sexta-feira, 30 de abril de 2010

O amor é um vício


Menina, o amor é um vício. A gente fica longe dele e é como uma crise de abstinência. Sinto falta de ternura. Ontem eu estava por aí, caminhando no frio dessa cidade que me parece cada dia mais estranha. Lembrei-me de você. Das nossas conversas na calçada, enquanto a madrugada bocejava ao nosso redor. Eu queria tanto, tanto que esse tempo voltasse a ser novo, a ser de novo. Mas penso que o lado bonito da saudade é esse enfeite que a gente coloca de tempos em tempos, transformando algo simples num álbum de fotografias grandes. É a dimensão que damos pras coisas passadas, sempre mais bonitas quando o som das palavras lembra qualquer música de Chico. A gente cantava baixinho, enquanto a fumaça saía pela boca, o frio tilintava por dentro e você ficava enroscadinha, abraçada na própria perna. Ninguém passava na rua, éramos dois albergados pelas sombras de uma noite não muito promissora. Achávamos que o futuro era algo longe demais e brincávamos de adivinhar o que estaria à frente dos nossos vinte e tantos anos. Sonhar era uma coisa boa, naquele tempo. Tão descompromissado éramos com as horas, com as seriedades da vida. Lembrei de você outro dia, se fazendo de bêbada escornada no sofá, pregando o maior susto na sua mãe. Logo você que nunca botou uma gota de álcool na boca. Víamos nisso tanta graça, tanto motivo pra rir a noite inteira e achar que haveria tempo demais, que as coisas seriam sempre inteiras ao nosso redor. Eu gostava de assistir a noite ao seu lado, de ver você sempre muito sonsa, procurando a lua nova, contando as estrelas e dizendo que moraria em qualquer uma delas só pra se encontrar com o pequeno príncipe. Você dizia sempre, sem se cansar, que os prédios estavam cada dia mais altos e os pássaros viviam confusos com essas coisas que agora lhes serviam de labirinto. Eu voltaria no tempo para te dar um outro último abraço, pra prolongar nossa despedida. Momento em que você me disse com os olhos, como se me roubasse as esperanças: “a saudade é o pior tormento”. É tormento sim, menina. E é vício junto, ao lado do amor.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

O velho


Às vezes eu converso com esse velho de cabeça branca, sentado na cadeira de balanço e que não para de dizer que a vida é muito boa, sim senhor. Faço cara de valentia e digo que a vida não é boa tão assim. Ele sorri pra mim e me acha muito imaturo. Mas ele não se faz de superior, não. Diz que a gente sempre cuida de aumentar aquilo que é ruim, porque o bom e o ruim aparecem em proporções exatas, mas a gente gosta é de aumentar um e diminuir outro. Não concordo. Fico olhando praquele movimento sereno do corpo que vai pra cá, pra lá, num balanço de quem já cansou de ser homem, quer virar estrela logo.


Eu pergunto se o amor existe, se é essa coisa doida de bonita que as pessoas dizem sentir. Ele para e coloca a mão na testa, como se procurasse por alguma febre que demorava por vir. Eu espero por uma resposta, mas ele só me olha como se catasse todos os meus segredos. Eu torno a perguntar e ele resmunga. O amor não é de sentir, ele deixa escapar, meio a contragosto. Tem gente que espera sentir o amor a vida toda, mal sabe que o amor chegou há dois milênios. Não acho nada daquilo muito sensato e digo que conheci uma mulher sem vocação para o amor. Conto que ela me despejava doses diárias de tristeza, de forma que eu ia murchando, murchando.


O velho balança a cadeira e eu acho que aquilo é um gesto de anuência. Penso que ele talvez já tenha sofrido nas mãos de uma desvocacionada. Ele volta a repetir que a vida é muito boa, sim senhor. Eu me levanto, dou boa noite e me deito pensando em como a vida, ao fim, parece fazer mais sentido. O velho entra no meu quarto e diz que vai ficar sentado na beira da cama. Eu digo que sim, que ele pode ficar onde quiser. Esse velho sou eu.