domingo, 13 de dezembro de 2009

Nosso outro primeiro encontro


Então você chegaria com um sorriso tímido na face e mãos trêmulas que não saberiam onde se esconder. Eu riria de você tentando disfarçar seu nervosismo, mas também lembraria do meu, que pareceria um gigante invisível ao meu lado. Nos olharíamos por quase um minuto antes de nos entregarmos a um abraço longo e demorado com suspiros de alívio e sorrisos – dessa vez não tão tímidos.


Eu pegaria você pelas mãos e te levaria pra algum lugar muito meu a fim de que você conhecesse e passasse a ser muito seu também. Sentaríamos um de frente para o outro e eu olharia dentro de você, usando um binóculo fantasioso que eu tenho. Depois, arrancaria do meu bolso um ramalhete de poesias e ficaríamos horas lendo e comentando cada estrofe, dizendo sobre como aquelas palavras carregam muito de nós dois.


Assim, quando já estivéssemos bem à vontade, embriagados da felicidade de podermos tocar nossos dedos sem o medo irritante de sermos descobertos, eu diria a você algumas frases engasgadas. Aposto como eu ficaria nervoso nesse momento. Talvez eu até começasse a gaguejar e diminuir o tom de voz, desejando um terremoto naquele instante para que a gente tivesse de sair correndo. Mas eu lembraria que você nunca esquece nada e, possivelmente, me ligaria dois minutos após o terremoto e me pediria pra continuar a conversa – aquela interrompida pelo abalo sísmico psicológico.


Mas se não houvesse terremoto – o que é muito provável, considerando que estivéssemos no Brasil – eu pediria que você fechasse os olhos para eu dizer tudo. Só quando você estivesse com as pálpebras cerradinhas e um sorriso torto no corpo inteiro dizendo “Eu não acredito que uma pessoa possa ser assim” – só então eu começaria a falar com segurança.


Eu diria que você é o meu amor e que eu gastei dois anos de versos para falar de você – ainda que indiretamente. Falaria que eu gosto muito do jeito como você me trata, ainda que eu, por vezes, não consiga retribuir. E que sua voz ao telefone parece enviar qualquer tipo de corrente elétrica que passeia por meu corpo todo, acionando mil setecentos e doze notas diferentes. Percebe que eu canto, enquanto falo com você?


Também diria que eu gostava dos seus cachos e de como a poesia combinava muito com eles. Mas também gosto do cabelo liso – porque se eu não dissesse isso você ficaria chateada. Gosto muito dos seus torpedos gayzinhos e do seu mau-humor sarcástico que me mata de rir. E dos seus exageros e dramas, pra me comover. Gosto das suas histórias demoradas, dos detalhes, da forma como você me coloca dentro delas e de como você fica bonita narrando e gesticulando ao mesmo tempo.


Eu diria que nunca quis uma pessoa tão perto. E que, em alguns momentos, me dava raiva não poder ir até sua casa, bater na porta, encontrar você com o rosto marcado de travesseiro, com os olhos pesados e um pijama combinando com as pantufas. E depois de rir da sua cara, entrar para tomarmos o café da manhã. Eu sei que você não toma café da manhã – já até brigamos por isso – mas eu te faria comer, nem que para isso eu tivesse que simular uma estúpida chantagem: “Se não comer, nunca mais falo com você”. E sei que você comeria tudo, com muita pressa.


Diria que eu fico imaginando o dia do meu aniversário de setenta anos. Nós dois velhinhos, com os olhos satisfeitos e os dedos entrelaçados com a mesma força da juventude. Fico imaginando que você, pra me surpreender, prepararia um discurso. Levantaria no meio de toda aquela gente e, com a voz rouca e fraca, leria sua carta com pausas de emoção, enquanto eu entoaria um choro escandaloso, sem vergonha de repetir em cada lágrima: fiz a escolha certa. Penso que suas palavras falariam muito bem de mim e eu iria embora deste mundo com a certeza de ter vivido aquilo que Vinicius chamou de um grande amor.


Eu diria que você me completa de forma a não deixar nem uma brechinha. Daí eu assumiria acreditar mesmo naquela velha história de partes que se fazem todo. Diria, por fim, para você abrir os olhos. Imagino que, ao abrir, você me faria um carinho implícito. Eu te abraçaria e diria que, sim, tenho mais uma surpresa. Então eu tiraria da minha mochila um presente que deixaria você muito louca, dando gritinhos de satisfação. Você me apertaria e me agradeceria eternamente. E nós comeríamos juntos o seu presente – um pote de sorvete de cajá.


Depois, provavelmente, você me chamaria de meu benzinho e se enroscaria no meu peito, dizendo que só tem um pensamento: ser só minha até morrer. Com o coração se manifestando por meio de sons inapropriadamente audíveis, eu te olharia com olhos mansos, lembrando de como desejei aquilo tudo. De como desejei, a vida toda, você.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Passarinho


- Que tem de bão aí, na panela?


- Tem nada não, sai de perto.


- Ih, acordou do avesso, muié. Tá de coisa?


- E eu lá sei o que é coisa?


- Coisa, daquelas que muié sempre tem.


- Não, tenho coisa não. Tô só pensatória mesmo.


- Ainda tá triste com o passarinho? Eu já lhe disse, muié, um passarinho de nada, aquele. Amanhã eu vou lá na venda do Tão e te trago outro.


- Não é isso, home de Deus. O pequenino era que nem filho pra mim. Era dar seis horas, ele começava a cantar pra eu acordar. Então eu dava o de comer pra ele e ele ficava com aquelas asinhas salientes, feito menino endiabrado. Dispois a gente cantava junto, sabe? Ele tinha uma vozinha fraquinha, coitado. E eu acompanhava ele, pro canto ficar bonito.


- Tá doida, é?


- Acontece que me acostumei. Era parte do meu dia parar, dar atenção, dar o de comer, cantar com ele. E quando ele pedia pra dar um voltinha com aqueles olhinho apertado? Eu abria a gaiola e ele ia pintar nos pé de manga do quintal. Ia e voltava, feito filho obediente. Tão bonitinho, o pequeno.


- Muié, para com isso de chorar! É um animalzinho. Como pode ter pegado amor com um bicho que nem sabia seu nome?


- Ah, sabia sim! Sabia sim, viu? Que eu ouvi uma vez ele me chamar e eu até me voltei apavorada, pensando que era coisa de outro mundo. Mas vi que era ele, com aquela vozinha fraquinha, coitado. Veio cantando pro meu lado, dizendo que meu nome era bonito. E repetia: Ma-ri-a.


- Muié do céu, tô ficando é preocupado com cê. Que isso agora de ouvir passarinho falar? Vou ligar pro doutor.


- Carece não, home. É coisa que não explica, de quem inventa de escutar o que não deve por gostar demais. Sentimento faz aparecer algumas coisas do lado de fora também.


- Sentimento que nada. Isso é doidice.


- Me deixa! Vou acabar de fazer o almoço e ocê trata de arrumar alguma coisa pra fazer. Home impertinente, diacho!


- Isso aí de sentimento por fora, é bom? É que nem meu abraço, assim?


- Sai, home. Sai que a panela tá pegando fogo.


- Não ligo. Canta pra mim, canta passarinha.


- Seu bobo! Coisa mais besta. E isso não é hora de namorar. Tô suja.


- Tá é linda.


- Cê acha, mesmo? Mais que a Carmélia?


- Carmélia não canta.


- Eu perguntei isso?


- Não importa. Vai cozinhar, vai. Vou na venda do Tão. Te compro um presente. E você se enfeita pra lua que vai assistir nosso cantar hoje.


- Você não canta.


- Quem disse?


- Eu disse.


- Pois vai ver só.


domingo, 8 de novembro de 2009

A breve história de Ruth Larenz


Seu nome era dos mais comuns. Ana qualquer coisa. Cresceu dentro de uma família normal, pais que brigavam vez ou outra, irmãos bagunceiros, tias chatas, aulas de inglês forçadas. Queria muito se encaixar naquele mundo quadradinho de gentes quadradinhas que saíam de casa pro trabalho e depois voltavam com um ar de sou-a-pessoa-que-mais-trabalha-aqui.


Chateou-se das músicas, dos livros, dos amigos. Tudo era muito clichê, a vida era a mesma história contada várias vezes. Escrevia seus pensamentos em um caderno e depois arrancava as páginas e as queimava. Ninguém jamais entenderia que palavras eternas são um perigo.


Saiu de casa numa noite de quarta-feira, aos dezessete anos. Foi sem amigos, sem influência, sem avisos. A alma, de repente, ficou mais leve. Saber que não precisava carregar consigo toda aquela vida quadrada de anos acelerava seus passos. Decidiu que trocaria seu nome. A partir de então se chamaria Ruth Larenz. Teria dezoito anos, para todos os efeitos. E queria um drinque.


Entrou em um bar movimentado. Gente estranha e igualmente quadrada. As pessoas são todas iguais, concluiu de forma triste. Sentou-se em uma mesa vazia e pediu uma coca-cola com limão e gelo. Molhou o indicador no líquido e rodou o gelo, fazendo-o tilintar no copo. Não bebeu. Olhava para todas aquelas pessoas como se fizessem parte de um grande quadro. Pessoas achando que têm vida.


Alguém apareceu à sua frente. Ruth fez que viu, mas não deu atenção. Era uma senhora com hábitos religiosos escritos na face. A mulher implorava para sentar-se. Ruth deixou, de repente. Foi uma conversa de quase meia hora. Ruth não deu a mínima. Não queria saber nem se importar com aquela mulher que, além de faladeira, tomava toda a sua coca-cola.


A mulher se foi. Ruth se levantou pouco depois e voltou para casa, com uma avidez louca de sair do seu próprio corpo só por um instante. Entrou em seu quarto, o abajur aceso e os livros espalhados pelas estantes. Seu canto quadrado. Seu mundo quadrado. Fazia parte e não tinha como ser diferente. Não assim, de fora. Abriu a janela e viu um gato na árvore, lhe fazendo serenata. Sorriu displicente e acenou pra o bichano, como se ele fosse um galanteador interessante.


Deitou-se e despiu-se de Ruth. Melhor ser a Ana de sempre do que a Ruth que não sabia ser. Melhor escutar poesia de um gato do que pintar um quadro de pessoas reais, sem vida. De repente, entendeu que mesmo não cabendo naquela realidade, poderia fazer um esforçozinho. Sua esperança era topar com uma alma tangente à sua.


Com o peito abarrotado de sonhos novos, dormiu.



sábado, 31 de outubro de 2009

Saudade é esperar no portão


O tempo todo ela olhava no relógio como quem admira um mar remansoso. A esperança era que os ponteiros marcassem seis e trinta, a hora que ele costumava chegar. Os minutos são eternos quando a saudade debruça sobre eles.


Qualquer barulho lá fora parecia sineta anunciando sua chegada. O amor devia ter limites, pensou, mas logo se arrependeu.


A mesa estava pronta. O café fumegante dentro da garrafa térmica a fazia lembrar daquelas tardes de sábado preguiçosas. Os dois sentavam-se à mesa e faziam caretas pra garrafa que, em espelho, distorcia suas formas. E aquilo era como cócegas no céu da boca que explodiam em risos. O amor devia ter limites, pensou de novo, e dessa vez gostou de saber que as palavras faziam sentido.


Olhou para o porta-retrato. A foto era em preto e branco de um dia colorido. A felicidade visitava os olhos dos dois e fazia uma poesia calada, interna, segredo só deles. Não se lembrava em que época o flash tinha eternizado aquele passado que agora era saudade trazida para mais perto. E a saudade, pensou, vem com um certo esquecimento.


Rodou a maçaneta na esperança de que tal gesto fosse um ímã que trouxesse ele mais cedo. Empurrou a porta e deixou entrar todas as lembranças. Surpresa, viu que ele estacionava o carro na rua, em frente à casa. Ela sorriu, como sempre sorria. Ele desceu do veículo com o rosto mergulhado em assuntos chatos, mas com um sorriso discreto que ia pedindo afago.


Ela sentou-se na escada da varanda, de frente ao portão. Dali podia ver a rua, podia repetir quantas vezes quisesse o momento em que ele chegava com o carro, descia com o rosto contorcido - assuntos chatos - mas sorria um riso pequeno, de quem quer afago. O amor devia não doer, ela pensou. E era como se fosse um pedido.


Ele não chegava. Nem nunca ia chegar. Mas ela esperaria. A saudade lhe bastava.


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Da janela, um ipê


Daqui da janela da minha copa eu vejo um ipê amarelo. Todo dia de manhã, enquanto a água do café ferve daquele jeito meio lento como de quem desperta e vai estralando dedo por dedo, abrindo cílio por cílio, eu escoro no parapeito e me demoro. As flores, de longe, parecem uma coisa só, enfeitando os galhos altos que erguem as mãos aos céus, numa oração bonita que eu escuto daqui.


O café quente – talvez mais quente que a minha vontade de ter alguém por perto e trocar meia dúzia de dinheiros grandes por um abraço – é um sinal de alerta: hora de acabar com a preguiça que agarra as pernas. Um gole é como um despertador barulhento, numa insistência louca em me chamar para a sanidade. Prefiro os sonhos. O sono, a cama e o corpo horizontal. Prefiro os ipês.


Quando saio de casa, tropeço em três ciganas que imploram minha mão. Eu me esquivo. Futuro é uma coisa que, sabida, se torna patética. É como se acabassem todos os motivos para viver. Mentira. Há motivos maiores, bem sei. Mas é que a vida não é só sentimentos. Bonito seria se fosse. As ciganas sempre andam tão sujas e coloridas. Mas é uma cor desbotada, de mil e tantos anos. Um contraste. Alguém que lê o futuro, parece ter vindo de um passado distante. Minha mãe sempre dizia que o futuro me traria dinheiro. As pobres ciganas não tiveram mães.


Meus passos me levam pros lugares de sempre. O trabalho. A faculdade. O restaurante. Depois a casa. Meus pés parecem doutrinados e não se atrapalham mais. Desconhecem a liberdade de outros cantos. Um dia – decidi agora – os levarei ao ipê, aquele que vejo da minha janela. Será uma mudança drástica. Talvez eu leve meu caderno e minha caneta, também. E dali, debaixo daquele amarelo, escreverei outra carta. E, de alguma forma, quando você me ler, estará comigo ao pé do ipê, porque minhas palavras te remeterão até lá.


Te encontro mais tarde, quando a saudade me trouxer delírios.


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Terapeuta


Com licença. Hoje eu não quero mais esse negócio de terapia, o senhor vai me desculpar. Sempre eu falo, falo, falo e nunca chego a conclusão nenhuma. Nunca achei que problema se resolvesse com o simples extravasar de palavras. Fosse assim, todos os escritores, todos os poetas, todos os locutores seriam as pessoas mais bem resolvidas desse mundo. Além do mais, sempre tem uma coisa chata de se falar. Sim, aquele detalhe que ninguém nunca soube, nem nunca saberá. Mas se eu começo a falar de uma coisa, logo caio em outra e aquele detalhe que pra todo mundo era despercebido, diante de mim se sobressai, avivando minha memória. Tem coisa que eu quero perder, perder pra sempre. E não ficar ruminando, tentando achar uma saída. Do que adianta eu ficar aqui buscando uma resposta pra minha solteirice? Tentar entender por que as mulheres fogem de mim assim como o ateu foge da bíblia? Perda de tempo! Tudo não passa de cogitações loucas da minha cabeça e da sua. Quer ver só? Eu paro a primeira mulher na esquina ali e pergunto: “Quer ser aquela amada com amor predestinada sem a qual a vida é nada sem a qual se quer morrer?”. Certamente ela morrerá de amores e aceitará meu pedido. Só então eu explicarei pra ela que minha vontade de ter uma namorada é tão-só para me ajudar a cortar os cabelos das axilas. Ela vai me insultar e eu vou sorrir, porque a vida é leve e cheia de ironias. Cansei mesmo dessa história de pagar uma fortuna pra você me dar conselhos, ter que ficar quarenta minutos nesse sofá-caqui horroroso que parece ter saído de um porão fedido. Não estou menosprezando sua profissão. Estou é buscando a simplicidade que eu mesmo perdi quando desenhei um novelo de lã tentando entender o que é isso que se chama de vida. Não se entende. Ponto. Aquele que tenta se entender por um minuto se perde em outros dez. Do que adianta? Hoje eu resolvo meus problemas e amanhã a bolsa de Nova Iorque fecha em baixa e eu fico pobre. Mais problemas. Outros mil. Ou então um meteoro cai na Terra e mata cem milhões novecentos e cinqüenta e quatro mil duzentos e setenta e sete pessoas de uma só vez. Imagina só? A vida é isso aqui, sabe? Pequena e boba. Que nem essas piadas que a gente conta, ri e depois, se ouvir de novo, não ri mais. Pequena e boba. Eu vou acertar minhas contas com você. Mas antes eu vim lhe fazer um convite: topa fazer as malas e passar uma semana na praia? Não é brincadeira. Estou indo. E agora. Porque esses lampejos de liberdade somem em três tempos. Não se preocupe. Eu volto. Com dois amores debaixo do braço e um sorriso de alívio no resto do corpo. Eu vou.


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Os olhos de sempre


Ele sentou-se diante dela e viu os mesmos olhos, o mesmo sorriso, a mesma pose. Há tantos anos ela era sempre igual. Metodicamente igual. Acordava sempre do lado esquerdo da cama às seis horas da manhã. Seguia para o banheiro e se demorava num banho de vinte minutos. Exatos vinte minutos. Saía cheirando o mesmo perfume, os dentes escovados com a mesma pasta de dente. Sentava-se à mesa já preparada pro café e tomava o chá. Duas torradas. Uma passada de olho no jornal em leitura superficial, só pra ficar por dentro das manchetes.


Ela não mudava. Isso o irritava profundamente e parecia que ela agia em provocação. Por que sempre os talheres de cabo azul? Por que sempre o batom rosa? Por que sempre a timidez escondida no canto do olho e um pé a trás a cada passo dado? Previsibilidade. Ele não dava conta disso. Sabia todos os passos dela, todos os pensamentos, tudo o que ela ia dizer. Não que fossem parecidos a tal ponto. Ele estava farto. E estava disposto a romper.


Sabia de todas as reações dela. Primeiro ela entortaria um pouco a boca. Pra direita. O cenho franzido, uma inclinada de leve com a cabeça. Ela tentaria falar qualquer coisa e não conseguiria. A boca se abriria tantas vezes em busca de palavras que não chegariam. Ela desistiria e, nessa hora, as lágrimas viriam. Seria um choro discreto, como ela mesma era. Talvez um soluço fininho em apelo disfarçado. Não diria nada. Só os olhos. Os olhos dela sempre disseram tudo. E ele leria em suas íris: “Como você pode?” e se sentiria mal, sujo, profano.


Aquilo tudo era amor. Não se entende mais assim? Amor sim, de cumplicidade. Ela se permitia a ele. Fazia-se conhecer em todos seus segredos e rituais. Era como conseguia se fazer no dia-a-dia, era como ela procurava agradá-lo. Até o bilhete que ela sempre deixava antes de sair de casa: “Saí para o trabalho, deixo um beijo”. Sempre o mesmo bilhete e a letra redondinha de sempre. Engraçado que ela saía, mas o bilhete ficava como se fosse a presença dela. Saí-um-beijo-fui-ao-trabalho-deixo. Era bonita a forma como ela cuidava das coisas e como escolhia se apresentar ao mundo. Previsível.


- Então diga, meu bem, diga o que tinha a me dizer. – ela implorou com aqueles olhos lindos de sempre, os mais previsíveis de todos.


Ele estava diante dela. O mesmo sorriso. As palavras que ele esperava ouvir. Ele sorriu em retribuição e devolveu a resposta em sussurro:


- É que eu te amo. Hoje mais.


E ela chorou. Imprevisivelmente.


sábado, 19 de setembro de 2009

De repente

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

(Soneto de separação – Vinicius de Moraes)

Éramos matina nos olhos dos outros. Amizade que parecia casamento. Afinidade como aquela entre Diadorim e Riobaldo. Vivíamos o tabu de que homem e mulher não se podem ter por amigos. É bem verdade que tentamos um namoro. Lembra? Mas não passou de palavras, de meias conversas, de intenções que morreram quando veio a descoberta que o encontro das nossas carnes poderia abafar o do espírito.


Éramos cúmplices de todos os dias, de todas as vezes. Os risos trocados em sala de aula, os olhares-segredos cuspidos em momentos inoportunos, as mãos batendo sobre a mesa em ritmo de marchinha, música que íamos criando, sem nem saber que era poesia. Ficávamos naquela de um ser o outro e do outro ser o um, querendo cada dia mais semelhanças. Escrevíamos. Nossas letras trocadas eram a essência do eu te amo que pronunciávamos de lábios fechados, com todas as sílabas. Você me ensinava seus gostos, eu te ensinava os meus. Permutávamos.


Engraçado lembrar que antes, quando nossa aproximação nada mais era do que coleguismo, parecíamos moleques dados à rixa. Trocávamos chicotadas, zombarias, apelidinhos maliciosos. Uma criancice ingênua que não nos permitiu a amizade de supetão. Crescemos e nosso encontro se deu debaixo da pele, em qualquer lugar que nunca buscamos, por imaginar nunca existir. Você. Eu. Em uma dança demorada, na sala escura ao som de uma música nossa. Você com os braços enleados no meu pescoço, conduzindo meus passos desajeitados, meu descompasso nato, meu nervosismo de ter seu coração batendo junto ao meu. Dançamos a vida inteira.


De repente, não mais que de repente, como se já tivéssemos lido Vinicius em algum momento de nossas vidas, como se já houvéssemos desejado o fim de algo que nunca acabaria, acabou. Os dedos sinalizaram um adeus tímido e os olhos penderam para baixo juntamente com a cabeça e com o resto do corpo. Nos perdemos em qualquer esquina. Estranhamos um ao outro em encontros posteriores. Você não cabia mais em mim. Eu não participava mais de você. Nossa conversa, sentados na calçada, foi sobre os caminhos tortuosos da vida, sobre a falta das pessoas, sobre aquela velha história de cativar.


Nosso último abraço, palavras doídas ditas sem necessidade. Como se houvesse um rancor implícito pela distância inevitável. Fizemos tudo ao contrário do que tinha sido. Éramos opostos, agora. Quando foi que nosso liame se rompeu de forma tão insana? E você que dizia sermos eternos. Lembro de você escrever: “pelo menos sei que quando eu morrer terei você pra dizer coisas bonitas ao meu respeito; e então eu ficarei.” Retruco agora: as coisas bonitas não se escrevem. Eu poderia tentar um dia. Mas eu me mataria de desprazer. Bom mesmo são as lembranças e aquele cheiro de época distante que perpetua pelos cantos.


De longe, prevejo seus traços. Futuro bonito te espera.



segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A carta dela sobre a mesa


Ontem a noite, chegando em casa, encontrei uma carta dela em cima da mesa, como que ali jogada sem outro propósito que não chamar a minha atenção. Lancei um olhar curioso para a letra que caligrafava o envelope tão branco, com meu nome escrito de um jeito que contava história. Minhas mãos apalparam a carta ainda escondida. Colocado contra a luz, o envelope se desnudava, deixando perceber as nuances de uma folha de papel almaço com escritos ainda não passíveis de leitura.


Rasguei a beiradinha do envelope. Ela veio junto em seus perfumes, em seus jeitos inusitados de me assustar em sorrisos brandos, em cócegas sutis. Uma graça criada a dois. Como esses segredinhos de casal, piadinhas internas que fazem qualquer beijo parecer estrela despontando no céu da boca. Assim, retirei a carta dobrada em tantas vezes; e em tamanhos impecavelmente iguais. Desdobrei na mesma paciência que imaginei ter sido dobrada. Nesse instante, segurei-a pela mão e nós cantamos de novo “Close your eyes and I'll kiss you”. E foi como quando nos despedimos naquele setembro incomum de orquídeas incolores. Nossos semblantes eram retratos tortuosos, perdidos em uma mistura de infelicidade que seria prolongada por mais um tempo infinito. Choramos de mãos dadas e nossas lágrimas eram versos que atravessavam a face na pretensão de virar poema.


As palavras escritas em forma pequena, os contornos perfeitos de vogais abertas, evocando sentimentos igualmente imensos, inteiros, propostos em si mesmos, sem aquela intenção de se fechar em círculos. Li o texto com os olhos desapegados de qualquer tristeza nostálgica. Eram letras lindas em menção a sentimentos ainda mais lindos, trazendo uma precisão que me fazia latejar o peito, sem saber direito qual reação dar ao corpo. Foi preciso um suspiro longo e duas ou três piscadelas. Um ar gélido percorreu-me as entranhas e, diante de mim, a carta era um convite a embarcar num navio de mares remansosos. Lembrei de Fernando Pessoa, dizendo ao se vestir de Ricardo Reis que “Inutilmente parecemos grandes”. Ela cresceu em mim. Em proporções que nem mesmo a melhor das cartomantes conheceria. Era como se eu me germinasse, virando brotos que, na verdade, era a presença dela se esparramando em meu colo trêmulo.


Reli. Em voz alta, a impressão era de que ela estava ao meu lado, beijando meus cabelos enquanto afagava meu braço na esperança de eu puxá-la pra um ensaio de dança. Vida era embutida naquelas palavras traçadas a caneta. Fácil foi visualizar qualquer matéria de sonho, qualquer resquício de intensidade ou mesmo um mero sussurrar de avisos outrora ditos ao pé do ouvido. Suspeitei estar acometido de um surto psíquico, tamanha era minha certeza de que ela estava ali, ao lado, em qualquer canto. E ainda ria de mim, da minha saudade estampada e do meu medo em me desvencilhar daquela carta-amante e dos seus imperiosos impactos.


Retornei a folha ao envelope, dobrando-a junto com minhas saudades acumuladas. Vontade eu tinha de enviar ao mesmo endereço de onde veio, fazendo-a retornar às mãos delas para depois voltar às minhas. Deixei sobre a mesa, da mesma forma que encontrei quando cheguei em casa. Saudade doía, percebi. E dói ainda mais quando as palavras são capazes de nos remeter ao antes que já não é. A sala permaneceu como estava. Com exceção da carta que magnetizava meus pulmões. Presença. Ela esteve ali, ontem a noite.


sábado, 12 de setembro de 2009

O princípio da cólera


...e os efeitos do amor.


Ódio. Ódio transparente, despido de disfarces. Você saindo abrupta, levando aquela felicidade que plantamos corajosamente anos a fio. Colocamos tudo a perder. O amor que parecia infinito, agora é menor que um grão. A cólera sumindo com os bons sentimentos, encorajando a vingança. De repente, quis sua morte. Quis você estatelada nas escadas, os dentes quebrados, o peito rasgado. Minha dor. Eu quis você feia, suja, deflorada. Não quis saber mais daquelas juras ditas debaixo dos ipês. Nossas conversinhas e carícias que, nesse momento lembradas, traz ânsia de vômito.


Já vem à minha mente alguém falando: “Mas foi só uma briga, vocês logo se entendem”. Não quero me entender. Chega. A gente briga pra depois fazer as pazes e brigar de novo. Amor, desamor, amor, desamor. Parece joguete. É raro alguém que vive amando e só? Eu lembro, no início, você me prometia só amor. Sem cobranças, sem ciúmes, sem chiliques. Eu prometi renúncias, companhia, sensibilidade. Quanto tempo durou nosso pacto? O tempo da primeira briga, por causa de alguma coisa boba, nem lembro mais.


Minha vontade real é ir atrás de você, soltar meus desaforos, abrir sua boca pra você engolir tudo o que eu tenho a dizer. O amor sumiu. Todo. Ou ficou ofuscado pela cólera intensa que vaza como corrente elétrica dos meus fios de cabelo ao meu calcanhar. Você me deixa irritado, só você. Nem as minhas irmãs, nem a minha mãe, nem a vizinha mais chata da rua, nem ninguém. Você me testa. A todo instante. Cansei. Quero só odiar agora. Mesmo que, para isso, eu rabisque num papel tudo o que agora sinto pra nunca mais esquecer. Assim, ao acordar, junto do café, tomarei uma dose de lembranças das suas palavras irritantes. E odiarei mais um pouco. Até me esquecer por completo do quanto te amo.


Talvez você me procure. Eu conheço. Conheço que seus teatrinhos são pra me assustar, me deixar zonzo. Depois você sempre liga, pedindo perdão, fazendo aquela vozinha sussurrosa, de quem quer se entregar inteira. Eu desligarei os fios, trancarei as portas, taparei os ouvidos. Não quero. É a cólera que você me faz sentir em todas as dimensões que desconheço. Vou começar a me desfazer de você. E vai ser agora. Fotos, cartas, coisinhas. Tudo pro lixo. E a primeira outra mulher que me aparecer à frente eu namoro. E desfilo na sua frente pra você chorar. Vingança, que chama.


Mas se você abrir essa porta agora – e tem que ser agora, nem um minuto a mais - eu vou te olhar nos olhos. Você terá que trazer versos nos lábios e um convite de amor estampado. Se você entrar por essa porta e debruçar seu encanto em mim outra vez, eu prometo que não serei tão severo. Prometo que tudo isso que eu disse não passará de pensamentos não realizados. E se, além disso, você vier me abraçar como num pedido de desculpas, falando no meu ouvindo - como num beijo furtado - que me ama até não mais caber, eu me renderei. E te amarei de novo. Pra depois amar ainda mais.


domingo, 30 de agosto de 2009

Se você quer ser minha namorada


...você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer...

(Vinicius de Moraes e Carlos Lyra)


Se você quer ser minha namorada, precisa saber que eu não durmo com a luz acesa e que acordo ranzinza com qualquer iluminação atingindo abruptamente o meu rosto. Mas que eu acordarei contente se meu sono for interrompido por constantes beijos seus em efeito cascata. Precisa saber também que eu costumo acordar de mal-humor e será bem possível que, apesar dos beijos, eu resmungue qualquer coisa, embora por dentro eu esteja imensamente satisfeito.


Se você quer ser minha namorada, precisa saber que eu serei um velho reclamão. Que eu tenho o péssimo hábito de ser metódico e querer as coisas em seus devidos lugares. Mas que eu sairei do meu eixo quando você apontar na soleira da porta enquanto eu estiver lendo Grande Sertão: Veredas, me iscando para qualquer programa a dois. Não será difícil eu me render a duas palavras suas depois de um afago e de algumas promessas. Aquelas bregas, de amor.


Se você quer ser minha namorada, deve saber que sou indeciso. Encontro todas as variáveis possíveis e até as impossíveis. Prefiro o certo a arriscar. Talvez você pense que isso nos fará ter uma vidinha monótona, mas eu prometo ser imprevisível quando você estiver desprevenida. Chegarei com duas passagens de avião para Ravena e uma proposta em um papel timbrado com minha caligrafia trêmula.


Se você quer ser minha namorada, há de entender meu gosto pelo silêncio e a desnecessidade de briguinhas por ciúmes. Mas se aparecer um cara de gestos e palavras impróprias, querendo levar você para longe de mim, eu buscarei força na minha vontade de ser lutador de judô e despejarei nele qualquer coisa parecida com um aviso bem dado. Não serei louco. Serei inteiro de você.


Se você quer ser minha namorada, terá de ser amiga quando meus rancores se esvaírem em lágrimas de dor. Seu colo será meu divã terapêutico e suas palavras como remédio. Sugiro que você cante Toquinho nesse momento, daqueles sambas que fazem meus pés ganharem vida própria e quererem caminhos novos. Caminhos de perdão. E que você não ria depois, me contando como sou feio enquanto choro, imitando minhas caretas. Isso me irrita e eu te beliscaria até você ficar toda roxa. E então eu te beijaria até a dor aliviar.


Se você quer ser minha namorada, precisa entender minha timidez e minha preferência por passeios reservados. Que eu terei vergonha do seu pai, por mais agradável que ele seja; e dos seus irmãos também. Mas para você eu me abrirei aos poucos, e você me folheará em leitura diária, descobrindo tantas outras coisas que nem eu mesmo sabia. Depois, deitaremos lado a lado, com os rostos em contato, respirando o sorriso demente que nos escapará dos lábios. Falaremos de futuro, de filhos e eu a abraçarei inteira, num prenúncio de amor.


sábado, 22 de agosto de 2009

Coisas de gente grande


Ele não sabia ao certo o que sentia por ela. Não entendia muito essas coisas de sentimento, talvez pela idade. O pai sempre dizia que alguns assuntos não eram pra crianças feito ele. Verdade é que ele se sentia homem, quase. Já não tinha medo do escuro e podia perfeitamente atravessar qualquer rua sem dar a mão a Maria. Até mesmo a Avenida Central, aquela onde os carros zuniam sem prestar atenção nos pedestres.


Suspeitou que pudesse ser amor e quis tirar a dúvida. O pai sempre lia jornais, sabia de todas as coisas, era o homem mais inteligente que conhecia. Certamente ele saberia dizer com precisão sobre o amor.


- Pai, amor é o que?


- É algo bom de sentir. – disse o pai que gostava de respostas breves.


- E como a gente sabe que é? – insistiu o menino, já que o pai não finalizara a conversa com o típico “esse assunto não é para crianças da sua idade”.


- Quando o trivial fica bonito de novo.


- Ah! – exclamou o menino, fingindo entender tudo.


Então devia ser amor mesmo. Melhor que fosse porque sabia que amor era um sentimento bom de sentir, como dissera o pai. O menino foi para o seu quarto de onde poderia vê-la. Sabia que todos os dias às seis da tarde ela chegava em casa esbaforida com uma roupa de ginástica apertadinha e entrava logo no chuveiro. Demorava em torno de vinte a trinta minutos e saía de lá aliviada. Ele conseguia ver boa parte de seus movimentos, embora a imagem dela não fosse tão nítida, mas apenas um ponto quase apagado no meio da casa. Teve a ideia do binóculo. Assim poderia amá-la de perto, concluiu.


Ele sabia, porém, que ela não era criança como ele. Era uma moça que vivia como adulto e conversava coisas de adulto. Por óbvio eles nunca namorariam. Talvez se ele tivesse uns onze anos como o Pedro, seu irmão. Ah, se tivesse onze anos, ele saberia coisas de adulto e poderia conversar com ela. O trivial seria tão mais bonito, pensou. Pegou o dicionário para ver o que significava aquela palavra dita pelo pai.


Certo dia, quando o tio fez uma visita à sua casa e sentou à mesa do jantar com eles, escutou uma nova palavra: amante.


- Amante é o que, tio? – perguntou o menino.


- Isso não é assunto pra você. – ralhou o pai.


- Não, Plínio, me deixa explicar pra ele. – e o tio se voltou para o menino – Amante é uma mulher que não pode ser esposa. Geralmente ela é mais jovem e mais bonita, mas não pode ser amada.


- E por que ela não pode ser amada? – o menino não podia acreditar numa coisa dessas.


- Porque se elas forem amadas, as esposas ficarão muito bravas.


- Chega desse assunto. – disse o pai e o assuntou acabou.


O menino achava a vizinha jovem e bonita, mas não servia para ser sua amante. As amantes não podem ser amadas, dissera o tio. E ele a amava, porém. Pensou na mãe que era esposa do pai. Melhor ser esposa do que amante, concluiu. Mas a mãe era tão bonita, tão jovem e sempre disseram isso. Vai ver toda mãe podia ser esposa e também amante. Difícil era entender essas coisas de gente grande. Tem regra até pra amar.


Resolveu que diria à vizinha sobre seu amor. Não tinha muita coragem pra ir até à casa dela e falar pessoalmente. Julgou que uma carta seria melhor. Escreveu. Rasgou. Não poderia dizer que gostaria de namorá-la, poderia? O tio disse que as esposas ficavam bravas quando descobriam essas coisas. A mãe era esposa do pai e, com toda certeza do mundo, acharia ruim se descobrisse que o filho tinha uma amante. Mas ele poderia explicar à mãe que não era amante, não. Porque amante não pode ser amada. A mãe acreditaria? Ela nunca foi de entender muito bem suas coisas.


Desistiu do amor e pegou o binóculo. Eram seis horas. Lá estava ela entrando em casa com a roupa de ginástica apertadinha. Tão jovem, tão bonita. Daria uma ótima amante. Ou uma esposa, pra ser amada. Mas era difícil amar no mundo dos grandes. Uma pena.


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Um brinde às ex-namoradas


- Um brinde às nossas ex-namoradas.


- Saúde!


- A elas que negaram todas as nossas qualidades e entupiram de defeitos a lista do nosso perfil.


- Do nosso perfil!


- A elas que nos chamaram de mulherzinha porque gostávamos de poesia e escrevíamos coisas bonitas que elas nunca entendiam e nem nunca vão entender.


- Jamais.


- A elas que não respeitaram nossa vontade de uma tarde preto-e-branco num abraço apertado com a solidão, assistindo filmes trágicos. Depois passando a noite em claro lendo um romance e pensando: eu poderia ter escrito isso.


- A elas que nunca entenderam a diferença de gostar e amar e saíam dizendo a torto e a direito que amavam loucamente, enquanto nós esperávamos o tempo certo pra falar de amor. Mas elas chamaram isso de pouco caso.


- A elas que morreram de ciúmes das nossas amigas, por mais feias que fossem. Que acreditaram sermos capazes de trair – o que podia até passar pela nossa cabeça, mas nunca se manifestaria em atos. Que não entendiam as notícias dos jornais e sempre quiseram ser mais ricas do que inteligentes.


- Burras!


- A elas que nos trocaram por outro em três semanas e fizeram questão de um desfile em público, colocando no orkut que já amavam e que era eterno.


- Coitadas.


- E que ao terminar o romance conosco, fizeram pose de bozinhas, mas cutucaram todas as feridas, cruelmente. Disseram que iriam sentir falta, choraram, mas também maltrataram.


- Depois foram embora e sumiram sem deixar rastro nenhum.


- Assim começamos a perceber o quanto termos distanciado delas só nos havia feito bem. As poesias voltaram a ter a atenção que mereciam e as tarde de filmes não ficaram mais comprometidas.


- Sem elas, tivemos de volta qualquer tipo de paz que nos permitiu sorrir.


- Ah, a paz. Welcome!


- E nos abriram as portas pra encontrarmos aquela. Aquela namorada que sempre viveu imersa em nossas poesias, mas não fora encontrada a tempo. Aquela que veio nos permitir sermos quem conseguimos.


- E amarmos.


- Juntos.


- Um brinde!