sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A crise dos doze anos

Lá pelos meus doze anos, descobri aquele mundo novo da puberdade. As meninas não pareciam mais pulgas repelentes. Ficavam bonitas com o novo ar de “agora eu uso sutiã, tá?” e tinham até um gingado meio infantil, um requebrar que já ia dando vontade de chegar perto.


Tinha também o outro grupo. O das meninas que continuavam pulgas. Ninguém se aproximava delas. Feinhas, caretas, óculos fundo de garrafa, aparelho móvel que distorcia um pouco a fala, trança no cabelo, vestidinho com laçarote; e espinhas, muitas espinhas pipocando por toda parte do rosto. Dessas eu tinha pena. Não tinham conserto. A sina das coitadas era ver as bonitinhas entrando pela escola em seus carpetes imaginários. E não tinha páreo. Os meninos só queriam as bonitas.


Num desses recreios, acometido de uma benevolência sacra, sentei perto da Júlia. Pobre Júlia, sempre catarrenta, lenço na mão. Sofria de renite alérgica. Ela comia seu sanduíche de sardinha que a mãe sempre lhe preparava. Sentei perto e meu estômago embrulhou. Nunca gostei de sardinha, nem do cheiro.


- Oi Júlia. – cumprimentei, assim, como quem não quer nada.


- Oi. – ela não fazia questão de ser simpática.


E eu fiquei observando a forma como ela devorava o sanduíche. Sem a menor classe e postura. Se encurvava em cima das mãos, os cabelos caindo na comida, o barulho da respiração arfante, uma dó. A poucos metros, as bonitinhas nos bancos, tomando suco no canudinho, pernas cruzadas, revezando a prosa com os meninos que urubuzavam.


- Júlia. – arrisquei. – Você parece ser uma pessoa legal.


Falei e me arrependi amargamente. Ela me olhou como quem vê uma luz celestial. Sorriu um sorriso de dentes tortos e passou o lenço no nariz fazendo um barulho constrangedor. Gelei.


- Você acha mesmo? – ela perguntou com os olhos já imersos em água.


Meu coração partiu nessa hora. A coitadinha nunca devia ter ouvido um elogio de qualquer menino que fosse. Sabe que, naquela hora, ela até me pareceu bonita? Mas eu não conseguia ratificar meu elogio. Alguma coisa embargava minha fala. Nesse ínterim, ela foi chegando perto, jogando um charme falso que ela julgava ter. E aquele cheiro horrível de sardinha me dando ânsia de vômito. Minha sorte foi ela ter espirrado. Virou pro outro canto, com o lenço entrouxado nas narinas. Aproveitei o momento para fugir pra sempre.


Daquele dia em diante, limitei-me apenas a cumprimentá-la com um leve aceno de mão. Mulher sempre confunde as coisas. Impressionante!

16 comentários:

leila saads disse...

Coitada da Júlia. Mundo cruel esse onde os feios não tem vez...

Gostei muito do texto, Filipe. Você usou as palavras de maneira direta e simples - do jeito que eu gosto!

Beijos!

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Que historinha interessante. A maneira como tu falou me remeteu a pensar na minha época dos doze. Engraçado como posso constatar que não foi diferente esse modo, tão peculiar seu, de visão.

Eu sinceramente achei uma dó da Júlia, mas ela também não se esforçava pra ficar ao menos mais bonitinha, perfumada e higiênica né?.
Acho que melhoraria rsrs.

Gostei desse teu retrato. Você escreve muito bem Filipe. Admiro esse tua facilidade em tornar uma história atraente.

E outra coisa, fico imensamente feliz que tenha reaberto o blog. Quando venho aqui aprendo muito. Sem dúvida nenhuma. Precisamos de ler tuas palavras. Que bom mesmo, meu amigo.

Se cuida viu e não suma mais, para o bem da gente rsrs.
Um grande abraço.

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Glau Ribeiro disse...

Filipe,

De cara nova! Ai que delícia! Vim aqui um tanto de vezes e nada. Téé falei com Jaya que num conseguia te achar mais. Que bom que voltou!!!!! =)

E fiquei com tanta pena da Júlia. Esse mundo nosso não é muito colorido pras pessoas que se sentem excluídas, ou melhor, que realmente sofrem a exclusão das outras. Tadinha dela! Fiquei com dó!

E seu texto virou cena na minha cabeça enquanto lia, Filipe. Num tem jeito. Imaginei cada detalhe contado. Excelente, como você sempre faz. =)

Beijo grandeee!!!

Luifel disse...

Vei,


quando eu vim visitar o seu blog e vc tinha fechado eu fiquei meio puto contigo de não ter avisado e tals

Mas enfim, vc naum fechou o blog...

Comentando sobre o seu texto: Me fez lembrar de um passado recente, minha adolescência e as "Julias" que passaram pela minha vida, uma até tentou me beijar... mto engraçado, pude rir muito dessa situação bizarra do passado!

Abção rapá e vê se não some mais!

Entre sussurros disse...

Ahh, não posso julgar sem deixar a subjetividade interferir... Com exceção dos óculos fundo de garrafa e o aparelho móvel, eu era a própria Júlia. É horrível se sentir assim. Nesse mundo não há lugar para os feios e desajeitados. Ser inteligente só começa a ter graça da faculdade em diante e depende do curso escolhido...Educação física? Fisioterapia? Só gatas estilo Gisele Bundchen e Carol Castro.

A minha sorte é estar na Literatura. Com um livro nas mãos até pareço menos Júlia. Mas não dá pra fugir da Nathália que eu sou...

Anyway, apesar da minha profunda identificação com a pobre, seu texto está muito bom... e a nova cara do blog está muito viva!

Beijos.

Nathália von Arcosy disse...

só pra dizer que a Nathália de cima sou eu aqui...

l u a * disse...

ah, que maldade.!
mulher, sempre vê o que o homem não quer enxergar... rs...




(tá, eu sempre fui Júlia.)

mas, gostei da casa novo, ser terceiras intenções. ;)

Identidades Fragmentadas disse...

Simplista, mas usa palavras em momentos certos, quando menos se espera há uma pequenas, embora intrigante forma de tratar, de descrever esse ser humano que recebe o nome de Júlia. Parabéns
IF

A Maya disse...

Seu texto também me lembrou a minha infância!
Eu era do "grupo do meio". Não tanto como a Júlia mas também não entre as mais populares...
Mas certamente seria amiga de garotos como você.

Gostei muito do texto, me fez ver a cena perfeitamente (amo quando isso acontece) e até sentir o cheiro do sanduíche... Repleto de concretude e com uma linguagem extremamente clara.
E por trás das Julias as vezes se escondem mulheres lindas...

Também gostei da cara nova!

Um grande beijo!

TIAGO JULIO MARTINS disse...

Droga: meu lado feminino é maior do que eu pensava. haha.

Bom, Filipe.

Flá. disse...

uahauhau eita fasezinha cruel essa dos 12 anos...bom mesmo é chegar na nossa idade e repensar tudo o que passamos, nos arrependendo de não sermos mais maduros e nos alegrando pelo mesmo motivo. ^^

bjo!!

Flávia disse...

eu já fui Júlia... e depois da fase Júlia, deixei de ser pulga e fiquei popular. O mais interessante de passear pelos 2 extremos foi entender que muitos daqueles que me esnobavam (e que passaram a me paparicar depois que fiquei mais ajeitadinha) eram, por dentro, exatamente aquilo que eu havia deixado de ser por fora.

Adorei o texto.

Beijos!

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
*Renata Gianotto disse...

Adorei Filipe!

Tb tive essa fase de transição. Mas, pra mim os garotos da minha idade pareciam bobos. Eu preferia os mais velhos sabe... aqueles que nem sabiam que eu existia! haha!

E a fase da transformação foi a pior: cheia de espinha, depois do estirão da puberdade eu parecia uma cobra que engoliu uma melancia. Sem peito, sem perna, sem bunda e barriguda. haha! Vejo as fotos e vira uma comédia!

Mas, faz parte. O bom é que a gente sempre evolui, hehe :)

Vanessa Anacleto disse...

Menino cruel. :-) Mulher confunde mesmo as coisas e os homens só fazem mais confusão.
abraço