O casal andava pelos corredores do supermercado, empurrando o carrinho de compras, quando uma quase-Juliana Paes passa por eles, acenando pro marido. Ele, sem graça, sorri em retribuição.
- Quem é? – a esposa, fingindo ser pouco ciumenta.
- Não sei, não conheço. – ele respondeu, engasgado.
- Ah, Orlando. Não me venha com papo furado. Eu vi como ela acenou pra você, vi como você ficou desajeitado. Quem é? Fala logo, anda.
- Eu não sei, Martinha. Juro! Nunca vi essa mulher na vida.
- Então vou lá perguntar pra ela. – a esposa foi ameaçadora.
- Você está com ciúmes? – ele riu, achando bonitinho.
- Claro que não. – e ela não tocou mais no assunto.
Dali uma semana, o casal passeava pelo parque numa tarde, começo de noite. A mesma moça do supermercado passa e acena pro marido. Acena e sorri, o que é pior. O marido finge um ataque de renite alérgica.
- Orlando, eu quero uma explicação. Você disse que não conhecia aquela mulher.
- Eu não conheço. Atchim! Nunca a vi! Atchim!
- E pára de espirrar! Você nunca teve renite alérgica!
- Martinha, eu juro que não sei quem é aquela mulher. Você não acredita em mim?
- Não!
Ele ficou
- Por que ela cumprimenta você, então? Não é à toa, é? Se você tiver namorado ela nos tempos de colégio, pode me falar, eu não ligo.
- Deve ser a síndrome da simpatia extrema. – ele soltou, sem pensar.
- O quê?! – ela, horrorizada com a bobeira.
- Li no jornal esses dias. Muitos diagnósticos nesse sentido estão sendo dados pelos médicos. Síndrome nova. Acomete pessoas que querem ser populares.
- Vai se catar!
A esposa ficou preocupada. Sentiu seu casamento ameaçado. O marido estava mentindo, sabia que estava. Ele não sabia mentir. Por isso se casou com ele. Resolveu procurar uma terapeuta. A psicóloga, amiga que era, tomou as dores de Martinha e aconselhou o divórcio. Disse que já tinha passado pelo mesmo e, quando descobriu tudo, o marido mantinha a amante há três anos. Martinha chorou, desesperada.
A partir daquele dia, Martinha começou a fuçar os bolsos, colarinhos, agendas e carteiras do marido. Desconfiadíssima, chegou até a interceptar uma conversa telefônica dele. Não deu
- Você viu aquela mulher de novo? – ela tentou, assim, pelas beiradas.
- Que mulher? – o marido perguntou, distante.
- Aquela do supermercado. Da praça. – ah, como ela se sentia ridícula nessa pose de mulher ciumenta.
- Nunca mais. Por quê?
- Acho que a vi esses dias. – ela jogou verde, pra ver se ele se espantava. Mas Orlando não esboçou nenhuma reação. Droga! Assim ficava difícil.
Certo dia, numa sexta-feira, no salão de beleza, Martinha, sentada numa das cadeiras, esperando pelo corte, vê a rival entrar e se assentar na sala de espera. A moça, bonita (que ódio!), cruzou as pernas e puxou uma revista pra ler. Quando a cabeleireira terminou o corte, Martinha saiu da cadeira e passou pela moça que lhe encarou.
- Oi! – cumprimentou a moça, simpática que só.
Talvez o Orlando tivesse razão. Síndrome da simpatia exagerada. É do tipo que cumprimenta todo mundo só pra se mostrar conhecida. Mas Martinha não ia deixar barato. A história seria desvendada naquele momento.
- Nos conhecemos? – Martinha perguntou, um tanto ríspida.
- Nunca fomos apresentadas. Mas conheço seu marido. Sempre os vejo juntos.
“Sempre os vejo juntos!”, naquele momento, Martinha quis berrar o nome do marido e jurá-lo de morte. Com a voz carregada de ira, os olhos fulminantes, a nuca tensa, indagou:
- De onde vocês se conhecem, hein? - o “hein” agudo, como quem vai explodir a qualquer momento.
- Ah, ele nunca lhe disse? Do balé.
Nessa hora, Martinha soltou uma gargalhada. Não queria, mas foi inevitável. Sorriu tanto que doeu a barriga. Estava aliviada. Orlando? Balé? Orlando era um nerd, vivia na frente do computador, odiava dançar, tinha as pernas de pau. Que piada! Despediu-se da moça e foi embora do salão, feliz. Certamente a moça aprontara alguma confusão. Confundira seu marido com algum colega de balé, aluno, o que seja. Mas seu marido, não. Orlando? Imagina se ele iria...
Será?!
18 comentários:
aah, a confiança misturada com dúvida brinca com o ser humano faciinho..
baci!
Adorei o texto =)
Ficou animado e ainda pôs em questão a confiança, que é tão importante nas relações.
Beijos Filipe ^^
hahahaha
Adorei o texto. O ciúme, a desconfiança, as supostas aulas de ballet...vai ver que é verdade!hahahaha
Lembrei-me daquele filme "dança comigo?"!
Beijos.
p.s.:Obrigada pelos elogios em meu blog, mas você exagerou dizendo que eu era uma escritora...quem dera!
rsrs, quanto ciume...
Isso me lembrou Vem Dançar Comigo, acho q esse o nome do filme. Nele, Richard Gere faz dança de salao escondido da mulher depois do trabalho. Eh otimo. Beijao.
Esse é o nosso grande problema. Naum ler mentes.
Vai saber! Eu não entenderia... interrogações quase me matam. E o meu exagero emocional, provavelmente, pioraria a situação.
Oi Filipe!
Estava com saudade de um conto assim. Leve, que me tira um sorriso do rosto.
Beijo grande!
Re
Eu adoro as surpresinhas que vc coloca no fim desses textos...
=}
Um beijo :*
Ah, ele fazia balé, sim! E preferia que a mulher pensasse que ele a traia do que dizer que fazia balé...
A partir desse episódio deviam pensar nesse relacionamento, cadê a intimidade de dizer o indizível?!?!
=)
Bom texto!
Beijo
Como é bom encontrar um texto que lida com questões importantes e nos faz rir ao mesmo tempo!
Escrita prazerosa a sua, um achado...
bjs!
Ester,
Ele poderia ter vergonha assumir fazer balé para esposa, não?
Olá!Cadê aquele gadget onde a gente se inscreve para acompanhar um blog?
Sim, porque li seus textos quase todos e é impossível não querer acompanhar seu blog. Parabéns!
Bom o texto!!!
Balé?
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
poxa, o cara quase botou seu casamento a perder por causa do balé...
eta vida...
hahaha meu irmão fez balé comigo quando eramos crianças e se alguem tona nese assunto hj ele qr matar...rs
bjux
caracaaaa!!!
hahahaha
coitado do homem....
tá ótimo dessa cor o teu template.
te dei o dardos
beijo na testa ;)
...sabe, Filipe, esse teu texto chama a atenção para um fato que parece ser ignorado numa relação: os segredos que guardamos do outro. Todos fazemos isso. Todos temos aquela parcela de vida que nos é própria, muito particular e de que gostamos assim, intocada. E penso mesmo que a manutenção de alguns segredos como esse, que não ferem a dignidade da relação, devem ser mantidos e preservados. Afinal de contas, quem não preza o seu próprio fundo de gaveta? Um abraço... =D
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