sexta-feira, 2 de novembro de 2012
Ela é carioca
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Soraya
- Se chamam teclas. E zebra não é uma comparação das melhores. Presumo que você esteja bêbada e que não seja namorada do Sérgio.
- Tá, nós nos conhecemos hoje. Mas eu gostei muito dele, viu? Muito mesmo. Será que eu posso voltar outras vezes pra poder tocar as zebrinhas? Eu amei tanto isso: o som, sabe?
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Febre
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Que seja
quarta-feira, 28 de março de 2012
Sorrio
Vendo essas aguinhas silenciosas escorrendo pelos seus olhos perturbados, confesso pra mim mesmo que a felicidade é isso. É a gente encontrar no outro alguma coisa que nos desperta sentimentalmente. O querer perto parece algo tão óbvio que o mero especular de uma distância provoca desabrigo. Assim é com seus olhos que misturam todo esse amor e essa saudade latente, toda essa coragem de dizer que o choro não é fragilidade. Choro é sentimento desaguando, por não caber apertado no peito. E eu não consigo disfarçar um sorriso. Não é frieza minha, nem pouco caso. É que fui despertado. Provoco um abraço e você vira mar. Eu, rio. Só rio.
sexta-feira, 2 de março de 2012
Trivialidades
- Por que eu?
- Porque sim. Porque sempre que a gente se despedia, eu voltava pra casa com a sensação de que deveria ter prolongado o abraço. Porque seus bilhetinhos vinham sempre acompanhados do cheiro do creme que você usa para as mãos. E quando você coloca os cabelos atrás da orelha, você pisca os olhos três vezes, quase sem querer. Porque quando fomos tomar aquele sorvete juntos, no meu aniversário, eu me toquei que eu poderia conversar com você pro resto da vida. Bastaria um banquinho e um copo de água, pra quando a boca secasse. Também porque quando você sorri, é como se sua boca brincasse de liga-ponto com essas duas marquinhas nas suas bochechas. É porque eu te conheço desde sempre. E conheço bem mais que a mim.
- Não. Não é isso. Por que eu não consigo usar essa batedeira? Vê se eu liguei certo na tomada, vê?!
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Memórias de minhas damas tristes
Hoje, se eu pudesse dizer alguma coisa a elas, eu diria. Porque o amor não dá certo sempre, a gente sabe. E, muitas vezes, descobre-se que nem era amor coisa nenhuma. Era paixão, outras vezes carne, outras vezes só vontade, outras ainda, ilusão. Algumas passaram em minha vida feito um feixe de luz, tão rápidas. Outras foram ficando, devagarinho, pegando o melhor lugar da sala. Mas eu diria uma porção de coisas, se pudesse. Só se eu pudesse.
Diria a Ana que ela foi meu primeiro amor beijado. Tive outro primeiro amor, mas era adolescente demais e tímido demais. Com Ana foi o beijo. O primeiro de todos, debaixo de uma árvore e ao som de sei lá qual música. Foi bonito e romântico, tirando a parte que, depois do beijo, me comportei feito um imbecil e danei tudo. Podia ter sido namoro, romance, casamento. Mas eu danei tudo com minha insegurança e com aquela falsa ideia de que beijo era pecado. Pecado era gostar demais e não poder estar perto, foi o que descobri depois. Eu gostava dela. Só que não daria certo, por muitos motivos. Éramos dois corações batendo no mesmo ritmo. Importante é sempre ter um descompassado, pra dar ao outro uma emoção desconhecida. É assim que as coisas ficam completas, penso.
Diria a Bia que ela foi a primeira vadia da minha vida. Linda de morrer, mas totalmente perigosa. Iludia, dizia que gostava, fazia carinho. Depois ia se entrelaçar nos braços de outro. De outros, nem sei mais. Fazia-se de vítima, dizia que era frágil, essas coisas. E eu a recebia, bobo que era. O bom foi que não me envolvi demais. Gostava, mas gostava pouco. Não foi o suficiente para sofrer. Nem foi amor. Foi uma coisa insana, tensa, perigosa. Afastei porque foi melhor. Nos encontramos depois, ela me queria. Eu fiz de difícil e me arrependi. Eu diria a ela que se comportou como a mais perfeita vadia. E mais nada.
Rita foi aquela amizade que virou admiração, depois atração, depois beijo. Eu falei em namoro, ela não quis. E depois fui concordar com ela. Éramos opostos. Eu, naquele meu convencionalismo retilíneo e ela no feminismo tresloucado, quase bêbado. Ela, naquela pose de riponga liberalista, falava de comunismo e andava com camisas com o rosto de Che Guevara. Foi essa energia toda que me puxou pra dentro dela. E toda aquela inteligência misturada a uma candura quase imperceptível e uma sensibilidade que me tocava de longe. Diria a Rita que foi ela quem me provou que é possível sim, ter uma amizade depois de um beijo. Porque conseguimos.
Maria foi o meu amor mais duradouro. Foi uma escolha. Aprendi a amar. Se eu era convencional, ela era dez vezes mais. Emburrava com pensamentos que considerava radicais e propunha um mundo regado de pessoas que fossem como ela. Chatas. Maria seria linda, se não me amarrasse. Se me deixasse leve, eu iria junto dela, sem querer contrariar. Fui querendo ela distante, apesar de ter me dado os melhores beijos, os melhores abraços e os melhores carinhos. Estive muito nela e ela muito em mim. Falamos em casamento (que loucura!) e tivemos um namoro inseguro. Ela insegura. Eu inseguro. Foi meu primeiro sofrimento por amor terminado. A recuperação foi difícil e eu soube, enfim, o que era curtir uma “fossa”. Por causa desse amor que precisava morrer, me tornei o garoto mais estudioso na turma. Diria a ela obrigado, porque, por causa dela, consegui galgar bons caminhos profissionais.
Por último, teve Nádia. Outra vadia, daquelas venenosas. Me aprisionou numa conversinha mole e num charminho barato. Provocou-me até que eu cedesse e ficasse à mercê dos caprichos dela. Fui alvo. Vítima. Eu sabia que ela era completamente errada pra mim, mas fui. Porque precisava, porque queria uns carinhos vagabundos. Porque achava que a gente não poderia desperdiçar as chances assim, sem saber por que. Me lasquei e me arrependi. Dei tchau e sumi. Pra sempre, amém. Diria a Nádia que ela merece um troféu de melhor atriz da nação brasileira. Não me convenceu, mas a encenação foi boa. Muito boa.
Essas damas que compuseram o que hoje sou e tenho criaram um misto de querer-bem e ressentimentos. São as chagas dos relacionamentos, dos seus embaraços e dos seus fins. Mas me resta a certeza de que assim sou porque as tive em alguma parte da minha história. E, em razão delas, desenhei um futuro que pretende ser igual naquilo que foi bom e distante daquilo que não valeu. Resta, ao fim, esse meu coração insistente em amar. Além da certeza quase cega de que o amor tem chance e vez. O amor, essa coisa que ninguém sabe de onde vem, sempre haverá enquanto a esperança insistir. E existir.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Rute
Algumas vezes, Rute me chamava para conversar. Era uma conversa de sinais, de olhos, bocas, sobrancelhas, pálpebras. O corpo de Rute falava, enquanto me levava para algum lugar muito perto do sol. Naquela época, eu não sabia o que era o amor entre homem-mulher, por isso eu a amava como mãe, como alma. Aquelas mãos que amoleciam meus cabelos e me ofereciam bolo de fubá; aquela voz que enfeitava as histórias mais encantadas e me chamava de meu querido; aqueles pés sempre limpos que pedalavam a parte de baixo do piano: música que eternizava. Quando a gente cresce, as pessoas ficam desinteressantes. Caem da moldura e se mostram covardes para serem lindas. Eu, criança, conheci a sinceridade de Rute. Hoje, ela, envergonhada da minha barba e da minha voz grossa, caminha apressada na rua e me manda um tímido aceno. Ah, que saudade de Rute.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
O caso do João
Da série: quem vê cara não vê coração.
Durante a minha graduação em Direito, fiz um estágio de conciliação no Tribunal de Justiça. Antes de chamar as partes de um determinado processo para compor a mesa, notei, pela lista que tinha em mãos, que os advogados e seus clientes eram todos homens. Gritei os nomes da lista no corredor e três homens e uma mulher entraram na minha sala. Acreditei que a mulher fosse alguma acompanhante ou mesmo estagiária de um dos advogados. Sendo assim, como era de praxe, aguardei alguns minutos para que o quarto nome da lista aparecesse. Assistindo a ansiedade dos que já estavam na mesa, salientei que era preciso aguardar o João. Depois de alguns risos dos advogados, a mulher voltou-se para mim e disse em grossa voz:
- Eu sou o João.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Sessenta e sete vezes
O telefone tocou sessenta e sete vezes. Mas o barulho me acompanhou ao longo de todo o dia. Atrás do telefone, a alguns quilômetros daqui, eu imaginava você, frenética, apertando o recall com o indicador direito; o indicador esquerdo na boca, sendo mordiscado. Eu não pude te atender. Não poderia. Você me fez vulnerável demais na noite anterior, enquanto preenchíamos aquelas taças de vinho com lembranças de um passado recente. Eu te amei em todos os toques do telefone; sessenta e sete vezes te amei. Meu coração estremecia ao pensar em você, frágil, querendo fazer de mim cachecol no pescoço. Senti-me inútil ao tentar fazer as pazes com a solidão. O amor não deixa a gente só, porque existe sempre a sombra da outra pessoa que nos acompanha. Não se assuste. Eu falo de amor, mas o que sinto não merece esse nome. Não merece nome algum. O que me preenche não é sentimento, saiba. É você, inteirinha.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Cego
Essa sensação estranha de ter vivido algo que nunca vivi. Essa mania de palpitar na vida alheia, sugerindo algo que eu não faria, que eu não seria ou não gostaria de ser. Sentimentos confusos de quem parece já ter ido ao futuro e voltado com um milhão de problemas. Essa vontade de problematizar todos os caminhos, todas as chances, de deixar toda porta entreaberta, caso queira voltar depois. Deixar tudo reticente, inacabado. Não brigar, por conveniência. Não amar, por medo. Não cair, pela consequência da queda. Não arriscar, por apego ao certo. Não viver profundamente, intensamente, milimetricamente. Esperdiçando as emoções, os tempos, as fases, as estações. Essa mania de ser humano demais, estável demais, de ter que dar conta, de não desabar. Ser e ter. Comprar e dar valor. Respeitar sem limites, sem até mesmo auto-respeitar-me. Essa sensação de tudo ser muito escuro. E de eu ter que ser o cego que tateia. Em busca de estrelas distraídas.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Ritmo Desnorteado
- É porque você acorda todo dia às sete da manhã e me arranca os lençóis sem aquela suavidade que se precisa para não levar um susto, me bota doida pra arrumar seu café, repetindo mil quatrocentos e cinquenta e quatro vezes que está atrasado e que a água do chuveiro anda gelada demais, que eu preciso ir ao salão fazer as unhas, mas você esquece que eu trabalho para uma empresa capitalista que suga todos os meus horários possíveis e me paga a hora extra que garante nossa viagem de fim de ano. Lá do corredor, você vem falando em voz alta que nosso jantar do sábado será cancelado porque você marcou a peteca com os colegas de trabalho e eu deixo seu pão queimar na torradeira porque odeio quando você desmarca as coisas em cima da hora, mas você não me deixa falar das minhas bravezas e já vai contando dos sonhos esquisitos que teve durante a noite, emendando a pergunta frequente: se o ronco tem diminuído. Respondo que não, que você nunca parou de roncar e que, para piorar, você vem adquirindo uma nova mania noturna: empurrar os pés gelados pra cima de mim, me fazendo acordar com o coração aos pulos acreditando piamente estar sendo arrastada por uma avalanche e, depois, caindo dentro de um cubo gigante de gelo. Você come seu pão em silêncio e diz que o almoço vai ser corrido, as crianças precisam estar prontas para que não haja atraso algum, frisa novamente que minhas unhas estão feias e que meu cabelo até que anda legal. Odeio seu sarcasmo matinal e sua insistência em querer me ver linda e bronzeada em cinco minutos, esquecendo dos meus caprichos e da minha demora na maquiagem. Eu o chamo de insensível e você derrama a xícara de café, sempre derrama. Algumas gotas caem na sua camisa branca e você vai trocá-la, esbravejando. Então você segue pelos corredores com pés pesados de quem dança um samba doido e aparece de novo ajeitando a gravata que não combina em nada com a nova camisa. Eu lhe digo e você me pede pra escolher uma melhor. Eu escolho e você xinga, dizendo que eu só gosto daquela, o que é mentira porque todas as suas camisas foi eu que comprei, mas você gosta de me provocar dizendo que algumas foram sua mãe e eu repito: ela não teria tanto bom gosto. Você se troca com cara de quem quer ir trabalhar é com a camisa manchada de café mesmo, que se dane a estética e eu o atraso, sussurrando que você fica ainda mais bonito com a listrada de marrom. Sorrimos juntos e eu o acompanho até a garagem onde nos despedimos num beijo apressado e numa troca de carinhos suados que se misturam com a saudade que já vai apontando no peito. Eu aceno, como todas as vezes, e espero o portão se fechar entre nós dois. Retorno pra cozinha e ponho sua camisa suja na máquina, lavo as louças do café, ligo pro restaurante cancelando a reserva do final de semana, marco horário no salão pra fazer as unhas e penteio os cabelos. Acordo as crianças e peço pra elas ficarem prontas ao meio-dia, me arrumo e saio pro trabalho. Por dentro, estou agitada. Ninguém como você pra me deixar assim. Pronto, acabei. Vai dizer alguma coisa?
- Casa comigo de novo?
[Julho de 2009]