quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Coautoria


“Das amizades” seria o nome do nosso livro. Lembra? Idéia de quando tínhamos quase vinte anos e você assumiu que um ombro amigo era um suporte raro. Amigo não se faz assim, como se planta arbustos. Amizade exige estudo, horas de conversa num silêncio contínuo de trinta ou mais minutos.


Quando pequenos, eu conhecia dois de você: o menino das disputas, da molecagem, do sorriso lambuzado de uma alegria inesgotável. E tinha o menino que nasceu na pobreza, que vendia os salgados da mãe, que estudava porque queria ser doutor. E, na sua pobreza, você me passava dessa alegria que eu não conhecia bem. Explicava que brincadeira boa era aquela que se brincava imaginando. Passávamos tardes inventando reinados, batalhas, piratas malvados, princesas lindíssimas. Depois, cansados, íamos pra minha casa onde você tomava um lanche e pedia outro com os olhos. Sua fome sempre foi mais aguda. Fome de alma.


Na escola, você apaixonado pela Iara, a princesa dos nossos castelos. Sentávamos sempre na carteira atrás da dela porque você queria a miragem. Queria fixar bem o perfume dela pra ir dormir com o cheiro. Nas aulas de matemática, você a examinava buscando qualquer defeito que não encontrava. Depois vinha choroso pra mim, dizendo que ela nunca gostaria de um “bolsista”.


Mas seu vício era a vida, eram os sonhos. Projetava-se sobre os livros, varava noites, lia dicionário, falava bonito. A mãe morria de orgulho. “Vai ser dotô!”, ela contava com um sorriso de um palmo e dois dentes faltando. Fosse ela viva, se orgulharia ainda mais do menino que cresceu sem perder os valores que ela ensinava. Engraçado. Mãe não precisa de estudo pra ensinar. É com os olhos mesmo.


Nosso livro é isso aí. Entre cada uma dessas linhas ainda cabe um zilhão de histórias. Eu gosto de história mal-contada, de sentimento que a gente não põe fim, mas permite ir acontecendo. Da nossa amizade, eu guardo recordações boas. Sei do menino que queria ser doutor, que, no dia em que eu perguntei se não lhe faltaria fôlego pra ser quem queria, me disse assim:


- Eu nunca tive asas. Mas sempre me arrisquei nos vôos.


Voou tão alto que já perdi de vista. Talvez seja este o segredo: não há segredo. Há uma fagulha. Depois disso a gente não se responsabiliza mais, foge do controle. Vira fogaréu.


26 comentários:

Mariana disse...

Eu só quero dizer que você pegou no meu ponto fraco hoje....

Destaque para:
"Voou tão alto que já perdi de vista. Talvez seja este o segredo: não há segredo. Há uma fagulha. Depois disso a gente não se responsabiliza mais, foge do controle. Vira fogaréu. "

Adorei... de verdade;)
bjs

entre-caminhos disse...

Lindo!!!
tem selo pra vc no meu blog.
=)

Rodrigues, K. disse...

Se eu te disser que chorei lendo seu texto, você vai acreditar? Pois é, chorei. Suas linhas me trouxeram tão boas lembranças, voltei lá na minha infância, lembrei dos meus grandiosos amigos e percebi que estou tão distante. Ain que aperto forte aqui no peito. É de saudade, de ausência.

Adoro tudo aqui e volto Filipe.

Beijoo.

Luciana Brito disse...

Ainda descubro como você consegue escrever assim...

Nossa, chorei lendo o texto!!
Bateu em um ponto delicado, a força de vontade, o arriscar em busca dos sonhos.

Adorei Lipe.

Beijos ^^

Letícia Alves disse...

Selo pra você no meu blog!
Beijos!

Anônimo disse...

Tantos segredos escondidos nessas linhas tão bem dedicadas;
Liberdade, Amizade, Lembranças e infância...
Saudade de uma longa conversa em silêncio, e sair cm a sensação de que foi a melhor conversa de todos os tempos!
Bjus...
Adoro vim aqui e voar nos pensamentos que não me impoe limites...

Quero sempre mais de que me oferece bem.

Anônimo disse...

Felipe,

me emocionou menino!
Você é um serzinho raro...e os diminutivos daqui são carinho. Puro.

Thiago disse...

Lipe..quando crescer quero ser como você [repito]

Há em teus escritos um quê de ternura que me remete a lembranças e coisas que ainda quero viver!

Quase que um irmão para mim, ainda que conversamos bem pouco, mas tu é recheado de poesia e carinho.
É daqueles que tem duas asas pra ganhar o céu e se aventurar.

=)

Abraços.

Anônimo disse...

é sempre bom ler os seus textos! se vc mudar de blog e postar sem assinar acho que todos que já leram reconhecerião um texto redigido por vc.

vc é único! bjuxxx

Abraão Vitoriano disse...

é tudo tão belo que me fez recordar de antigas amizades, e de como este contato infantil é de extrema importância para nos tornarmos seres humanos mais sesíveis e dignos... é absorvendo do outro que nos permitimos ser, alguém já dizia isso. Abraços!

C.L. disse...

Que texto lindo, Felipe. VOcê é um escritor, com toda a propriedade da palavra.
Cheguei a imaginar que "o outro" era você, em outra perspectiva, sabe?Viajei, eu sei..
Mas mexeu demais comigo, esse texto. Demais.
Se eu fosse explicar, não caberia aqui.É coisa pra uma vida toda. Muitos anos de terapia.

Desabafei demais, né?

Beijos.

DILERMArtins disse...

Li sua entrevita lá no Fio de Adiadne e seu conto aqui, li e linkei, assim voltarei!
Sobre o conto te digo, gosto muito dessa idéia de ser inacabado, em contrução...E, adorei sua abordagem dilicada, poetica...
Parabéns!

Sueli Maia (Mai) disse...

Filipe,

hoje eu desabei.

Carinho,

Mai.

*Renata Gianotto disse...

Filipe,

Adorei sua entrevista no blog da Vanessa!

Parabéns viu! Continue nos inspirando com sua criatividade e poder com as palavras :)

Anônimo disse...

gente, que ótimo ;}
adorei *-*

beijos

Letícia Alves disse...

Lipe,

Os nossos sonhos nunca podem ser medidos.
Temos que alçar vôos mesmo, infinitos, distantes, mas sem perdemos a nossa essência!
Lindo lindo!
Beijos Tempestuosos!

Rainha dos Raios de Sol disse...

Maravilhoso...

O verdadeiro amigo sabe a hora certa de nos deixar voar, ainda que ele não possa nos acompanhar...

Abraços

Elcio Tuiribepi disse...

Olá...se a Mai desabou, eu to aqui, inteirinho e com ótimas sensações, é que te ler dá esperança, não dá nó no fio do pavio...deixa eu ir, o fogo está chegando. Que a sua vida possa virar um sem fim de pavios, todos prestes a desencadear a chama que tu trazes dentro da alma...um abraço...na alma é claro...

Abraão Vitoriano disse...

tem uma "lembrançinha" pra você no meu blog... Abraço!

Anônimo disse...

Excelênte;
E essa descrição de amizade, muito bom Filipe.. ;]

Abraço.

Chellot disse...

A amizade contada aqui deixou-me emocionada, tão linda que é. Voa sempre para espaços sem fim.

Beijos doces de sol e de lua.

Rômulo Souza disse...

Devo aparecer mais por aqui. Gostei do seu estilo , meu camarada. Vou te adicionar lá no meu blog

Rômulo Souza disse...

Rapa..Peguei até um trecho do seu texto e fiz uma coautoria. Você tem futuro! Espero que não fique chateado comigo..mas tem todas as referências do seu blog lá.

Joely disse...

Nossa! Faz um tempinho que ando frequentando seu blog e percebi o quanto escreve bem! Viajo em tuas palavras belas, um dom carismático de juntá-las tão bem.

Me referindo ao texto em especial, que espetacular! Sei que podemos ir muito mais distante quando não possuímos limites. Assim estaremos libertos e nossas asas livres para irmos muito longe. Estarei passando aqui sempre que puder!
Parabéns pelo seu dom!

alex e! disse...

...depois de ler esse teu texto, Filipe, penso que temos uma parecida percepção sobre o que é a amizade (embora q tua versão dqui seja muito mais poética...): amigo é quem a gente escolhe pra ser irmão, pra ter aquele sentimento enorme que não se explica, não tem nome e nem cabe no peito. Quanto aos sonhos, que sejam sempre fagulhas pra que deem em fogaréus! abraço pra ti...

=D

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.