segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Segredo de casal


O casal andava pelos corredores do supermercado, empurrando o carrinho de compras, quando uma quase-Juliana Paes passa por eles, acenando pro marido. Ele, sem graça, sorri em retribuição.


- Quem é? – a esposa, fingindo ser pouco ciumenta.


- Não sei, não conheço. – ele respondeu, engasgado.


- Ah, Orlando. Não me venha com papo furado. Eu vi como ela acenou pra você, vi como você ficou desajeitado. Quem é? Fala logo, anda.


- Eu não sei, Martinha. Juro! Nunca vi essa mulher na vida.


- Então vou lá perguntar pra ela. – a esposa foi ameaçadora.


- Você está com ciúmes? – ele riu, achando bonitinho.


- Claro que não. – e ela não tocou mais no assunto.


Dali uma semana, o casal passeava pelo parque numa tarde, começo de noite. A mesma moça do supermercado passa e acena pro marido. Acena e sorri, o que é pior. O marido finge um ataque de renite alérgica.


- Orlando, eu quero uma explicação. Você disse que não conhecia aquela mulher.


- Eu não conheço. Atchim! Nunca a vi! Atchim!


- E pára de espirrar! Você nunca teve renite alérgica!


- Martinha, eu juro que não sei quem é aquela mulher. Você não acredita em mim?


- Não!


Ele ficou em silêncio. Ela teve pena.


- Por que ela cumprimenta você, então? Não é à toa, é? Se você tiver namorado ela nos tempos de colégio, pode me falar, eu não ligo.


- Deve ser a síndrome da simpatia extrema. – ele soltou, sem pensar.


- O quê?! – ela, horrorizada com a bobeira.


- Li no jornal esses dias. Muitos diagnósticos nesse sentido estão sendo dados pelos médicos. Síndrome nova. Acomete pessoas que querem ser populares.


- Vai se catar!


A esposa ficou preocupada. Sentiu seu casamento ameaçado. O marido estava mentindo, sabia que estava. Ele não sabia mentir. Por isso se casou com ele. Resolveu procurar uma terapeuta. A psicóloga, amiga que era, tomou as dores de Martinha e aconselhou o divórcio. Disse que já tinha passado pelo mesmo e, quando descobriu tudo, o marido mantinha a amante há três anos. Martinha chorou, desesperada.


A partir daquele dia, Martinha começou a fuçar os bolsos, colarinhos, agendas e carteiras do marido. Desconfiadíssima, chegou até a interceptar uma conversa telefônica dele. Não deu em nada. Orlando era discreto.


- Você viu aquela mulher de novo? – ela tentou, assim, pelas beiradas.


- Que mulher? – o marido perguntou, distante.


- Aquela do supermercado. Da praça. – ah, como ela se sentia ridícula nessa pose de mulher ciumenta.


- Nunca mais. Por quê?


- Acho que a vi esses dias. – ela jogou verde, pra ver se ele se espantava. Mas Orlando não esboçou nenhuma reação. Droga! Assim ficava difícil.


Certo dia, numa sexta-feira, no salão de beleza, Martinha, sentada numa das cadeiras, esperando pelo corte, vê a rival entrar e se assentar na sala de espera. A moça, bonita (que ódio!), cruzou as pernas e puxou uma revista pra ler. Quando a cabeleireira terminou o corte, Martinha saiu da cadeira e passou pela moça que lhe encarou.


- Oi! – cumprimentou a moça, simpática que só.


Talvez o Orlando tivesse razão. Síndrome da simpatia exagerada. É do tipo que cumprimenta todo mundo só pra se mostrar conhecida. Mas Martinha não ia deixar barato. A história seria desvendada naquele momento.


- Nos conhecemos? – Martinha perguntou, um tanto ríspida.


- Nunca fomos apresentadas. Mas conheço seu marido. Sempre os vejo juntos.


“Sempre os vejo juntos!”, naquele momento, Martinha quis berrar o nome do marido e jurá-lo de morte. Com a voz carregada de ira, os olhos fulminantes, a nuca tensa, indagou:


- De onde vocês se conhecem, hein? - o “hein” agudo, como quem vai explodir a qualquer momento.


- Ah, ele nunca lhe disse? Do balé.


Nessa hora, Martinha soltou uma gargalhada. Não queria, mas foi inevitável. Sorriu tanto que doeu a barriga. Estava aliviada. Orlando? Balé? Orlando era um nerd, vivia na frente do computador, odiava dançar, tinha as pernas de pau. Que piada! Despediu-se da moça e foi embora do salão, feliz. Certamente a moça aprontara alguma confusão. Confundira seu marido com algum colega de balé, aluno, o que seja. Mas seu marido, não. Orlando? Imagina se ele iria...


Será?!


18 comentários:

Marcela disse...

aah, a confiança misturada com dúvida brinca com o ser humano faciinho..
baci!

Luciana Brito disse...

Adorei o texto =)

Ficou animado e ainda pôs em questão a confiança, que é tão importante nas relações.

Beijos Filipe ^^

C.L. disse...

hahahaha
Adorei o texto. O ciúme, a desconfiança, as supostas aulas de ballet...vai ver que é verdade!hahahaha
Lembrei-me daquele filme "dança comigo?"!

Beijos.

p.s.:Obrigada pelos elogios em meu blog, mas você exagerou dizendo que eu era uma escritora...quem dera!

Anônimo disse...

rsrs, quanto ciume...
Isso me lembrou Vem Dançar Comigo, acho q esse o nome do filme. Nele, Richard Gere faz dança de salao escondido da mulher depois do trabalho. Eh otimo. Beijao.

Alessandra Castro disse...

Esse é o nosso grande problema. Naum ler mentes.

Anônimo disse...

Vai saber! Eu não entenderia... interrogações quase me matam. E o meu exagero emocional, provavelmente, pioraria a situação.

*Renata Gianotto disse...

Oi Filipe!

Estava com saudade de um conto assim. Leve, que me tira um sorriso do rosto.
Beijo grande!

Re

Caroline disse...

Eu adoro as surpresinhas que vc coloca no fim desses textos...

=}

Um beijo :*

Polly Barros disse...

Ah, ele fazia balé, sim! E preferia que a mulher pensasse que ele a traia do que dizer que fazia balé...
A partir desse episódio deviam pensar nesse relacionamento, cadê a intimidade de dizer o indizível?!?!

=)

Bom texto!
Beijo

Ester disse...

Como é bom encontrar um texto que lida com questões importantes e nos faz rir ao mesmo tempo!

Escrita prazerosa a sua, um achado...


bjs!
Ester,

Mafê Probst disse...

Ele poderia ter vergonha assumir fazer balé para esposa, não?

Elaine Gaspareto disse...

Olá!Cadê aquele gadget onde a gente se inscreve para acompanhar um blog?
Sim, porque li seus textos quase todos e é impossível não querer acompanhar seu blog. Parabéns!

Luiz Carlos disse...

Bom o texto!!!

Balé?

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

poxa, o cara quase botou seu casamento a perder por causa do balé...

eta vida...

Anônimo disse...

hahaha meu irmão fez balé comigo quando eramos crianças e se alguem tona nese assunto hj ele qr matar...rs


bjux

Lu Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

caracaaaa!!!

hahahaha
coitado do homem....

tá ótimo dessa cor o teu template.
te dei o dardos
beijo na testa ;)

alex e! disse...

...sabe, Filipe, esse teu texto chama a atenção para um fato que parece ser ignorado numa relação: os segredos que guardamos do outro. Todos fazemos isso. Todos temos aquela parcela de vida que nos é própria, muito particular e de que gostamos assim, intocada. E penso mesmo que a manutenção de alguns segredos como esse, que não ferem a dignidade da relação, devem ser mantidos e preservados. Afinal de contas, quem não preza o seu próprio fundo de gaveta? Um abraço... =D

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.