sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Conversa de adulto


A menina de seis anos pergunta para o pai enquanto ele lê o jornal:

- Pai, o que é camisinha?

O pai dá uma olhada por cima do jornal. Ele sente o coração bater forte, mas acredita que a menina ouvira aquela palavra de alguma meia-conversa que escutara na rua.

- É uma camisa pequena. – respondeu e encerrou o assunto.

- Se eu vestir uma camisa pequena eu não engravido? – insistiu a menina.

O pai levou um susto. Dobrou o jornal e colocou-o de lado. Respirou fundo e repassou na mente a conversa que já previa ter com a filha. Na verdade, esperava que essa conversa ocorresse quando ela tivesse seus doze ou treze anos. Mas o mundo nunca mais foi como em seus tempos.

- Minha filha, - ele começou, engolindo algumas palavras. Tossiu. Suou. Limpou o rosto com as costas das mãos. Desistiu. Pegou o jornal de volta. – Essa conversa não é própria para uma menina de seis anos. Quando você estiver crescidinha a gente conversa, está bem?

- Mas pai, a professora pediu pra gente perguntar isso aos pais.

- O quê?! A sua professora fala essas coisas com você?

- É! – respondeu a menina plácida.

- E o que mais ela mandou você me perguntar? – o pai estava bravo. Sim, ele estava muito bravo.

- Ela também quer saber como eu fui feita.

- Ah, chega! – o pai lançou o jornal longe e saiu dali nervoso.

*

- Mãe!

A menina se aproximou da mãe que secava os cabelos com o secador. Prontamente, a mãe desligou o aparelho e olhou para a filha.

- O que foi?

- O que é camisinha?

A mãe ligou o secador e fingiu que não ouviu a pergunta.

*

- Fui conversar com a professora. – disse o pai à mãe. – Insisti que esse assunto não deve ser ensinado a crianças de seis anos.

- O que ela disse? – perguntou a mãe visivelmente preocupada.

- Disse que hoje as crianças precisam se inteirar desses assuntos porque o mundo tem colocado essas idéias muito cedo na cabeça delas. E, como ela disse, as crianças, quando não sabem nada do assunto, pervertem e entendem tudo de forma errada.

- Ela está certa. – disse a mãe.

- Não está! – esbravejou o pai. – No meu tempo, aos seis anos eu brincava de espetar palito de fósforo nas batatas para fazer vaquinhas. Nem sonhava com o que era camisinha.

- Os tempos não são os mesmos. Precisamos fazer o que a professora nos pediu, ela é uma educadora e entende do assunto.

- Eu também sou um educador! E você está proibida de falar com nossa filha sobre camisinhas e afins.

- Tudo bem. – respondeu a mãe muito a contragosto.

*

- O que está fazendo? – perguntou o pai para a filha.

- Passando batom. – respondeu a menina esfregando um lábio no outro.

- Dê-me isso aqui! – e o pai tomou o batom da menina. – Você não tem idade pra passar essas coisas. É uma criança!

- A Rosaninha passa! – defendeu-se a menina fazendo cara de choro.

- A Rosaninha é a Rosaninha e você é você.

- Pai. – chamou a menina quando ele fez que ia sair.

- Oi.

- A professora disse que você é careta.

O pai levou um choque. Levou a mão ao peito e sentiu um ardor.

- Por que ela lhe disse isso? – perguntou o pai com medo da resposta.

- Porque eu fui a única que não levei as respostas do dever de casa.

- Vou tirar você daquela escola. – resolveu o pai e deixou a menina sozinha se olhando no espelho.

*

- Não estamos mais no século vinte. – disse a diretora, tentando convencer o pai irredutível.

- A moral é uma só, minha senhora. E eu não quero que vocês passem para minha filha informações de adulto. Ela precisa se inteirar dos mundos das bonecas e das amarelinhas.

- Hoje em dia isso não é mais possível. As crianças sabem tudo por meio da TV, da Internet e dos celulares. Só queremos evitar que sua filha receba informações erradas sobre um assunto tão importante como o sexo.

- Eu direi a minha filha sobre essas coisas na hora que eu julgar melhor. – disse o pai e se levantou. – Onde está minha filha?

- Ela está esperando o senhor lá fora.

O pai deixou a diretoria muito contrariado. Lá fora viu a filha conversando com um garotinho do seu tamanho.

- Vamos para casa. – chamou o pai.

- Pai, podemos dar uma carona pro Pedro?

- Quem é Pedro? Seu coleguinha? – perguntou o pai já pronto para apertar as bochechas do menino e dizer como ele era bonito e outras coisas que gente velha costuma dizer ás crianças.

- Não, pai. Ele é o meu namorado.

O pai viu o céu girar. As palavras da filha passaram pelo ouvido e soaram lá dentro da mente como um sino. Viu tudo escuro. Desmaiou.

Definitivamente, o mundo não é mais o mesmo.

14 comentários:

Renato Ziggy disse...

Nossa,Lipão! Fantástico... É o tipo de coisa que me coloca pra pensar. Bem, creio que não se deve esconder nada das crianças, tampouco mentir. Mas acho tb q TUDO tem a etapa certa e as crianças estão mto precoces. Não sei até q ponto é bom uma menina de 6 anos saber pra q serve camisinha, embora não ache certo dizerem a ela q os bebe vêm da cegonha. Confesso ser das antigas... Confesso tb q seu texto me fez pensar. E confesso q se minha professora falasse sobre esse tipo de coisa com filho meu SEM ME CONSULTAR eu ficaria irado e pensaria até em processá-la. 6 anos é muuuuito cedo, por mais que o mundo diga ao contrário.

Renato Ziggy disse...

*confesso q se a professora da MINHA FILHA (não a minha...rs)

Alberto Vieira disse...

:) - Reflexivo

Anônimo disse...

ai amei o post...heiuheiueheiuheiuheiuheiuehieh, hoje em dia é perigoso as crianças saberem até mais que a gente
=D

Fábio Ventura disse...

show! o melhor é ser criança, agir como criança.

Anônimo disse...

Bem.... texto bem escrito, mas a história é batida, longa e com estrutura convencional.

Eu li, mas achei que fosse encontrar alguma coisa diferente no final:(

Didático demais...

É isso

Anônimo disse...

Cara, muito bom.

Educar é uma coisa tão complicada, que se muitos soubessem não teriam filhos.

-
Cara, concordo!
Mudar é sempre bom.

Brigadão pela visita,
quando quiser, só passar por lá.

abç.

Anônimo disse...

Hahaha!
Muito, muito bom!
Mas é complicado mesmo lidar com as perguntas constrangedoras que as crianças fazem. (outro dia meu enteado mais velho me perguntou por que o ponto fraco da mulher são os seios.)
Mas concordo que é preciso ensinar e ensinar corretamente, sem muitas "mentirinhas".
Gostei muito daqui. Posso te linkar?

Beijos.

Clareana Arôxa disse...

eu fiquei pensando no que você escreveu no meu blog: "Acho que somos assim mesmo: uma coisa atrás da outra". Talvez sejamos mesmo, essa coisa atrás da outra e isso é fascinante. Só não sei se sou uma de cada vez, acredito que uma mistura de sensações, sonhos, desejos.

Muito bom o texto, nada melhor do que ser sincero com os filhos, mesmo que isso burle algumas regras pré-estabelecidas.

E vou te adicionar, volta sempre que quiser por lá!

beijo

Aprendiz do amor disse...

E o pior é que é isso o que acontece mesmo! As crianças não estão mais tendo infância..estão pulando o seu tempo de brincar.E a culpa é da gente!
Beijoos.

Obrigada pelo comentario no meu blog:)
Voltarei sempre.

Clara Mazini disse...

hahaha
O nosso tempo muitas vezes não é o dos outros, né?

Luis Fernando disse...

isso é algo que não se vê todo dia. só nos dias da era futura, se nós continuarmos assim. eu concordo que as informaçoes tem de ser compartilhadas, mas 6 ANOS!!!puax vida,eu não sabia nem contar direito!(talvez isso explique eu ser ruim em matemática). Muito menos imaginava o que era sexo!

Washington Vieira disse...

Caramba!!! Pior que é verdade... isso me dá uma pontada no peito quando penso que um dia posso ter filhos.

Anônimo disse...

independente do mundo de hoje, seis anos sao seis anos... sete, oito...
Sao crianças, tem que brincar, temos que afasta-las desse tipo de coisa, e não adapta-las a um mundo precoce, onde as crianças tem educação sexual aos 10 anos. E se elas vierem com perguntas como essas, rebata (nao minta nem esconda), responda de um jeito que não tire sua inocência, e faça com que elas nao pensem no assunto, se preocupem so em estudar e serem crianças.