sábado, 26 de abril de 2008

Sobre abismos e nascer do sol.



Num desses dias em que a gente levanta de mal-humor, uma criança sorriu pra mim. Foi um sorriso tão singelo que desbancou minha seriedade e salpicou esperança no meu espírito. O riso da criança não me trouxe apenas um renovo, mas um alerta. Viver como quem pisa em chão fincado de cacos de vidro não é nada agradável. Enquanto tudo parecer um peso, um sorriso não sairá tão tranquilamente da face. Assim também sentiu Cecília Meireles:

No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.

Um coração fechado não permite o menor suspiro. Então me lembro de que viver exige fé. Se a fé não existe, há que se desistir de todos os planos, de todos os cursos, de todos os compromissos, dos passeios no final do ano, dos amigos. Mantemos os nossos sonhos por meio da fé. A mesma que nos faz crer que amanhã abriremos os olhos, sairemos da cama e seguiremos o rumo da nossa vida. É claro que essa fé cega afasta as idéias pessimistas. Preferimos insistir na vida. Por isso os sonhos, por isso a agenda cheia de coisas.

Um doente terminal tem sua fé diminuída pela situação em que se encontra. Ele espera viver mais alguns dias. Quer se despedir, quer ver o último nascer do sol, quer escrever o último poema. Mas é uma fé mitigada. É a fé daquele que já entregou os pontos, já reconhece e, infelizmente, aceita sua situação.

São doentes os que não possuem fé. Estão inertes, analisando a morte arrastar seus chinelos e se aproximar sorrateiramente. A vida não tem mais o sentido nem o mesmo ritmo que embalava o coração. A falta de acreditar em algo, de se agarrar à qualquer esperança, nos empurra ao primeiro abismo. Afirmar que não habita nenhuma fé no nosso interior é declarar posição de enfermo.

Bernardo Soares disse que “Sem fé, não temos esperança e sem esperança não temos propriamente vida.” Quando qualquer outra criança sorrir, lembrarei da fé que me motiva a apegar-me àquela cena nada monótona e deixerei o meu leito à sombra. Porque se a monotonia do leito me parecer mais interessante, é sinal de que já ouço o palmilhar da morte. E já não haverá mais sorriso, nem coração cheio, nem qualquer amor, nem resquício de vida.

26 comentários:

banzooo disse...

"... Então me lembro de que viver exige fé. Se a fé não existe, há que se desistir de todos os planos, de todos os cursos, de todos os compromissos, dos passeios no final do ano, dos amigos. Mantemos os nossos sonhos por meio da fé..."

Mais alguma coisa pra falar? Parabéns, seus textos sempre surpreendem!

[Ana Clara]

~*Rebeca*~ disse...

Filipe, como vc é lindo... Olha, você não sabe o bem que me fez ao fazer esse comentário. Eu creio. Ai de mim, se não fosse essa fé, essa certeza absoluta, que tudo posso naquele que me fortalece.
Parabéns pelo excelente texto. Você transmite leveza.

Beijo grande.

-

Unknown disse...

Leve como o sorriso de uma criança.
Lindo, Filipe!
Beijo,
Ana

Unknown disse...

Isso mesmo, Filipe!

Precisamos persistir nas nossas atividades do dia-a-dia. Tudo mal que às vezes nos peguemos com aquela monotonia. Tornou-se normal acharmos a monotonia normal. Enfim, pensei e ainda penso em desistir de uma atividade minha de todos os dias. Se eu penso em largar, porque não pensar em não largar?! Não será mais prezeroso?

O natureza humana vive em contra - adição!

Um abraço e parabéns pelo texto!

=]

leila saads disse...

Às vezes, quando bate aquela tristeza repentina, aquela que nos deixa sem chão, sem vontade de ver o futuro, eu vejo o quanto a falta da fé em dias melhores faz falta. É bem sobre isso que o meu poema do copo fala. Não tenho dúvidas de que fé é o motor da vida...

Obrigada pelos seus comentários, estímulos sempre muito bem vindos!

Beijos=*

o Cronista disse...

pois a fé a firme certeza na coisas que se esperam e nas coisas que não se veem...
e há tanta coisas que esperamos e tantas que não vemos!
mto bom!
boa semana!

Araúja Kodomo disse...

Um dos melhores!
O que um sorriso de uma criança consegue fazer é incrivel!
Consegue transportar para outro mundo onde conseguimos "ver" fé e dá-nos coragem para continuarmos a viver e tentar melhorá-la!
Parabéns pelo texto, gostei imenso! :) ***

Anônimo disse...

"Sobre abismos e nascer do sol"... é, moço, por vezes so enxergamos nossos abismos, parece que só nos voltamos pra eles, e de repente, num gesto tão simples, no sorriso inocente de uma criança é que percebemos a intensidade, mais que isso, a verdade das coisas simples da vida. E é mesmo como se o sol se abrisse pra gente nessa hora, mostrando que nem todos nossos maiores abismos são capazes de dissuadir nossa FÉ!!! Que seja sempre assim! Lindo texto! Um beijo!

Alessandra Castro disse...

"Um coração fechado não permite o menor suspiro. "

Lindo, lindo isso! E s vezes tenho medo muito grande de pensar a minha capacidade de pensar q no fim tudo dará mesmo certo. Acho q ainda naum estou nesse caminho sem volta.

(Penso, Logo Escrevo...) disse...

Gostei do seu blog.
É bom encontrar textos que nos dão prazer de lê-los.
Parabens...

Bárbara Matias disse...

Ei!

Hum... achei muito boa e interessante sua reflexão!

Quantas vezes a covardia nos toma conta e então nos entregamos de vez, nos rendemos a esse leito de inércia. Abandonamos a fé.

Mas sabe?! Quão contraditórios nós somos! Quão instáveis! Ora estamos com tanta fé que a compartilhamos, ora estamos tão entregues ao leito que nos falta vida. Gostei muito do estímulo a prosseguir na fé. Gostei muito da mensagem do texto. E da maneira simples que você abordou um tema tão relevante nos nossos dias.

Bjim.

Macel Guimarães disse...

Minhas palavras não terão a ver com o texto, mas: só vim pedir ao Majestoso Príncipe Phil que saia um pouco do castelo e se divirta mais com seus subalternos.

Com respeito e sinceridade.

Abraços fraternos!

Paulo Bono disse...

bote fé.

La Maya disse...

Ah, citou Rubem Alves no perfil, já ganhou minha admiração de graça! Adoro ler tudo desse moço, que apesar de aparentar mais idade, é uma grande criança que gosta de espalhar palavras sábias por aí, só pra gente tropeçar nelas, esse moço arteiro!

Coisa boa receber sua visita e ler suas palavras, Filipe! Até porque eu estava pra lhe fazer uma visita há vários dias, e agora não tenho mais desculpa pra adiar...! ;D
Obrigada pelas palavras, pelos elogios. Mas sabe que eu sou a pessoa mais crítica que conheço em relação a mim mesma e a tudo o que faço? Queria que, além de moldadas, as palavras sangrassem, queimassem, perfurassem e parecessem querer sair da tela. Bem, essa tem sido a minha ambição em relação às coisas que escrevo: sair do molde que me prende como as barras de uma cela e tanto me angustia. Estou aprendendo, apesar do pouco tempo que tenho dedicado às minhas letras agora, e da falta de paciência de me sentar com calma por mais de vinte minutos à frente do computador, confesso!
Enquanto não me disciplino pra então poder me libertar, vou moldando, moldando... o que mais se haveria de esperar de uma estudante de arquitetura que leciona dança?! Haha!

Sobre a fé, concordo inteiramente quando você escreve que são doentes os que não a têm. Eu costumo dizer que sou uma teimosa otimista, ou uma otimista teimosa, como preferir! Claro, tenho meus momentos de querer fugir do mundo, de cansaço, decepção e dor, mas tenho aprendido a viver de acordo com uma oração que minha mãe gostava de citar sempre: coragem para mudar o que pode ser mudado, resignação para aceitar o que não pode ser mudado, sabedoria para distingüir um do outro.

Gostei muito do seu espaço, linkado viu moço!

Beijos

alex e! disse...

...obrigado, Filipe, muito obrigado por esse post. Você não faz idéia de quão importantes para mim foram essas palavras que cê postou aqui. Ao mesmo tempo que me surpreendi pela mensagem que me passavam em momento pra mim tão difícil, senti-me reconfortado de algum modo pela calma que me transmitiram. Assim, talvez hoje eu consiga dormir com a paz de um sorriso de criança. Mais uma vez, obrigado. E um abraço...

La Maya disse...

Ah, gostei da continuidade que você deu à brincadeira "ctrl+c ctrl+v" do nosso amigo William ali em cima, que pensa e, logo, escreve...
Só acho que você deveria cobrar direitos autorais sobre suas palavras!, viu o que ele respondeu no meu blog sobre o assunto "existe amizade entre homem e mulher"?

nj.marabuto disse...

tenho uma fé madura, inexorável. mas me sinto um tanto perdido, desorientado pela minha racionalidade míope, errante.


abraço

Nathalia Alves Vanderlei disse...

"Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar".

De uma mágia encantadora seu texto, Filipe!
Mandou muito bem, como sempre.

Anônimo disse...

olá! eu sempre achei que aquelas pessoas que se suicidam já não tinham mais fé de que a situação atual jamais mudaria, que as lagrimas da noite não iriam se transformar em soriso na manhã seguinte. aí está a importância dos cristãos.. é ficar no pé dessas pessoas levando as palavras de vida eterna deixadas por cristo jesus

beijokas

Carolina de Castro disse...

Que lindo seu texto!
Maravilhoso!
=P

Renato Ziggy disse...

Nós, seres humanos, fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Portanto, é natural que sejamos indivíduos dotados de fé. O fato é que não consigo imaginar uma pessoa viver sem acreditar em algo, independentemente do que for esse algo. Não tem como viver sem fé. É a fé que motiva o homem a aceitar o caráter palpável do futuro, que se torna presente mais dia, menos dia. E a só existe um fé que de fato não nos permite morrer. Sabes bem disso, hermano. Até!

Renato Ziggy disse...

*uma fé

Anônimo disse...

Eu li esse texto no dia em que você postou, mas não quis comentá-lo, porque eu me vi escrita nele. Nesse dia, o leito me parecia mais atraente que qualquer borboleta ou beija-flor. Ele foi, pra mim, um tapa na cara com luva de pelica. E te agradeço, porque, a cada vez que eu pensava em deitar, nesse dia, eu lembrava do que eu li aqui e me forçava a fazer algo pra não morrer ali, deitada, sozinha, tão nova...

Obrigada, Lipe.

Beijos.

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitória disse...

Agradeço à vida e ao Pc ter aqui chegado hoje ao teu blog.Sou uma doente da fé e este texto conseguiu abrir uma brecha nete coração magoado.Quero crer em DEUS e na possibilidade de inteligentemente conviver sem sair lixada com seres humanos.Sou uma expatriada que reside no Brasil,pra onde volto pra semana.Depois voltarei pra continuar a ler .Vou te linkar.

Xaxeila disse...

Filipe, eu descobri, tardiamente, que viver exige fé. Como é ter fé? Você já nasceu com isso ou adquiriu depois? Se puder, responda, estou em busca dessa habilidade/sentimento/dom. (Na verdade, um pouco desesperada atrás disso)

xaxeila