo iria acabar
Na verdade, não queríamos que ele acabasse
De alma, éramos sempre poetinhas que rabiscavam muros
E faziam serestas a noite inteira

Em 1999 a cidade entardecia va ga ro sa me nte
E mal sabíamos que o amor verdadeiro

Era um coração desenhado em um vidro embaçado