quinta-feira, 27 de junho de 2013

Uma oração


Peço a Deus um amor ajeitado
E que ela seja bonita, que me deixe coisado
Que ela seja poesia e que me fure num abraço
Que ela me beije na boca, com muito amasso
Que ela deixe as aulas de francês e venha me ver agora
Sem demora
E que os dedos dela se escondam nos meus
Apresse os passos dela, meu Deus
Apresse os passos dela.

sábado, 15 de junho de 2013

Ele escrevia cartas de amor para as prostitutas


Ele acordou às 10h40 de um domingo chuvoso. O colchão de solteiro denunciava sua desordem interior: camisas, calças e cuecas pareciam ter sido sua companhia na noite passada. No criado-mudo, uma taça de vinho pela metade e um cigarro intacto ao lado de um isqueiro sem fogo. Levantou da cama arrastando os pés, lavou o rosto, o corpo, a alma. Sentia-se vazio de tudo, incrivelmente só.

Lembrou-se de quando foi, pela primeira vez, a um bordel. Tinha quinze anos recém-completos. Foi levado por um tio velho e promíscuo que o incentivava a isso desde seus doze anos. Escolheu uma moça novinha, cabelos malcuidados, batom vermelho, unhas pretas. Ela o pegou pela mão e o convidou para uma intimidade que ele jamais poderia esquecer. Chorou no colo dela, dizendo que a amava. A moça, desnorteada, o abraçou com carinho e disse que a primeira vez era assim mesmo e que o amor não existia, que ele ficasse despreocupado. No dia seguinte, ele escreveu uma carta de amor, com as melhores palavras, e voltou ao bordel para entregar à moça. Encontrou-a nos braços de outro e isso foi o suficiente para ele desamar.

Olhou de relance para o celular e se lembrou da ex-namorada. De como ela sabia preparar o melhor arroz com feijão e ainda sabia ser linda quando dançava em cima da cama, só de calcinha e sutiã. De como tinham sido felizes em curtos cinco meses de namoro. Dos planos futuros que fizeram, dos nomes que dariam aos filhos, da gorda poupança que lhes permitiriam viajar pra Paris uma vez ao mês. Pegou o celular e ligou para ela. Saudade. Saudade, era o que ele escutava enquanto o tu tu do telefone indicava que, muito provavelmente, ela não iria atender. E não atendeu.

Lembrou-se também da antiga professora de inglês. Olhos vivos, usava um decote que deixava à mostra dois seios muito bonitinhos de se ver. Ele nunca fora bom com idiomas, mas fez de tudo para aprender a língua dela. Chamou-a para sair, disse que estava apaixonado, que não dormia a noite, que perdera a fome, que só pensava em ir pra Nova Iorque e colocá-la dentro de um daqueles taxis amarelos, pra poderem se embolar no banco de trás. Ela se assustou com a declaração indiscreta e pediu um tempo, mas não deu mais sinal. Isso porque as aulas eram particulares e ela nunca mais atendeu o telefone.

Escovou os dentes e trocou de roupa para ir comprar o jornal. No elevador, cruzou com a senhora do 504, aquela que tinha uma filha jornalista, ruiva, com covinhas que apareciam sem precisar sorrir. Ele perguntou pela filha e a mulher disse que ela estava na Turquia, fazendo um passeio com o namorado. Ele sentiu ciúmes, muito ciúmes. Mas se controlou e despediu-se da senhora do 504, que era sempre muito agradável.

Abriu o guarda-chuva e caminhou até a banca de jornal. Comprou o periódico de costume e ainda levou mais duas revistas que traziam, na capa, atrizes que ele tinha muita vontade de conhecer pessoalmente. Recortaria as fotos e guardaria na sua gaveta, pra poder fazer juras de amor a elas, nos dias de solidão. Marchou de volta para casa, sentou-se em frente à televisão, comeu as unhas, tirou as calças, bocejou. Ele não gostava de ser só, mas já havia se acostumado. Solidão é hábito, é anestésico. Solidão é a cama vazia. O quarto vazio. É a cara pintada de branco-e-preto e um café feito com duas colheres de pó. Pra um só.