quarta-feira, 18 de junho de 2008

Valsa ébria


Não sei o que deu em você que parecia tão descontrolada. Foi me dizendo um monte de asneira, alegando estar se sentindo presa demais em uma relação que só você mantinha. Tentei acolher suas mãos, mas você se afastou e me sorriu desajeitada. Pôs um fim e saiu levando todas as constelações.


Era véspera do baile de formatura e eu não tinha mais par pra dançar a valsa. Lembrei de quando você ia pra minha casa. Ficávamos até quase meia-noite ensaiando os passos que era pra eu não fazer feio. Vez ou outra você me roubava uns beijos e ria faceira, dizendo que assim era mais divertido.


Então a noite do baile seria de plena nostalgia. Eu dançaria com qualquer pessoa, a primeira que me surgisse na frente só para ter uma foto no álbum. E, durante o resto da vida, a foto não teria você. O vazio já me incorporava e seu perfume já sumia das minhas entranhas. Tão estranho perder você.


Todo mundo entrou no salão decorado. A formatura ali e você fora. Não tive entusiasmo. Eu só pensava na valsa. Tomei um drinque. Eu nunca havia bebido antes. Cuspi a bebida e larguei o copo, fui me misturar. As meninas me perguntavam de você e eu só ria e fazia sinal de que o som tava muito alto e eu não entendia nada. Mentira. É que doía.


Alguém anunciou o momento da valsa. Gelei. Senti as pernas enfraquecerem e o gosto de derrota no céu da boca. Fiquei perdido no meio do salão. Uma lágrima tentou escapulir e eu a contive. Homem não chora, dizia meu pai. Alguém me pegou pela mão e eu agradeci.


“Cheguei meio tarde.”, era você que me dizia com um sorriso arrebatador.


“Você está bêbada.”, reclamei.


“Vai me dar bronca?”, e você ria, ria como uma boba.


E a gente dançou uma valsa ridícula. Você pisava no meu pé e me dizia que era pra eu desconsiderar suas palavras da noite anterior. E que você me amava e me queria pra sempre. Eu falei que você dizia coisas bonitas quando ficava bêbada e você soltou um palavrão. Apertei-a forte contra meu corpo e senti seu perfume voltar pro meu paladar. A valsa tinha seu gosto. E eu dancei suas notas.


“Preciso voltar, não estou com traje adequado.”


E então você me deixou no salão e foi cambaleando pra fora. Lá na porta me mandou um beijo que veio meio torto; sorri. Você estava linda naquela noite.


*O Blog está de férias. Retorno de textos inéditos em Agosto. Até lá!

domingo, 15 de junho de 2008

Boa noite, Deus


Óia aqui, Deus. Cá embaixo, ó! Mi dissero qui si eu falá seu nomi, ocê aparece. Tá tudo tão quietim. Será qui mi enganaro? Eu só quiria falar uma coisinha. Dizê qui as coisa cá imbaixo andam um tanto isquisita. Cada doidice que cê nem magina! Os homi corre o dia todo atrás de dinhêro. É uma correia que só. Ôtro dia mataru minha égua. Tive vontade é de dar um fim no infiliz. Matou de pura maldade. A minha bichinha ficou se estribuchando lá no chão, istirada qui nem qualquer coisa. O sinhô inté pede pra nóis amá genti cruel assim. Mé qui si ama gente qui tem parte com o capiroto? Eu sei amá meus fio, minha muié, meus cabrito. Purque tem brio nos óio deles, tem essa coisa chamada amô. Agora o sinhô mi pede, coisa mais danada de doida, me pede pra amá o matador da minha bichinha. Eu inté admiro quem ama assim. Inté admiro esse amor grande. Mas num entra. É pidi dimais pra mim. O sinhô mi intende? É qui eu sô de carne e osso, sou qui nem essa gente esquisita que lhe contei. Vez ou outra mi esqueço de oiá o céu, de falar “bom dia” pro Sinhô. Deve di ser purisso! Eu assim, tão longe, tão desapercebido das coisa sua, nem consigo amá grande desse jeito. Intão vou lhe pedir uma coisica: fica bem perto di mim, purque cunversá com o Sinhô é bom por dimais. É bom como eu nem maginava. Agora vou durmi. Boa noite, Deus.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Acontecência


Nessa acontecência de fatos inenarráveis, encontro seu olhar pousado em mim. Sinto-me fotografado e nem faço tanta pose. Quem ensinou a esses seus olhos poetizar a minha alma tão laconicamente?

Um dia eu conheci um velho sábio. Disse ele que eu precisava passarinhar pela vida a fora. Que não adiantava eu me prender numa gaiola e receber o alimento das mãos de um ser humano cruel. Foi então que passei a destilar meus versos em cada canto e encontrei seu canto junto ao meu.

E tudo parecia tão juntinho, tão bem laçado que tive medo de desfazer quaisquer nós. Eu tive medo de que a poesia me escapulisse e que eu tivesse que correr atrás dos versos que caíam e não voltavam mais.

Parecia até que íamos desenhando um conto de fadas. Era moderninho. Não tinha nada de realeza nem cavalos brancos ou vestimentas faustosas. Era tudo de uma simplicidade singular. E ia indo, acontecendo, embolando tudo numa coisa só.

De resto, não sobrou nem uma partezinha que não me confundisse com suas coisas. Não parecia alma gêmea, não. Parecia é alma inteira. Duas almas. Uma só. Ou qualquer coisa parecida. Estou confuso.

E assim eu bem aprendi que o encontro físico mora nos sonhos da gente. Não sei quantas vezes peguei o avião e estive ao seu lado, você me abraçando apertado e dizendo que a noite estava boa. E eu todo besta fui colando seu brilho por cima do meu medo. Foi a hora em que os dedos se entrelaçaram para uma despedida sem fim. A saudade ficou num canto da boca e no resto dos olhos. E vai fazendo morada até hoje. Todo dia ela acende uma vela. Todo dia essa constante despedida, esse ar de coisa inacabada.

Nem sei o que foi feito do nosso pacto. Só sei que seus versos me incomodam por inteiro. E vão entranhando minha alma como alimento necessário, deixando-a obesa. Larga sua pena, larga seu papel. Quero ver você rodopiar em cima desse castelo, agora em ruínas, que construímos para nós. Depois disso, sugiro que vá passarinhar por outros castelos. A gente se encontra por aí.

domingo, 8 de junho de 2008

Historinha de amor


Eles eram namorados e se amavam. Se amavam no estilo “Romeu e Julieta”, embora criassem o próprio romance à maneira dos dois. Se enterneciam um no colo do outro e brincavam de fazer poesia com as nuvens ou de criar histórias com os pingos da chuva. Eram devotos e fiéis. Se amavam de forma condenada e carregavam um ao outro no peito. Viviam uma mágica que lhes balançava o mundo. E sorriam. Sem quê nem pra quê.

Um dia, estavam deitados sob o céu escuro, alimentando a alma de astros que colhiam juntos no céu.

“Eu faria qualquer coisa por você.”, disse ele corajoso.

“Me daria uma estrela?”, ela sugeriu se aninhando nos braços dele.

“A mais brilhante!”, ele respondeu de um jeito meio heróico.

Ela riu da brincadeira e dormiu ali mesmo, ao lado dele. Sonhou que comia brigadeiro no espaço enquanto ele pegava estrelas com uma rede de borboletas e guardava dentro de um saco gigante. Acordou ao relento e ficou espantada assim que viu um monte de gente aglomerada em volta de algo parecido com um foguete. Curiosa, aproximou-se e viu-o ali dentro, sorrindo pra ela. Ele buscaria a estrela mais brilhante. Ficou louca e pôs-se a chorar.

O foguete partiu. As pessoas acompanharam a subida até perderem de vista o apanhador de estrelas. Ela só sabia chorar e pedir a Deus que o trouxesse de volta.

Amanheceu. Todos foram embora. Ela permaneceu ali aos prantos. Não queria estrela coisa nenhuma. Só queria ele por perto. Dois dias se passaram e ela sem notícia. Já começava a viver o luto e a acreditar na idéia da mãe de que ele não voltaria mais.

No terceiro dia, o foguete pousou no mesmo lugar. Ela colocou um vestido bonito e pregou um sorriso eterno na face. Foi a primeira a abraçá-lo quando ele saiu do foguete infestado de poeira cósmica. Seu apanhador de estrelas.

“Não consegui!”, ele chorou. “Não lhe trouxe a estrela.”

Ela só sabia abraçá-lo até quase sufocá-lo.

“Eu não quero aquela estrela do alto.”, confessou ela.

“Não?!”, ele perguntou um tanto decepcionado.

“Não.”, e ela balançava a cabeça. “Quero essa estrela que você carrega nos olhos. Essa eu quero até quando o sino der meio-dia.”

“Essa você já tem. E sabe de uma coisa? Ontem eu pisquei para você lá de cima.”

“Seu bobo! Pensa que eu não vi?”

“Achei que não veria.”

“Vem cá, vem!”, ela chamou, faceira. “Me dá mais do seu abraço!”

E naquele momento, o mundo se balançou. Nascia estrelas nos olhos de cada um daqueles que viam a cena e até dos que não viam. E junto das estrelas, nascia a esperança.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Abra-se


Primeiro aquele toque sutil de pele. E a troca de calor humano que todos insistem ser algo físico. Não é nada mais do que uma permuta de sentimentos; e isso abrange o infinito. As mãos nas costas, produzindo um tapinha gentil ou um aperto amigável, transmitem a certeza do abraço. Não é um mero despejar, é uma entrega. Quem abraça, enlaça a alma do outro, como um convite. Mas o sentido verdadeiro se esconde atrás dos olhos. Porque no abraço, não se fita, não se vê os olhos de quem se abraça. Ali mora a maior prova de fidelidade: alcançar o outro, acreditando na reciprocidade do convite. Abraço é um encontro de infinitos e da poesia dos corpos. É quando se percebe a musicalidade do outro e a sua forma de fazer ternura. Abraço é sentir o cheiro como quem aspira toda a intimidade dessa vastidão que é o ser humano. É quando se começa a perceber que o que existe de comum entre um e outro não é esse monte de matéria presa delineando formas diversas; é o liame das coisas que se operam no oculto, no mais íntimo de cada ser. Há quem irá discordar das minhas divagações, mas eu insisto: se um abraço é terapêutico, por que ainda essa insistência em achar que é apenas um ato simbólico do plano físico? Não sei não, mas pra mim, quando duas pessoas se encontram e se tocam, existem dois anjos escondidos em qualquer lugar dedilhando suas harpas. Nenhuma das pessoas os vêem, mas percebem que o ato tem lá sua queda para o misticismo e para uma infinitude de sensações propositalmente indescritíveis.

domingo, 1 de junho de 2008

Você já casou hoje?


Casamento já foi moda. As meninas tinham o sonho do vestido longo e bordado, da grinalda atravessando o infinito corredor da igreja barroca, do buquê feito das flores colhidas no campo, dos convidados e seus olhos imersos em água, dos anjos cantando enquanto a noiva entrava: um momento só dela. Um ano antes começavam os preparativos. Enxoval, lista de convidados, salão de festas... E dava um nó na garganta, dava um frio na barriga a expectativa de ter que sair de casa e dividir um mundo novo com outra pessoa.

Lembro-me, certa vez, de ter ido a um casamento ao ar livre. Havia um padre, convidados, poucos padrinhos, um pajem pra não passar batido e, sim, o casal. Era o segundo casamento da noiva. O momento religioso foi rápido. Não queriam os convidados entediados com discursos bíblicos e essas coisas de voto eterno. O fato é que não havia brilho nenhum entre os noivos. Eles já viviam juntos. Aquele era apenas um ritual, um mero acessório á vida que já levavam de casados. No momento de cumprimentá-los, não percebi novidade no olhar da noiva nem felicidade no aperto de mão do noivo. Tão corriqueiro assim, casar-se? Não houve sonho realizado? Não havia frio na barriga, mãos geladas? Coisa mais sem graça!

Fico com o relato das minhas avós que acreditavam nessa dança de um só. Fico com o romantismo do século passado que criava sonhos e expectativas, que unia mundos, assim, feito mágica em uma celebração que, realmente, causava emoção. Fico com as serenatas e as poesias recitadas ao pé da janela pra conquistar a mocinha tímida. Fico com o passeio de mãos dadas na pracinha, com a troca de palavras e de carinhos por meio de olhos curiosos que perscrutavam o interior um do outro.

E depois, bem depois desse namoro e de todos os sonhos com casamento, preparativos e casa nova, vinha a realização e a novidade. Porque se não tem novidade, não tem brilho, não tem graça.

Fico com o nó na garganta e com o frio na barriga. E isso me parece muito mais interessante...