quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Como não conquistar uma mulher




O que ele faria para conquistar Aninha? Linda daquele jeito, nunca olharia pra ele com aquela cara de nerd explícita. Seus óculos fundo de garrafa e o cabelo penteado metodicamente para o lado esquerdo denunciavam seu estilo de vida. Além do mais, Aninha deveria ser daquelas meninas que gostam de caras musculosos, cheirosos e que andam com camiseta regata e bermuda de praia. Mas esses caras costumam não ser interessantes e ele sabia que Aninha gostava de homens inteligentes. Quem lhe contou foi Fernando, seu vizinho. Fernando era rapaz confiável, não mentia pra mãe e cuidava da avó duas vezes por semana. Fernando não estaria mentindo, claro que não!


Entrou na fila do restaurante universitário. Quando é que o reitor vai notar esse monte de gente se amontoando por um prato de comida? Um absurdo não haver outro restaurante com preço acessível. Apostava como Aninha não almoçava ali. Ela tinha cara de comer naqueles restaurantes chiques da cidade. Não que ela fosse metida, não, longe disso! Aninha era simpaticíssima. Andava bem arrumada, mas não era de se exibir que nem a Simone. Simone, só porque foi a Paris quando tinha três anos de idade, achava que sabia falar francês e se gabava toda de ter uma miniatura da Torre Eiffel no quarto. Grandes coisas! Aninha não era assim.


Sentou-se em uma mesa vazia com seu prato e pôs-se a devorar a comida. Não era das melhores, mas estava com fome. Conquistar Aninha não deveria ser fácil. Precisaria chegar, galanteador, puxar uma prosa boa, elogiar o sorriso dela. Mulheres gostam de elogio, dizia o seu pai. Então elogiaria o sorriso e perguntaria se ela gosta de cinema. Daí pra convidá-la seria um pulo. Mas e se ela não gostasse?


Uma menina pediu licença para se sentar com ele na mesa. Ele fez que não ouviu, não queria conversa com ninguém. Que ela se sentasse, oras! Pra que pedir licença? Não tinha ninguém nas cadeiras desocupadas e era mais do que costume sentar-se com desconhecidos na hora do almoço. Isso que dá não ter dinheiro pra comer em um restaurante decente. Tinha que se sujeitar ao da universidade. Ano que vem daria um jeito de pedir aumento de mesada ao pai.


Ah, sim, a Aninha! Bom, se ela não gostasse de cinema, perguntaria se ela gosta de teatro. Teatro é bom. Havia umas comédias em cena. Isso! Teatro é certo, as pessoas gostam. Se bem que a Tia Augusta odiava teatro, ela reclamava que as pessoas riam alto demais. Mas cinema também é assim. Até fila de banco, se bobear, tem uma ou outra escandalosa que ri alto. Tia Augusta era doida, a opinião dela não deveria ser levada tão a sério.


Mas como se aproximaria de Aninha? Ela era da outra turma, nunca devia tê-lo visto nos corredores da faculdade. Iria se apresentar como? “Oi, tudo bem? Sou da outra turma de direito. Queria conhecê-la.” Não, claro que não. Ela riria da sua cara. Um bocó, ela vai pensar. Ele poderia pensar em um esbarrão “por acaso”. Sim, ele viria na direção contrária à dela e, de repente, esbarraria na moça, deixando cair os cadernos no chão. Não, melhor evitar essas coisas. Vai que, no nervosismo, ele acaba batendo forte demais e machuca a garota. Droga! Tão difícil isso de conquistar uma mulher. Se pelo menos ele fosse bonito, charmoso ou qualquer coisa do tipo.


A menina sentada na mesma mesa pediu licença pra sair. Já? Ou a menina comia muito rápido ou não comia quase nada. Não devia ter ficado nem cinco minutos ali na mesa. Levantou os olhos do prato pra ver quem era a garota-que-come-depressa. E, naquele momento, ele foi tomado por uma onda eletrizante que percorreu todo o seu corpo. Quase engasgou com a comida e sentiu as mãos geladas, os dedos do pé com câimbra, a boca seca, o coração batendo desritmado. Não teve palavras para chamar a atenção da moça que já ia embora. Na sua cabeça, porém, os sinos tocavam reticentes: “Aninha...”.


14 comentários:

A Maya disse...

É, um dos únicos conselhos amorosos que recebi de meu pai foi o seguinte:

"Atente para a forma que um rapaz trata as garotas ao seu redor. Não as bonitas, mas as normais, do seu cotidiano. Pois depois de algum tempo assim que ele tratará você."

Pode parecer bobagem, mas eu nunca esqueci. E lendo teu texto lembrei-me do sábio conselho.

Olhando a história por outro lado, parece aquelas comédias românticas. Mas vendo pelo ângulo da tua escrita, gostei muito mais.Aliás, gostei muito.

Você está cada vez melhor!

Um abraço! Deus abençõe!

nina disse...

Nossa, pobre nerd!
Deveria olhar mais as pessoas ao seu redor. Quem sabe a Aninha tb nao gostava dele?

Luifel disse...

Kra, pior q eu ja fui meio assim um dia, ja perdi varias chances...mas acontece!

Ele ainda vai virar o jogo, um dia

Abção!

Renato Ziggy disse...

Concordo com a Ká, Lipão: seu texto lembra bastante aquelas comédias românticas (pra ser mais específico, aqueles filmes americanos dos anos 80, 90). Se for caminhar pra esse lado, não vejo muita novidade, no tocante à história, aos esteriótipos etc. Mas quanto à forma como você narra os fatos e conduz a fluência das palavras, as frases sugerindo a idéia de pensamento, a onisciência do narrador, foi brilhante; mostra que está cada vez melhor!
Às vezes leio você, a Anê e a Jaya e me pego pensando assim: "Nossa, queria escrever como eles." As suas narrativas são muito bem escritas, você aplica as técnicas muito bem, mas eu acharia interessante também se você falasse também sobre temas mais engajados, o que não significa que não possa usar o humor como elemento estético. Desculpe a intromissão, mas foi apenas uma sugestão de amigo. E de leitor. Beijón, pangaré!
Ziggy

Fernando Locke disse...

muito bom! é, perdemos chances sem nos dar conta, foi John Lenon que disse: "a vida é aquilo que acontece enquanto estamos fazendo planos". concordo com a ká e o ziggy,está cada vez melhor.abrass

rosa disse...

nossa. que 'desencontro'! ele se preocupou tanto, que esqueceu de olhar para o lado. As vezes, a felicidade está tão perto, que de tanto procurar ao longe, esquecemos de olhar pra o lado, e ver o óbvio.
;D
adoro seus textos. Incrivel, né?
abração

Anônimo disse...

Meu Deus! Imaginei esse final antes de terminar o texto. Mas que coisa! Seu conto retrata muito bem a realidade. Eu já me senti seu personagem, só que em versão feminina. Não sei, mas nunca gostei de me utilizar de artifícios na conquista. Sempre sou o mais natural possível. Se gostarem de mim, tem que ser pelo que eu sou de verdade.

Mais uma vez, arrasou no texto. Amo seus contos.

Bjos ^^

Indhiara disse...

A gente espera demais, se prepara demais, tem insegurança demais e nem notamos que grandes chances nos surgem como imprevisto.

Belo texto.

Eu, além do Pra Inicio de Prosa, agora tenho o ateaultimaletra.blogspot.com

passa lá ^^

PRiSCa disse...

faz muito tempo que eu não passaba por aqui!!!

e.... gostei demais.. do que vc escreveu


muito legal..

uma historia para contar...


:)

amor .. amor

amore!!!

muito dificil saber o que fazer
:)

abraço felipe!!!

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

que legal a maneira que vc escreveu a historia..bem interessante...de ler...leitura bem agardavél...
e essa ana...bem ..srse..um amor platonico dos contos...!

:) bjs procê)

Grazi disse...

Adorei sua narrativa! Você escreve muito bem! Fiquei envolvida completamente na história do início ao fim...

Ah! pode me chamar de Grazi sim! E obrigada pelo carinho!

Depois vou voltar com calma pra ler mais alguns textos.

Beijos.

Anônimo disse...

Querido,
venho agradecer a tua visita ao INTIMIDADE. Pode voltar quantas vezes quiser....
Adorei teu texto, e tua narrativa...certamente voltarei mais vezes...

Bjos!

Alessandra Castro disse...

A sensação do "e se?" é extremamente ruim mesmo, quem não tem nada, tb naum tem nada a perder.