sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Eu me casaria com os olhos de Rebeca Maltez


Quando eu olhei pra você com aquele copo de guaraná quente na mão, achei que você fosse a menina mais triste da festa. Parecia ter saído de um funeral, tamanha era sua cara de desgosto. Eu observava, você imergia os olhos dentro do guaraná, se afogando em pensamentos que eu queria muito descobrir.


Me incomodava o fato de você tirar e colocar o anel do dedo. Comecei a reparar em sua mão que, sei lá por que, me pareceu tão conhecida. Teria eu passeado de mãos dadas com você, nalgum instante do meu passado? Existem momentos que a gente esquece. A própria memória dá um jeito nisso. Eu amaldiçoei o fato de terem apagado você da minha mente. Porque você, mesmo triste, é linda.


“Eu não quero nada esta noite.” – você disse sem me olhar. E eu assustei porque nem imaginava que você sabia que eu estava ali, do seu lado.


“Eu tocaria uma música pra você. Cantaria no seu ouvido até minha voz falhar.” – eu disse, desprevenido.


“Isso é brega. Eu sou do tipo prática e nada romântica.”


“Duvido. Você tem cara que lê poesia antes de dormir.”


“Só Manuel Bandeira. Leio, choro e durmo.”


“Pessoas práticas e nada românticas não choram com poesia.”


“É que eu sou sensível, às vezes. Mas isso não me torna romântica.”


Você me olhou, enfim. Seus olhos tinham dois bumbos que retumbavam pra dentro de mim. Fui me cercando com suas palavras e seu jeito de me contrariar. Algumas vezes eu olhei pros seus lábios. Eu queria beijá-los. Não pela sensualidade, mas pelas palavras que deles saíam. Foi quando me apaixonei. Não sei se foi por causa do seu meio-sorriso que escapou e caiu no meu colo. Ou se foi pela forma quase lírica que tocou seus próprios ombros pra tirar um desses bichinhos que caminham na gente.


“Eu me casaria com o primeiro par de olhos que me aparecesse pela frente.” – você disse num tom esfomeado que me deu náusea.


“Eu me casaria com os olhos de Rebeca Maltez.” – deixei escapar, só pra provocar. Vi que sua reação não foi boa, você era do tipo ciumenta.


“Os olhos carregam o mistério do resto do corpo.” – e nessa parte você suspirou, como quem ama a própria poesia.


Eu sorri e você me sorriu de volta. Foi bonito porque sua íris apontava um ramalhete de mistérios prontos a serem descortinados.


“Topo desvendar os seus.” – eu arrisquei. E você me beijou.


O anel foi parar no chão e eu mantive meus olhos bem abertos, dentro dos seus. Foi um beijo sufocante de quem deseja se encerrar dentro do outro. Eu não tive fôlego pra pedir que você parasse. Eu não queria parar.


“Sua boca parece armadilha. Seu gosto é bom.” – você me disse, em sussurro.


“Casa comigo, essa noite?” – eu, alucinado.


“Não. Eu trairia Rebeca Maltez.” – disse e se foi.


Sem despedida, sem um último beijo.


Eu só queria que você soubesse que eu me casaria com os olhos de Rebeca Maltez porque eles se parecem com os seus.


26 comentários:

Eolo, Senhor dos Ventos... disse...

Nossa... Isso foi quase épico.
Tá tão romântico que faz a gente sonhar.
Gostei mesmo! Sua escrita é muito confortável.

Obrigado pela leitura.

É uma pena ela não compreender-te.

Luz.

Abraço!

Luciana Brito disse...

Isso foi lindo!

Visualizar e sentir a cena e tudo que nela existe. Romantismo poético, muito bonito.

É ótimo ler seus textos macios. ^^


Beijo. =*

Sueli Maia (Mai) disse...

Filipe,

delícia é ver os olhos-bumbo da Rebeca, no adentro dos olhos da musa-confusa, de mãos inquietas. Tudo isto eu vi, ao te ler.
Uma leitura macia que escorrega ligeiro num gole, sem pressa, um primor de texto.

Ela volta.
Ela lê, chora e dorme?
E tu a lês, choras, dormes?

Beijos, querido.
E o copo de guaraná, era descartável?
Tu não!

Haya disse...

“É que eu sou sensível, às vezes. Mas isso não me torna romântica.”

Acho que sei como ela se sente.

Beijocas, Filipete.

Mariana disse...

Foi lindo. Maravilhosamente tocante.

tocou a realidade...acho isso fantástico!

Beijos

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

"Algumas vezes eu olhei pros seus lábios. Eu queria beijá-los. Não pela sensualidade, mas pelas palavras que deles saíam. Foi quando me apaixonei."

Ah...Filipe.Quantas vezes as palavras são a roupa do amor?

Meu beijo e meu carinho.

entre-caminhos disse...

Que romântico! pena que ela foi embora e nem esperou pra ouvir a resposta.

adorei seu texto, como todas as vezes que leio. ;)

Letícia Alves disse...

O que dizer?
Tem vezes que a vida nos prega essas peças!Mas, sigamos em frente, afinal, lá na frente pode ser que haja outra Rebeca Maltez ou os olhos dela!

Lindo, lindo!

Beijos Tempestuosos!

Sabrina Davanzo disse...

Adorei o blog. Adorei os textos.
Voltareis outras vezes.
Bjo!

Ra disse...

Tem uma mulher que eu amo. Acho que esse texto é capaz de compreender isso.

Anônimo disse...

Estou impressionada. Seu lirismo é tão doce, de uma polidez tão particular. O texto, de um final incomum, eu não achei melancólico e mesmo que fosse, ainda seria ótimo. A gente ama sem escolher e é seguindo essa linha que a gente acaba se desencontrando na tentativa - naturalmente involuntária - de receber amor também.

Beijo.

C.L. disse...

Eu posso simplesmente dizer "que liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiindo"??

Tenho que poder, porque é a única coisa que consigo dizer agora!

Beijos.

Marcela disse...

Não tenho muito a dizer a não ser que é lindo.. É como uma ideia que as pessoas tem de amor, nao sei explicar; mas é lindo :)
baci.

Asgardiano disse...

Taquepariu.... eu revivi toda a minha historia com a menina de Maceío. Não teve esse lirismo todo, mas a sensação é essa.

Abraão Vitoriano disse...

Filipe, estou dentro da história ainda... como faço pra sair?!
“Os olhos carregam o mistério do resto do corpo.”(perfeito)

Juliana Almirante disse...

nossa, que coisa mais bela...
uma reunião de frases tão incríveis, sensações doces...
gostei muito!

Flávia disse...

Eu me casaria com palavras, sabe? Mas tem que ser assim, parecidas com as suas :)

Apaixonante demais esse texto.

E eu não estava triste nos últimos textos não, querido. Ando exercitando a imaginação e tentando falar um pouco menos de mim... e tem sido duro, viu? Logo logo desisto e volto ao meu permanente status 'borboletas no estômago', rs.

Um beijo!

Ni ... disse...

Seu texto me fez ter vontade de viajar em olhos de águas profundas...

Sempre é bom demais te ler...

Projeto Geografia UEMG EEMJO disse...

doce armadilha!

alex e! disse...

...ai, Filipe, esse teu texto me lembra, de uma forma muito romântica, de que nada é fácil, ou melhor, simples como poderia ser. Os espinhos à espreita num belo ramalhete... isso foi a primeira coisa em que pensei, assim que terminei de ler. Ou talvez seja só desilusão... um abraço pra ti...

Camila disse...

Ai ai que saudade de te ler Felipe... me vi quando falou da cena de tirar e colocar o anel do dedo... sempre faço isso quando estou esperando "nada".
Amei!
Beijos

Luifel disse...

Meu sem palavras! Quando leio os seus contos eu visualizo a cena, parte a parte. Esse seu conto me lembrou uma pessoa do passado.[:(]

Abção.

PS: Naquele meu post do vento quis falar exatamente da ação do Ruah, o Espírito Santo, porém usei a metáfora do vento.

Alessandra Castro disse...

Tuas palavras são tão doces que me fazem crer no amor.

Juh... disse...

E eu me casaria com suas palavras...

com cada uma delas....

Lindo!

.Intense. disse...

E fico eu a me perguntar se isso ainda acontecem, se as pessoas ainda se apaixonam assim...