Um resquício de saudade visitou meu peito tormentoso, nessa manhã. Alguns eventos viraram poeira no meu mural de memórias, outros se acenderam feito estrela reluzente no fundo escuro da noite. Gostos se dependuraram na ponta da língua que tocava o céu da boca como quem toca a boca do céu. O café posto à mesa lembrava aqueles ruídos estranhos da água fervente e do pó solúvel cheirando esperança no coador de pano. Acordar era renascer. Um pássaro pousando no fio, sem levar um choque e a borboleta que assistia as flores mimadas do jardim vizinho: cenário que fincava no canto da alma. Saudade de amar outra vez.
À noite, o travesseiro foi premiado com um sorriso sonso de alguns breves minutos, enquanto os ouvidos cuidavam de repetir baixinho suas bobeiras diárias. Descobri então que te amava. O indiscreto mexilhar dos pés descalços no lençol estampado e a música-ambiente vinda da casa do vizinho serviam de distração ao sono que demorava vir. Mais alguns minutos em pensamentos era como ter-te ao lado, tocando meus dedos e atrasando meus passos de estarem longe de você.
Qualquer dois- mais- dois era operação matemática complicada. Os sentidos pareciam ter sido embaralhados, sem qualquer marcação de naipe. Os olhos, enviesados, calculavam no relógio o tempo de você passar aqui em casa e se demorar na minha sala de estar.
Meu medo, percebo, é não poder nunca tirar o frisado do seu vestido ou amparar seus passos tortos no meio-fio, enquanto brinca de equilibrista. Meu medo, moça, é não poder te entregar nunca aquela flor plantada em rimas do nosso quintal-comum. Vai ver eu tenho muitos planos. Vai ver eu tenho uma baita sorte. Vai ver você me ama também.