sábado, 27 de setembro de 2008

O primeiro pôr-do-sol




E então chegou você. A chuva fininha molhando seus cabelos que traziam enroscados uma dúzia de pirilampos. Seu ressoar era tal qual uma sinfonia que ia nascendo aos poucos, a cada passo seu. Não percebi o tempo fechado às suas costas, meus olhos não alcançaram também alguns canteiros mortos. Você ia acendendo cada canto meu, propondo cantos novos, fui seguindo seus acordes.


Tão difícil e doce foi nossa espera, pequena. Eu daqui, declamando minhas poesias sentimentais, fazendo juras de amor eterno, brincando de pintar fantasia no nosso futuro desconhecido. Eu imaginava você assim mesmo, com esses mesmos olhos cheios de esperança, com esses lábios entreabertos em poesia, com essa elegância subliminar trazida pelo requebrar dos ombros. Seu sorriso foi a grande surpresa. É que eu não esperava esse efeito de saudade que ele brotou em mim. Era como se eu entristecesse por não tê-la visto sorrir antes.


- Quer ver o pôr-do-sol comigo? – é seu convite.


- Vamos esperar a chuva passar. – eu sugiro e você me molha com seus dedos.


- Podemos ir caminhando juntos embaixo da chuva. Água é também batismo. Sinal de novos tempos. – você diz e eu me deixo molhar, como que hipnotizado.


E fomos falando das besteiras que aconteciam ao nosso redor, falamos de Drummond e você assumiu que não dormia antes de ler qualquer poesia dele. Contei a você meu segredo: que tinha lhe escrito uma carta à mão num período remoto em que meus sonhos não eram ainda preenchidos com sua cor. Você apertou forte a minha mão e eu senti um calafrio sem igual. E cada parte minha foi sendo inflamada pelos olhos seus. Cada palavra sua foi despertando planos novos com a certeza de um futuro bom.


- O pôr-do-sol é uma metáfora. – você diz na sua pose de poetisa enquanto mantém o olhar perdido nos raios remanescentes.


- Sim. – eu concordo, mas desisto de continuar seus versos. – É metáfora.


- Quantas vezes já estivemos aqui? – você, manhosa.


- Tantas vezes!


- Parece a primeira.


- É que a novidade a acompanha, pequena.


E a chuva acabou depressa. Restou o céu decorado de um crepúsculo tímido. E nós dois, como sempre haveria de ser.



domingo, 21 de setembro de 2008

Enquanto


Quando os anéis de Saturno se chocaram num desencontro orbital e o caos se instalou no universo que se fez pó; quando as estrelas ergueram as mãos em busca do firmamento, mas caíram ouvindo qualquer sinfonia em pano de fundo; quando os astros, desorientados, correram em desatino preocupante e se encontraram, provocando o estrondo mais poético já visto; quando as nuvens desenharam as mesmas obras de Da Vinci e o sol perdeu a força de seus raios ultra potentes; quando a luz das galáxias se apagaram e só alguns lampiões serviram como farol;

A moça, no seu vestidinho surrado, mas tão belo quanto seus olhos azul-turqueza, continuava a colher flores esparramadas no chão. E, o mais incrível, sustentava o sorriso no rosto como se não se desse conta de que alguma coisa encantada ocorria dentro dela.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Boca amarga


Largue esse copo de cerveja. Poesia não nasce só quando os pensamentos estão ébrios. Mania de achar que os problemas podem ser afogados! Você afoga um e, minutos depois, o salva-vidas aparece; ironia. Tantos pesadelos que assolam sua alma. Tenho os meus também. O mundo parece que gira ao contrário, eu sei; difícil respirar qualquer gota de esperança. Há uma música que começa assim: “No mundo inteiro há tragédias. E o planeta tá morrendo.” Vamos beber uma água juntos. A água, para todos os efeitos, traz o benefício da purificação. A chuva já deve chegar em breve. Os índios percebem a tempestade que vem pelo simples ouvir da terra. Você já escutou os ruídos do ventre? Não existe silêncio por completo. John Cage disse que sempre existe algo pra ser visto ou escutado em qualquer tempo. E eu lhe garanto: o tempo é algo que se perde até mesmo quando praticamos grandezas. Somos todos vulneráveis demais, abalados demais pra nos deixarmos enganar por qualquer lenda. Vestir a camisa do lado avesso não lhe traz dinheiro, as mãos calejadas é que vêem, com orgulho, o valor de um prato de comida. E vamos todos esbravejar contra as injustiças?! Cada um faz sua injustiça de cada dia, não se deixe enganar. Ninguém é justo o suficiente. A luta exige esperança que a gente constrói de sonho em sonho. O mundo se afasta da paz, não existem mais mãos dadas e beijos estalados sob as estrelas. As poesias são meras repetições, perdeu-se a graça da novidade. Largue esse copo, afogue suas manhas. O bar é abrigo pra desilusão, máscara das desavenças. Olhe nos meus olhos, olhe bem fundo. É assim que tem que ser: busque essa cumplicidade no olhar do outro. Ainda existe um resquício de essência, qualquer que seja. Somos todos almas, mas vivemos na lama; outra ironia. Agora eu já vou, vou seguindo essa música que toca não sei de onde. Deve ser algum convite. Vou poetar.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Entreaberta


*Para Luisa

Antes de você fechar a porta, quero que saiba que foi bonito aquele nosso passado cheio de afinidades. Era ver você atravessar a rua em minha direção e meu coração escapulia pra todos os cantos do corpo. Nossa amizade era tal qual um namoro, mas os sentimentos não eram estes, a gente sabia bem disso.


Suas cartas enfeitadas de poesia e papéis coloridos era minha essência. Você me destrinchava, narrava seus sentimentos como se eles fossem muito meus. E sua letra redonda, caprichada; seus versos acompanhados de uma fidelidade e autenticidade que me abraçavam por inteiro. Conhecer você era ter surpresas boas todos os dias.


Dos nossos choros eu lembro bem. Você segurando a minha mão e eu dizendo que as coisas iam se ajeitar. A lua não perde o encanto e você nunca perdeu seu jeito de donzela. Trata-se dessa sua cumplicidade ímpar com as coisas sublimes; é como se você tivesse descido do céu amparada por dois ser afins; seu coração é ritmado.


Bonita quando você roubava uma flor qualquer e prendia no canto dos seus cabelos vermelhos. Seu charme era fazer das singelezas coisas eternas que eu ia carregando no peito. Sua poesia se renovava. Seus abraços apertados e demorados, que tanto me deixavam tímido, também me importunavam com a certeza do gostar. É que nunca houve dúvidas: éramos colegas desde antes do pôr-do-sol.


Antes de você fechar a porta por inteiro, quero que escute meu sussurrar já cansado. Há coisas que a gente não entende, bailarina (lembra das suas danças?). Há coisas que enchem o travesseiro de preocupações. Mas há também nossos sonetos escritos a uma mão. E esse lirismo todo ainda perdura como um convite, como um pulsar de sentimento que ainda existe.


Você nunca foi embora. E nunca irá. Por mais que se despeça.

sábado, 6 de setembro de 2008

Essência


Bonito é o azul com o qual pintas o meu céu. Escolhes cânticos nascidos de notas puras e os coloca em meus lábios sujos. Depois me toca com luz e me faz passear em verdes pastos onde provo de água límpida que me dás de beber. Sinto um rio infinito de correntes vivas transpassar todo meu corpo e estrelas de mil pontas nascem em minhas veias, trazendo-me regozijo sem igual. Teu tocar me fortalece e me faz andar sobre as águas. Se começo a me afogar, estende-me as mãos e um sorriso. Tu sabes meu nome e meus ensaios. Sabes meus sonhos e planos imperfeitos. Tão pequeno sou na palma de tua mão; queres que eu fique por perto e me sela. Minha língua, inquieta, faz ruídos sobrenaturais. Meu coração acelera, bombeando sangue por todo o corpo que se enternece ante tanta majestade. Um frio gélido percorre a altura da cabeça e as lágrimas descem copiosamente. É tua água que jorra.


Vejo-te poeta quando desenhas a lua bonita no céu. É tua forma de declarar parte do teu amor. Porque um dia nos deste toda a poesia desse mundo, mas disseste: “Mantenha a minha poesia em seu peito”. E ela ainda toca no coração dos apaixonados.



“Porque, onde está o vosso tesouro,

aí estará também o vosso coração.”

Lucas: 12:34




Tem texto meu lá em Paquetá!