segunda-feira, 4 de julho de 2016

Poema Ocupado


Queria eu falar de coisas sérias
Da política, do preço do feijão e da alimentação das andorinhas.
Queria eu acender um cigarro
Pra falar das pinturas do Metropolitan e das teorias de Lacan.
Acordar inspirado em Neruda
E dormir, cochichando Camões.
Queria eu mapear meus ancestrais,
Descobrir parentes interessantes
E não mais bocejar nas reuniões de família.
Ter a coragem de dar uma cusparada naquele pangaré
Metido a mangalarga marchador.
Queria eu conversar sobre assistencialismo e políticas públicas
Entre dois copos de caipirinha e uma porção de mandioca.
Queria eu colocar a mesa de jantar na varanda
Pra dialogar com a sequoia imaginária que tenho no meu jardim.
Não evitaria, por óbvio, o tiziu que mora na minha marquise
Que é o principal teólogo, nas manhãs frias em que eu acordo
Dias em que não sei, ao certo, onde encontrar Deus.
Queria eu colocar duas fichas no orelhão
Para falar com a Dona Cida,
Ouvir as histórias da gente que não fala bonito
Mas que ama bonito, como ela mesma diz.
Queria mesmo era pôr o pé no chão,
Desfazer o nó da gravata
Desabotoar o colarinho e desligar a tevê.
Queria.
Não fosse a fatura do cartão de crédito
E a conta de energia.
A pagar.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Cê vai chegar

Cê vai chegar aqui em casa
E vai me ver todo desajeitado
Tocando um bandolim de três cordas
E recitando uma poesia de Manoel

Cê vai me pegar acanhado
Me olhar improvisado 
Daquele jeito que só ocê costuma olhar

Eu vou fazer estripulia com minha cartola
Te tirar pra dançar no meio da roda
Como se ninguém nunca mais fosse tirar

Cê vai ficar extasiada e, em solfejo exagerado
Me lavar com água e sal
Depois, com todos os santos nos olhando
E os arcanjos suspirando
Vestirei minhas botas carmim

Cê vai me olhar elegante na minha realeza
E nossos serviçais colocarão a mesa
Nós dois, sentados em espaldar reto
Nos olharemos como quem dita ou quer ditar

Cê vai querer pegar minha mão 
E vai encontrar minha poeira se estendendo até o teto
Vai notar que meu sentimento é todo ali
Todo aqui, todo lugar

Que co'cê do lado, fiz foi perder a hora
Nem sei mais o que é demora
Que se eu pedisse uma coisa pra Deus, menina
Eu ia querer uma redinha pra eu co'cê dormir