segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Conversa na praia


O rapaz avistou a moça sentada nas areias da praia deserta naquela noite de lua crescente. Aproximou-se para pedir um cigarro.

- Eu não fumo. – respondeu a moça sem sorrir, mas com os olhos mais brilhantes que já vira.

- Preciso largar o cigarro. – comentou o rapaz se assentando ao lado da moça. – É um vício cruel.

- Sou viciada em cafeína. – disse ela abrindo a embalagem de uma bala de café.

- Odeio café. – falou ele.

Ela riu, pela primeira vez ele percebeu o sorriso alvo da moça.

- Os meus avós tinham uma fazenda de café em São Paulo. Íamos muito lá até que parte foi tomada pelo MST. – lembrou a moça com nostalgia.

- Essa gente pensa que tem o rei na barriga. Como acham que podem tomar as terras alheias como se fossem bolinhas de gude? – o rapaz parecia bravo.

- Eles não são má gente. Ocuparam a parte improdutiva da fazenda. Só querem um pouco de terra, todos temos direito, aliás.

- Você não pode estar falando sério! – ele zombou. – Que discurso comunista!

- Tenho inclinação para o socialismo, mas não me envolvo muito. – ela disse e tirou a bala da boca, enrolou-a no papel.

- Vai jogar fora? – perguntou o rapaz.

- Sim. Tenho mania de chupar a bala sem mastigá-la. – explicou e guardou o papel na bolsa.

- Que desperdício!

- Esperdício! – corrigiu a moça.

- O quê? – ele pareceu não entender.

- Você disse desperdício. Na verdade, é esperdício. – repetiu calmamente.

- Ora, não me corrija, sou jornalista.

- E eu sou estudante de letras. Tenho um dicionário na minha bolsa.

O moço riu:

- Você anda com um dicionário na bolsa? Não é um tanto estranho?

- Estranho é você que chega me pedindo cigarro. Eu poderia ser uma assassina.

- Você não tem cara de assassina.

A moça sorriu e olhou a palavra no dicionário.

- Acho que discutimos á toa. Cabe tanto esperdício como desperdício.

E os dois riram. Continuaram a conversa. Perceberam que em muitas coisas discordavam. Ela era amante das poesias e ele não entendia os versos. Ele gostava de balada e ela gostava da solidão do cais. Ele lia livros de auto-ajuda e ela repelia esse tipo de leitura. Ela queria ir pra China, ele queria conhecer os Estados Unidos. Ela queria ter quatro filhos e casar na fazenda, ele não pensava em se casar. Ela ouvia MPB, ele gostava de rock. Por fim, riram de tanta discordância e das demais coisas que nem imaginavam discordar. Antes de se despedirem, passaram um tempo em silêncio vendo a lua sobre o mar e a enseada ao longe. Concordaram que a lua estava esplêndida, o mar era vasto e profundo como o ser humano, as areias eram infinitas como os sonhos e que não havia nada mais curioso e divino do que o relacionamento. Assim, se despediram e cada um seguiu seu próprio caminho.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Luto


Há uma mulher na soleira da porta. Seu vestido é vermelho e ela tem as unhas grandes. É bela – nunca se viu mulher mais bela. Convido-a para entrar. Ela senta-se, como uma dama. Cruza as pernas sutilmente e deixa transparecer as coxas grossas e bronzeadas. Ela me fuzila com seus olhos verdes que me metem medo. Ela sorri. Dentes simétricos e brancos, extremamente brancos. E se põe a falar coisas sem nexo. A voz é aveludada, tem musicalidade e soa como convite a qualquer aventura. As palavras vão cortando meus pulsos e eu vou sangrando, perdendo o fôlego, empalidecendo e chorando feito bebê. E ela mantém sua classe, sua beleza intocável e sua serenidade com as palavras. De repente ela acende um cigarro e se cala. Fica me assistindo. Quero gritar, mas não tenho voz, não tenho vontade, não tenho fé.

“Você quer desistir?” – é o que ouço, mas não sei se ela me diz ou se eu crio isso na minha mente.

E essas palavras entram me rasgando a alma. E não me dou conta que estou morrendo inteiro, que meu corpo e minha alma sangram. E ela me assiste enquanto sopra a fumaça no meu rosto.

“Você quer desistir?” – dessa vez eu vejo a boca dela se abrindo e as palavras sendo pronunciadas sílaba por sílaba.

Eu não tenho forças. Apenas mexo com a cabeça, fazendo que não. Eu não queria desistir seja lá do que fosse. Entendendo o meu recado ela se levanta plácida e apaga o cigarro na mesa. Aos poucos as feridas se fecham, o sangue coagula, e sinto um novo sopro. Percebo que fui esvaziado das minhas escuridões, dos meus tormentos. Já não vivo o luto de antes, já não vejo a mulher na porta.

Olhando em volta á procura de algum resquício de sangue, percebo que tudo está no lugar. Sinto um alívio grande, me olho no espelho. Há algo estranho. Procuro no rosto. As olheiras teriam aumentado? Talvez um pouco de fios brancos... Não, não é nada disso. É alguma coisa nas costas. Viro-me completamente e, no mesmo instante, percebo um par de asas. Sorrio calado. A mulher tinha me deixado um passaporte e, junto dele, a esperança.


Agradeço á Nathalia pelo selo:


Passo para:

Jaya do blog Deixa eu brincar de ser feliz?

Nobre Epígono do blog Imaginação de um nobre

Gabriela do blog Miss Umbrella

J.S. do blog Ópio

Vale a pena visitar!!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A espera

Quando você chegar, venha de mansinho pra eu escutar os seus passos. Talvez você não me encontre pronto e nem com tanta coisa pra lhe oferecer. Mas eu tenho meu sorriso e uma carta escrita à mão.

Quando você chegar, fale algo baixinho ao meu ouvido. Eu sei que você gosta de Drummond e Vinícius. Fale aquilo que pulsou no seu coração durante toda sua espera. Eu lhe falarei minhas coisas.

Nem conheço e já a amo, menina. Posso chamá-la assim? Minha menina... Que antes era um sonho quimérico, não passava de um vislumbre poético. E agora poderei tocá-la não só com lábios e mãos, mas com a alma.

E você trará, nesses cabelos ondulados, uma vastidão de borboletas. E eu não conseguirei distinguir sua cor. Aos poucos, a tomarei pela mão, convidarei você para dançar e você me abrirá seu mundo. Assim perceberei cada uma de suas cores, menina, cada um de seus encantos e dos seus cantos cheios de ternura.

A sua voz me será remédio pra alma abatida. Será meu poema-de-cada-dia. E, toda vez que eu olhar em seus olhos, menina, - minha menina - escolherei você de novo para ser minha amante.

Não sou tolo a ponto de crer que você será perfeita. Não acredito em conto de fadas, acredito em romance. E eu bem sei que seus defeitos vão me incomodar. Mas quando eu me lembrar das suas virtudes e daquele abraço primeiro que você me deu, ah, meu incômodo se esvairá.

Pode ser que você more longe, menina, pode ser que você esteja por aí rendendo seus sonhos, dando seus passos trôpegos. Também dou passos incertos, não tenho você do meu lado. Pode ser que você tenha um namorado chato e que morra de pena de terminar com ele. É porque no fundo você sabe que será minha.

Não sei quando você virá, minha menina, mas lhe peço – peço com estrelas dentro dos olhos – que você não se demore. Porque já tenho saudade de tudo o que a gente não viveu. E fique tranqüila, eu já captei todos os seus sinais. Não vejo a hora de poder viver a música que diz “até quem me vê, lendo jornal na fila do pão, sabe que eu te encontrei”.

Quando você chegar, minha menina, me embale num sono profundo em que eu possa enxergar os serafins. Mantenha-me nos sonhos seus. Mantenha-me em seu colo e eu serei grato, imensamente grato, por mostrar-me que eu estava certo sobre nós dois.

Livra-me da angústia que é esperar por você e venha inteira. Não hesite em devolver minha metade, minha menina...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O salmão


Os dois meninos estavam sentados de frente à TV nova. Ambos tinham o semblante desanimado, entediado, como se tivessem perdido a melhor das brincadeiras.

A mãe, com os cabelos escovados, arrumava a mesa do almoço auxiliada pela nova empregada. Ela estava bonita. O vestido era novo, as unhas estavam bem feitas, a plástica havia escondido a cicatriz do acidente há cinco anos.

O cachorro de pelos macios e lustrosos rosnava para a gata em cima do muro. Não havia mais pulgas nem carrapatos.

O pai chegou com um sorriso de orelha a orelha. Cumprimentou cada canto da casa nova com um orgulho estampado na face. Beijou os filhos e a mulher, afagou o cachorro. Tirou os sapatos, afrouxou a gravata, espichou-se na cama macia. Era um felizardo! Dali a pouco a mulher veio chamá-lo para o almoço.

Sentaram-se os quatro na mesa. A empregada colocou o salmão e o arroz.

- Mãe, não tem feijão? – perguntou o menino mais novo.

- Não, meu filho. Come um pouquinho do peixe.

O menino estava farto daqueles pratos chiques. Queria o arroz com angu de antigamente. Além do mais, aquela TV só passava coisas chatas. Legal mesmo eram as brincadeiras de rua: o pega-pega, o rouba-bandeira, a queimada.

O pai apreciava o peixe com o corpo todo. A cada mordida era um suspiro, uma expressão de contentamento, de felicidade incontida.

- Mãe, posso comer no meu quarto? – perguntou o mais velho.

- Fique conosco, meu bem.

O filho mais velho estava cheio daqueles almoços requintados. Gostava de poder comer a galinha com a mão, lamber os dedos e jogar os ossinhos pro cachorro. Gostava da liberdade que antes tinha pra poder sentar-se á mesa de bermuda e pés descalços.

A mãe mordiscou o salmão, mas logo viu que estava sem apetite. Fazia-lhe bem ver o marido contente depois de anos de trabalho árduo e orçamento apertado. Mas sentia falta das amigas da rua antiga em que morava, sentia falta do emprego que lhe tornava tão útil. Agora vivia em casa e não precisava fazer nada.

O pai terminou o almoço e foi se deitar. Os meninos se arrumaram para ir á escola de rico onde os colegas não gostavam das mesmas coisas que eles. A mãe foi ajeitar a cozinha juntamente com a empregada. E todos terminaram o dia vivendo o sonho do pai.


domingo, 17 de fevereiro de 2008

Expansão



Minha caneca de leite está cheia. Estou sempre cheio. A lua, no meu jardim de algodão está cheia e não tira os olhos de mim. Por que tudo não se torna mais leve feito pluma? Todos os dias carrego meu monte de trapos, ah, como pesam! Amarro-os com cinto nas minhas costas. Sinto a dor vermelha latejando e os trapos ardendo. Olham-me como se eu fosse semi-deus. Não me permitem errar os passos. E eu tanto peço pra tirarem os olhos de mim. Deixe-me com meus erros, descubro sozinho a direção. Todos têm um esconderijo. Dá licença, vou para o meu quarto. Um quarto de mim é você, o outro quarto é alguém, eu mesmo me perco entre um e outro, minha fração está por aí simplificada ao máximo. Tudo em mim parece claro. Claro! Só eu conheço meu mundo e meu medo. Por que acha que serei como você que só recua diante de coisas grandes? Tenho medo de qualquer ventania. Você quer que eu tenha um lema e eu só encontro lama. Posso parar um pouco? Tenho que me lavar, tenho que me levar. Minha meia tão suja de barro. Meia comigo teu sonho? Fico feliz só de sonhar junto contigo. Chove sonhos a todo instante. Deve ser o verão. E nessas areias, eu garanto, todos verão meus rastros. Porque não quero ser mero espectador das coisas fugidias. Vou junto, sei voar. E voando eu enxergo melhor minhas peças do xadrez. É, talvez eu não seja grande coisa. Talvez eu só tenha uma grande causa. Existe dança de um só? Então deixa eu ficar no centro da roda porque preciso aprender os passos. Mas, por favor, virem as costas. Deixem-me crer ser.


Território incerto


O que sabe o homem do coração? Sabe que o tem porque o sente bater no peito insistentemente. Mais nada sabe. Pode conhecer suas particularidades biológicas, suas doenças, seu ritmo. Mais nada sabe.

Diz-se do coração a sede dos sentimentos, das emoções. Sabe o homem dessas proporções? Não é como tomar o vinho e saber o quanto se precisa para embriagar. Trata-se de gotas diárias ou torrentes diárias. Uma gota pode surgir de forma espontânea ou demorar anos. Pode surgir com um acalento ou com um simples dar de mãos.

Coração é órgão mágico, tem seus truques. E dele brota todo tipo de ilusionismo. Sentimento é território incerto. Morre-se de amores num dia, no outro torna-se a morrer de decepção. Coração cheio extravasa, tem sua vazão: sai como pingos doces. Que poder têm esses pingos! Levam, como numa enxurrada, todo o acúmulo de emoções descontroladas, torna a alma mais leve, o coração mais brando, dá sono aos que precisam de refrigério.

Coração deve ser bem cuidado, como um jardim de flores diversas. Quando não cuidado, desfalece, perde o colorido, o encanto. O homem que não rega seu jardim não conhece as borboletas, nem as lagartas. “Para poder ver a borboleta, antes de tudo, deve-se suportar a lagarta” (*).

Em meio a tanto desencontro de emoções, vazão de sentimentos, instabilidade, não há nada que se compara ao encontro de dois jardins. Um torna-se extensão do outro e tudo transforma em um eterno aventurar-se no terreno alheio.

Ainda resta essa vontade de descobrir o truque. Mas no fundo, todos sabem que, uma vez conhecido o truque, perde-se o sentido da mágica. E depois disso, perde-se um rol de coisas que nem quero saber.

(*) Paráfrase de O pequeno príncipe.


Agradeço á Jú Caribé pelo selo:

Passo para:
Maria Fernanda do blog Drapetomania.
Andréia do blog Relatos de uma guerra pessoal.
Alê do blog Namastê.
Bárbara do blog Reflexos e Reflexões.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Encanto

A moça perdeu todo o seu brilho quando parou de sorrir. Parou de sorrir porque começou a perder todos os seus amigos. Parou de sorrir porque, certo dia, acordou e percebeu que todos os seus dentes haviam virado ouro. Não teve mais coragem de mostrar seu sorriso. As pessoas que viam, debochavam, se afastavam, excluíam. Ficou conhecida como a moça dos dentes de ouro.

Viveu dias tristes. Não saía de casa, não tinha amigos, não conversava, não se olhava no espelho – tinha vergonha de si mesma. Chorava dia e noite por se julgar desprivilegiada: tinha dentes que ninguém tinha. Era uma estranha no ninho.

Debruçada na janela, escondida atrás das cortinas, conheceu um moço bonito que passava todos os dias na frente da sua casa. Apaixonou-se. Esperava-o ansioso sempre quando batia cinco horas da tarde. E olhava-o com uma paixão latente, querendo não apaixonar-se. Sabia que ele nunca olharia para ela.

Perdeu noites de sono. Imaginava o moço bonito carregando-a no colo, beijando-a, ela que tinha os dentes de ouro. Nos seus sonhos, via o moço bonito abraçando-a e dizendo que a amava como ela era. Quando a moça dos dentes de ouro despertava, chorava a decepção de nunca poder namorar o rapaz.

Num desses dias em que as estrelas piscam pra gente, a moça dos dentes de ouro notou que o rapaz bonito olhou-a dentro dos olhos. Ela ficou sem graça e desviou o olhar. Foi então que ele se aproximou. Não disseram nada um ao outro. Houve um riso de almas, os sinos do interior tocaram, confetes caíram do céu. Enterneceram-se diante um do outro. Ela abriu a porta pra que ele pudesse entrar. Sentaram-se no sofá. Ele pegou-a pela mão. A moça suou frio com medo de que ele percebesse seu sorriso. Mas ela estava tão feliz que não conseguiu segurar. Sorriu o sorriso mais lindo do mundo. Estava apaixonada. Ele, ao invés de repeli-la, abraçou-a. A moça sentiu seu coração explodir dentro do peito. Depois ele sussurrou algo bonito de se ouvir e ela chorou. Foi então que, desfeito o abraço, ela encarou-o de frente. O moço bonito sorria pra ela. E ele mostrou-lhe seus dentes de ouro.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Monólogo


Não vejo essa riqueza toda que as pessoas vêem no bar. Pense comigo, meu caro, as pessoas se embriagam e escancaram-se como se a vida findasse hoje. Não vos embriagueis de vinho. Passa algumas horas e estão elas trocando os passos, motivo de escárnio. Não vejo riqueza nessas coisas não, prefiro meu café quentinho no sofá, o beijo da amada embriagada de palavras nobres. Embriagai-vos de ternura. Não acho graça nessa correria dos homens, eles não vêem o céu. Quem olha sempre pra si mesmo não olha pra cima, não vê Quem está no alto. Não olho pra mim não, meu caro. Olho pra esse mundo carente de poesia. Você não vê? Não vê o grito das árvores, o semblante cinza das nuvens, a irritação ardente do sol? O homem sempre acha que dá um jeito, meu caro. O homem quer ser deus. Esquecem-se do mundo de dentro, vivem o mundo de fora e contam os minutos. Porque aqui, os minutos valem ouro. Não gosto desse artificialismo. Veja bem, meu caro, mulher tem que ser bonita e pronto. Adianta ficar se embelezando toda, fazer-se bonita e perfumada sendo, na verdade, sepulcro? Mulher tem que ter esse brilho que a gente, homem de bem, busca nas estrelas. Mulher tem que ser que nem estrela, meu caro, fazer brilhar o caminho do homem. Não entendo essa gente que deleita-se no erótico. Erótico é a alma, já dizia o poeta. Sabe de uma coisa, meu caro? Não acompanho essa gente, não. Quero mais é essa delícia de me encontrar onde eu bem quiser, regar meu próprio jardim, soltar meus versos em qualquer pedaço de papel. Não preciso de muita coisa não. O que eu tenho, tiro de letra. Para o que me falta eu tenho talento. Isso não empresto pra ninguém não.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Da solidão


Essas pessoas que passam na rua e vejo da minha janela. Afundadas em seus problemas, suas frustrações, seus segredos. São almas – e isso soa mais intenso que vidas – que buscam, que perdem, que amam, se desesperam. São quartos escuros cujos cantos nem elas mesmas conseguem alcançar. Nunca se sabe se, por trás do sorriso do outro há melancolia incontida. Nunca se sabe se, por trás do abraço habita o cinismo. Somos todos textos mal-lidos, cheios de mensagens subtendidas. Conhecemos uns aos outros mas não conhecemos o espírito – aquela essência que só a gente sabe que tem. Daí parte a tristeza em não sermos compreendidos, em termos pensamentos estranhos demais, palavras confusas, choros desnecessários. Toda essa complexidade e só conseguimos ver braços, pernas, rostos.

A solidão, dessa forma, se revela não como um evento esporádico. Solidão é o pão nosso de cada dia e se encontra nesse desejo de sermos partilhados, estudados, entendidos, imersos no mundo do outro. Mas não sejamos desesperançosos. Como disse Vinícius de Moraes: “Resta essa faculdade incoercível de sonhar, de transfigurar a realidade dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é.” Basta escancarar as janelas; os outros verão não só a face mas um pouco – uma pequena parte – do interior.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

O que eu quero?

O que eu quero?

Quero poder sonhar de olhos abertos, me enternecer diante do pôr-do-sol, criar poesia com as palavras e, sobretudo, amar.

Quero poder olhar dentro dos olhos e descobrir esse universo de coisas infinitas que as pessoas escondem, quero um abraço na noite fria e um sorriso limpo quando eu anoitecer.

Quero estrelas sobre a minha cabeça com todos os guizos e lembranças de quem deixou-as pra mim como recordação.

Quero conhecer almas nobres, corações errantes mas sinceros, quero ter alma-coração assim.

Quero acordar todos os dias e sentir meus pés, minhas mãos e, sobretudo, minhas asas.

Amanhã eu não quero presentes. Quero só um renovo.

E, sobretudo, o amor.


Agradeço à Jaya pelo novo selo:



E à Andréia pelos selos:

Repasso os três selos para:

Clara do blog A Clara Menina Clara

Rafael do blog Mia Geodésica

Juliana Caribé do blog Quintal de Cores

Ziggy do blog Pesar de Alma

Obrigado pelos selos e parabéns a todos!



sábado, 9 de fevereiro de 2008

Primeira Perdição


Sem ela meu mundo era mudo e eu entrava em delírio quixotesco, enxergando dragões. Novas ondas de calafrios borbulhavam pelo corpo, lembrando-me da ausência, do espaço vago, nublado que se alastrava por não tê-la. Era vê-la feliz e meu sorriso ria sozinho, meus olhos enchiam-se de luz, minha alma desprendia infinito. Era vê-la triste e eu chovia, tudo me atormentava, meus versos sumiam e o silêncio reinava como resposta dura de se ouvir. A cada dia eu sabia daquele sentimento como um estranho que bate na porta e entra, senta-se no sofá, toma um cafezinho, vai ficando, prolongando a visita. E a cada dia eu deixava-me prender como um rato cego na ratoeira. Gostava. De um jeito arriscado. Mas era ela estar perto e meu coração acendia em desejo contínuo. Era ela ficar longe e eu ficava criando os cheiros, os risos, os verbos dela. Temia tudo aquilo. Intenso demais. Curioso demais. Só achava. E queria. Como se. Saber eu não sabia. Deixei interminável.


Agradeço ao Victor pelo novo selo:

Passo para:

Juliana Caribé, do blog Quintal de Cores; pelas palavras mágicas.

Fernando Locke do blog Paraíso Perdido; pelos contos bem escritos e surpreendentes.

Bárbara do blog Reflexos e Reflexões; pelas poesias e textos poéticos inigualáveis.

Ana do blog Cais de Sonhos; pela sensibilidade.

Hélder do blog A ótica de um míope; pela criatividade e talento.

Obrigado, Victor.

Parabéns aos demais.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Chuva


Fico aqui me lembrando daquela chuva que hoje não cai. Eu sozinho em casa e uma vontade latente de entrar dentro dela. E aquele desejo incessante de me livrar dos gritos entalados, dos sonhos perdidos, das críticas recebidas, do mundo cruel e dessa alma obesa que insiste em ver o céu sempre nublado. Não entro na chuva, não gosto de me molhar. Fica a promessa para a próxima chuva. Volto para dentro de casa e vou fotografando minha realidade: livros, computador, TV, uma calça dentro do banheiro de alguém que a tirou e deixou-a vestida no ar. Desgosto. Sabedor que amanhã as coisas serão iguais por fora, só mudam se for dentro de mim. Incrédulo. Esperançoso com o ser humano, mas mantendo um pé atrás. E essas poesias inacabadas que navegam a alma da gente? Esse pôr-do-sol que morre e remorre, me entristece e me apaga a luz. Na escuridão, tateio meus pesadelos, prefiro não vê-los. É a minha estratégia. Diante do mar, lanço-os quando me cansar, quando vierem novos pesadelos. Mas essa areia nos meus dedos, esse sal na minha boca, essas ondas aqui dentro... não me desapego, não me permito, fico criando, chovendo, amanhecendo. Se eu tivesse entrado naquela chuva, tudo seria diferente. Ah, teria...


Agradeço ao Hélder pelos dois selos:




Passo para:

Ziggy do blog Pesar de Alma; pelo concretismo poético.
Andréia do blog Relatos de uma guerra pessoal; pela inteligência e riqueza dos textos.
Clara do blog Clara menina Clara; pela ternura.
Vicente do blog Palavras quase ocultas de um ser real; pela escrita agradável.

Obrigado e parabéns a todos!!!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A dança


Primeiro saiu Maria de sua casa. Depois João. Depois José. Depois Marta. Todos com um sorriso pendurado no rosto, feito criança quando ganha presente. Juntaram-se numa roda de dez e começaram a dançar.

Ana observava tudo da janela e cochichava com Amélia sobre o absurdo. Carlos balançava a cabeça em desaprovação e Cícero ria da imbecilidade.

- Vamos chamar um médico. – sugeriu Alice. – Estão todos loucos.

Cícero se aproximou da roda. Os homens giravam as mulheres em passos ensaiados como se estivessem apresentando para uma platéia ilustre. Dançavam divinamente.

- Ei! – gritou Cícero. – O que houve com vocês?

- Venha dançar! – convidou Maria. – Dance conforme a música.

- Música? Vocês estão loucos! Não há música alguma!

- Sim, a música! – afirmou Maria sem se ofender com o pejorativo e continuou a dança.

Cícero voltou para perto da multidão que observava os dançarinos sem entender o que estava acontecendo.

- O que houve? – perguntou alguém assim que Cícero se aproximou.

- Eles estão ouvindo alguma música. Por isso dançam. – explicou sem acreditar.

- Não há música. – zombou Angélica.

- Mas vejam como eles dançam. – falou algum observador.

- Eles têm ritmo, dançam sem errar os passos. – completou outro.

- Como podem dançar se não ouvem música alguma? – alguém perguntou.

Virou uma grande algazarra entre os que não ouviam a música. Por fim, Alice começou a suspirar:

- Como será a melodia? Triste de doer o coração ou alegre de estourar o peito?

- Será que a canção tem a suavidade de um violino ou é agitada como um tambor? – perguntou Ana.

- Eles parecem tão felizes! – inconformou-se Angélica. – E se olham nos olhos como velhos amantes.

- Ninguém nunca me olhou assim. – chorou Ana.

- Veja aquela mulher como se entrega. - cochichou Carlos. – Minha mulher não me dá nem a mão com essa segurança de que posso guiá-la.

- Elas têm um brilho que as movimenta. – acrescentou Cícero. – Nunca vi brilho tão intenso.

E todos lamentavam a dança que não podiam dançar, os sorrisos que não podiam sorrir, as mãos que não podiam se entrelaçar, os olhos que não podiam se cruzar, a música que não podiam escutar e o sentimento que só podiam adivinhar.

Enquanto isso, dançavam os ditos loucos. Eles mal sabiam que os de fora não entenderam a poesia porque a alma estava ressequida. E quem tem alma ressequida, sim, precisa de médico.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Histórias


Há histórias que ficam vagando pela mente por muito tempo. E você reflete sobre as frases, os diálogos, as descrições. Seu espírito fica agitado, chorando durante dias. Rubem Alves, meu mentor (faço várias citações dele), diz que belo é tudo aquilo que faz amor com a alma da gente. Essas histórias são assim: fazem amor com nossa alma.

Para quem não leu “O meu pé de laranja lima”, aconselho ler não só uma, mas três ou quatro vezes essa obra. Zezé, o personagem principal, é desses que nos dão lições – criança ensinando adulto. Logo nos primeiros capítulos, a professora de Zezé lhe presenteia com um sonho (doce de farinha de trigo) porque sabe que o garoto não tem dinheiro para trazer um lanche. Zezé diz que sempre divide o sonho dado pela professora com uma coleguinha, tão ou mais pobre do que ele. A cena é linda, os diálogos são carregados de emoção, ternura e bondade. Cabe aqui uma reflexão: sonhos devem ser divididos.

Outra história que me comove é a de Hassan e Amir em “O caçador de pipas”. A presença de uma fidelidade impecável que vence até mesmo a humilhação de ser violentado sexualmente me causa tremor. Como pode existir tamanho amor? Hoje não se perdoa qualquer resquício de desonra. Hassan despiu-se de sua dignidade e amou. Quem não se emocionou com a frase: "por você faria isso mil vezes"?

José, o filho predileto de Jacó, foi vendido pelos irmãos. Viveu anos na prisão por ter sido acusado injustamente de assediar a esposa do Faraó. Numa dessas reviravoltas da vida, José é proclamado governador e vê seus irmão de volta, agora pedindo socorro porque passavam fome. José poderia dispensá-los, matá-los ou ter qualquer atitude agressiva. José chorou. Seu amor foi maior que a maldade dos irmãos.

Fico vendo esse mundo bagunçado e tanta gente amando pouco ou nada. Depois leio histórias como essas. Volta-me a acender aquele fio de esperança. Não, não me iludo nem vivo fantasiando demais. Sou insistente e ainda tenho fé no ser – no ser humano.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Insensível


Esqueça as coisas boas

Não gaste tempo com sorvetes

Assista TV sempre que puder

Odeie Drummond

Não ouça Tom Jobim nem Chico

Tenha vergonha de cantar

Recuse novos amigos, novas possibilidades

Nunca regue seu jardim

Rasgue cartas, fotos, letras de música

Anseie pelo fim do dia

Perca o pôr-do-sol

Não pare para ver as estrelas

Reclame quando chover

Busque defeitos, enalteça-se

Tenha medo de arriscar

Brigue muito e nunca abra mão

Desligue a música

Coma depressa, o mais depressa que puder

Detalhes? Não se preocupe tanto com eles

Não abrace nem peça perdão

Acumule inveja, raiva, orgulho

Assim, quando você menos perceber,

Se tornará um insensível

E, acredite, o caminho inverso será mais árduo

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Ninguém vê.


Blusa nova, estilo diferente do usual.

Tênis novo comprado ontem.

Gel no cabelo.

Perfume.

Dentes escovados.

Relógio moderno.

Sorriso no rosto.

Nada mal...

O primeiro vem e diz: “Nossa, que espinha grande na sua cara!”

Rastro


A saudade vem acompanhada do amor, ou, para ser mais cuidadoso, de uma afeição ou carinho por algo/alguém. É um sentimento atroz, vem de repente e traz uma fluência de emoções. Nesse instante, pode-se escutar uma música. Saudade é embalo e tem o seu tom. Invade corpo-alma-pensamento numa descarga de adrenalina irrefreável. Saudade é a parte ativa daquilo que não existe mais. É o belo que, incansável, tenta renascer por meio da lembrança. Ás vezes a saudade traz junto a tristeza – o vazio do não-haver. Saudade é um lugar. Deve-se ir ás vezes. Não é habitável. Quem vive de saudade não vive mais o belo – porque dele vem a lembrança. Saudade não tem tempo. Sobrevive enquanto há lucidez. Saudade é também um rastro humano, é a certeza do pulsar, da alma e do que habita o indizível. Não se explica, não se sabe, não se cabe; saudade se tem.

Saudade é abrir a janela durante o crepúsculo e ver o sol indo. É também a estrada sempre distante, sem destino, sem certeza. É o travesseiro pesado de lágrimas, o caderno rabiscado, o álbum de fotos, o baú de recordações.

Eu imagino a saudade uma senhora cega, de cabelos brancos, sentada numa cadeira de balanço. Ela faz um tricô que nunca acaba. O trabalho não é bem-feito. Há algumas imperfeições; não representa exatamente aquilo que deveria, não satisfaz. E agente fica ouvindo aquela música por um bom tempo, tentando descobrir a nota. Então vem a frustração: não conseguimos mais a nota; devemos nos contentar com a melodia. Deve ser por isso a tristeza: a decepção da lembrança imperfeita; a ânsia pelos detalhes perdidos ao longo do novelo de lã.