Quatro, três, dois, um! E virou-se o ano. Fogos jogados num céu escuro, colorindo uma noite cinzenta. Apitos e barulho. Muito barulho. Podia ouvir os vizinhos do primeiro andar, mesmo ele estando no décimo.
A vida seria bonita dali pra frente. Ano novo, vida nova. Não era esse o clichê de sempre? Fazer caridade, escrever um livro, plantar uma árvore, comprar uma agenda. Um encher de itens, um fôlego de coragem, um gosto de esperança inigualável. O que era aquilo? Ares de um ano que chegava? Poderia muito bem ser o álcool do champanhe.
O mundo era todo festa. Ele, sozinho, no décimo andar. Debruçado na janela, via os fogos. Nunca gostou de fogos. Eram bonitos, mas se estilhaçavam. E coisas que estilhaçam, morrem. Nada mais incoerente. No ano novo, as pessoas tinham que plantar roseiras. Fazer nascer. Eis o espírito.
E os fogos tampavam as estrelas. Que, cá pra nós, sempre tiveram um charme maior nas noites de reveillon. Ele olhava cada ponto luminoso e ás vezes chorava. Estrelas sempre lhe fizeram chorar; e isso soava tão cafona! Se pudesse escolher, brilharia ao invés de ser. Mais simples. Mais belo.
Fechou a janela. O ano nascia lá fora. Dentro dele, ficava. Festejar o que lá? As pessoas se enganam. Ficassem quietas, descobririam que o novo é um velho nascido outra vez. Deitou o corpo no sofá e fechou os olhos. Não quis ver o ano acabar de nascer. Barulho demais o irritava.
Virou pro canto. Dormiu.
* E em janeiro eu volto! Boas festas a todos vocês.