segunda-feira, 5 de maio de 2008

Tarde Vazia


Jogou-se na cama como quem se lança no mar. Deu braçadas e mergulhou com um pouco de receio daquelas ondas gigantescas. Depois boiou sabe-se lá como. E ficou olhando o céu pela janela aberta. O amontoado de nuvens brancas fez dele poeta quando começou a desenhar imagens e achar frases entre elas. Lembrou-se de Laura. Lembrou-se daquele perfume que ela passava no pescoço só pra ele ficar minutos intermináveis respirando sua pele-alma-sentimento. Lembrou-se da forma como ela prendia o coque em cima da cabeça, parecia uma das deusas que conta Enéias.

Levantou-se da cama querendo se desapegar daqueles pensamentos que insistiam em aparecer quando ele estava só. Foi até a cozinha e encheu uma xícara de café. Depois debruçou-se no parapeito da janela da sala e observou a cidade de cima do seu sétimo andar. Formigas passeavam de carros lá embaixo. Assim, sem ver ninguém, não se dava conta do que parecia ser humano. Era como entrar num estádio de futebol e encontrar pessoas que torcem pra um time ou outro. Mais nada. Tudo parece mais solitário pensando desse jeito. E isso lhe trouxe angústia. Pensou no Ed, seu amigo baiano. Ed tinha vários amigos e muitas garotas. Ed entrava no mundo deles como um verdadeiro desbravador de almas. Era querido e, no meio da multidão, se destacava. Numa festa, as pessoas logo viam o Ed. Só depois viam as mulheres bonitas, reparavam as roupas dos convidados ou cumprimentavam o aniversariante. Ed tinha lá seu brilho e aquela vontade de mundo, de querer sorrir pras pessoas até... sei lá. Alguém estava batendo na porta. Esqueceu o Ed e colocou a xícara de café em cima da mesa. Abriu a porta.

- Os filmes são pra você? – era o entregador da locadora.

- Sim.

- Pode assinar aqui, por favor? – e lhe entregou um papel e uma caneta muito ruim de escrever.

- Tá aqui. – assinou, entregou o papel e a caneta e pegou a sacola de filmes.

- Obrigado. – e foi embora.

Fechou a porta. Ligou a TV. Passava um filme bobo de comédia. Não estava a fim de rir. Arrastou o sofá e estendeu um cobertor no chão. Espalhou almofadas e deitou depois de pegar dois sacos de pipocas doces no armário. Pôs um dos filmes no DVD e abriu o pacote de pipoca. Não se concentrou. Perdia os diálogos do filme. Estava com saudade de Laura. Estava com saudade de qualquer barzinho lá fora onde pudesse encontrar o Ed. Mas preferiu ver o filme mesmo sem entender. Era mais cômodo.


19 comentários:

Camilinha disse...

Muito legal você ter explorado diversos sentimentos: solidão, comodismo, tentativas...

Deu um pequeno nó na garganta, pois, dias atrás, nunca imaginava passar por uma solidão branca como a que estou vivendo agora. Daquelas que a nossa companhia é a melhor que existe. É solidão gostosa, sim. Mas tem dias, confesso, que seria bom ter um cobertor de orelha...rs

beijos daqui...

Anônimo disse...

Há pessoas assim como o Ed: iluminadas. Um brilho próprio, que contagia e não se apaga. Há pessoas como o rapaz que sente saudades da Laura, apagadas momentaneamente. E há pessoas cinzas. São assim porque não sabem ou não querem ser felizes.
Quantas vezes não optamos pelo que é mais cômodo e nos apagamos assim? Quantas vezes não temos vontade de deitar para sempre, sem nunca mais fazer nada?
Mas é preciso reagir e seguir em frente. Porque a vida é grande e não se resume a uma pessoa. E, além disso, ela é curta que chega!

Beijos.

Araúja Kodomo disse...

O comodismo só nos faz é mal...
Gostei imenso do texto ***

Stella disse...

Oi, Filipe...

...eu juro que não foi caso pensado (e até pode ser que a idéia que você teve para o texto seja diferente da que o leitor acaba tendo quando o lê), mas depois de ler seu post fiquei atônita diante de uma certa complementação com o que coloquei lá no Dominus.

É lógico que a ligação pode ser que apenas eu encontre, mas depois de terminar de ler a primeira coisa em que pensei foi que a garota do meu conto poderia muito bem se chamar Laura.

Bom, de qualquer forma, eu não acredito muito em coincidência...

Mas tiro o chapéu para o seu conto. Ficou intimista tocando na solidão do rapaz, na sua visão de mundo que ás vezes quer fazer algo, mas, ao mesmo tempo, prefere parar, se enrolar em almofadas e esperar o tempo resolver o que será do futuro.

Um abraço pra ti e boa semana!

leila saads disse...

É incrível esse poder que a multidão tem de te fazer se sentir só. Acho que é porque multidão lembra uma massa unificada e quase sempre que você pensa na sua vida e nos seus sentimentos você não se sente parte dela, se sente destoante do resto do mundo. Enfimm...
Belo texto=]

Beijos!

Anônimo disse...

Quantas e quantas vezes a gente troca o melhor pelo mais cômodo, não?

Faz dias frios por aqui...
beijos de boa semana

Anônimo disse...

O erro é acomodar-se...mas é tão mais fácil...

Bom texto!
Abraço.

[desculpa a demora!]

Flá. disse...

Olá, Felipe.
Ótimo texto! Estava torcendo para que o filme conseguisse curar de alguma forma a personagem. (Porque eu mesma uso desse artifício...)
Mas gostei do mesmo jeito haha

Beijos! Fica com Deus :*

Luciana Raskolnikov disse...

Adorei seu texto... é tao mais comodo pensarmos em nossas lauras e Eds dentro do conformismo e acomodação daquilo que acreditamos ser proteção concreta...
acho que as vezes sou como ele...
infelizmente...
poético como tudo neste blog
parabéns

passe e comente o ultimo texto do meu blog, adorarei seu comentario lá... bjo
http://banzooo.blogspot.com

Renato Ziggy disse...

Lipão, tem horas que eu preciso vir aqui pra ver se consigo absorver e semear em mim nem que seja 1% da leveza dos seus textos. Eles falam, ensinam, deixam recado, mas de uma forma que não machuca, mas toca. Gosto do aspecto "cotidiano" das suas palavras. Mas você não só "estabelece" uma situação comum, você tira um caldo dela e isso que dá o grande barato. E sei lá, se eu tivesse assim, meio "down", ouviria uma boa música, cantaria 60% da minha dor e o resto eu deixaria por conta do tempo. E quem sabe não bater um papo com o Ed num bar da esquina? Ele me faria distrair. Os filmes ficariam pra depois de amanhã, tavez. Inté!

Mafê Probst disse...

Comodismo nem sempre é o mais sensato. Eu, particularmente, não gosto do cômodo, nem do previsível. Tudo que acontece por acaso, por ironia do destino é tão mais mágico e mais surpreendente...

Anônimo disse...

Sabe, Felipe, quando você escreve envereda por muitos caminhos ao mesmo tempo. Você já notou isso?

Já ouviu "Tarde Vazia" do IRA!?

beijo

alex e! disse...

...oi Filipe. Devo dizer que me assustei um pouco com esse teu texto, pois me identifiquei logo de cara com esse personagem meio atônito, meio perdido, meio sem sintonia em meio a esse mundo tão caótico como o de hoje. A diferença é que não conheço Ed algum. De qualquer forma, optaria pela mesma solução de assistir a um filme mesmo sem o compreender. É realmente muito mais cômodo. Chocante... Um abraço em ti...

Anônimo disse...

o comodismo nos impede de viver grandes emoções.. que raiva!

beijokas

Nando Damázio disse...

Sei que a maioria dos autores são avessos a comparações, mas lendo seus textos me lembro imediatamente de Jean Paul Sartre .. Nem sei explicar direito porquê, mas o personagem protagonista deste seu conto me fez vir à memória o personagem central de "A Idade da Razão" ..
Claro que todo autor tem seu estilo único, mas, a meu ver, eis aqui um Sartre moderno, hehe ..
Abraço, cara !!

Amanda Beatriz disse...

comodismo nunca é bom, né? mas acho que faria o mesmo que ele...
beijos!

Clareana Arôxa disse...

No começo é cômodo, depois vira hábito e mais tarde, prisão.
Conheço bem essa história, tou tentando mudar o final do texto, pular parágrafos,sabe como é né?

No mais, sempre é bom vir aqui.
beijo!

Alessandra Castro disse...

Filmes que soh fazem a gente movimentar os olhos, soh p/ suprir um vazio. Já fiz muito isso.

Jaya Magalhães disse...
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