
O telefone parecia zunir dentro da sua orelha. Dentro dos seus sonhos abarrotados, ela se viu indo atender o aparelho, trocando passos trôpegos. Engraçado! Ela tinha atendido, mas o barulho continuava. Abriu os olhos e percebeu que o som era real e ela ainda estava deitada na cama com o gosto de bebida na boca. Apertou o travesseiro contra o ouvido exposto ao barulho e tentou dormir. Mas o barulho era insistente e parecia atravessar todo o corpo, levando uma carga elétrica e despertando cada pedaço de vida que ainda havia dentro dela. Sentou-se à beira da cama com o corpo mole, os olhos apertados de sono, a boca amarga e os cabelos desajeitados. Percebeu que tinha dormido de jeans e com a camiseta nova, a camiseta cara que havia comprado na butique duas semanas atrás. Sentiu o frio entrando pela janela entreaberta e, junto dele, a solidão vindo sorrateiramente para seu peito. Teve uma vontade incontrolável de chorar, mas aquele barulho insuportável não a deixava pensar em mais nada. Caminhou cambaleante pelo quarto, abriu a porta e seguiu o corredor que parecia um caminho infinito. Tudo tão escuro. Seria noite ainda? Desequilibrou-se perto da estante na qual se escorou e acabou derrubando dois ou três livros. Sentia-se morta e com ódio daquele aparelho que insistia em fazer barulho, em irritá-la profundamente e tirá-la do seu precioso sono. Tirou o fone do gancho e percebeu a garganta embrulhada. O choro saiu de repente. Viu-se soluçando e derramando lágrimas sem dizer alô à pessoa insistente do outro lado. Os choros se transformaram em gemidos e seu corpo todo estremeceu. Não largava o telefone, parecia estar grudado em suas mãos. Era sua defesa, sua arma contra aquela tristeza-monstro dentro dela.
- Maria? – a voz veio do outro lado como um despertar para a realidade.
- Alô! – foi o que ela conseguiu falar.
- Maria? É você? Por que está chorando?
- Não sou Maria.
- Onde está a Maria?
- Não tem Maria nenhuma aqui.
- Ah, me desculpe. Devo ter ligado errado. – e desligou.
Que Maria seria aquela que merecia um telefonema tão desesperado de um homem? Voltou para o quarto arrastando o pé. Deitou-se como estava e fechou os olhos e a alma. Lá longe o barulho voltou. Alguma Maria estaria desesperada à espera de um telefonema que não vinha. Deixou o telefone tocar. Embora estivesse irritada, manteve-se fria e tentou dormir. Jamais passaria de novo pela vergonha de chorar para um desconhecido.