Lembro que fazia frio naquele verão. Não porque a temperatura externa era amena, mas porque você, nos meus braços, me trazia a febre do sentir. Eu emudecia para as coisas que você falava. Até porque você sempre gostou muito de monólogos, apesar de brigar comigo constantemente sobre minha ausência de palavras. E eu repetia: sou mudo, mas sou todo.
Naquele verão, a gente não falava de amor. A gente, digo, você. Porque meus comentários eram todos internos e se canalizavam no abraço mais apertado que eu insistia em lhe dar. Você falava de despedida e saudade, como se algum dia fossemos conseguir viver um sem o outro, o outro sem o um. Eu desconhecia outro alguém que personalizasse o amor de forma tão serena, tão branda, tão meu.
Daí você cantarolou Chico: “Quando você me deixou, meu bem; me disse pra ser feliz e passar bem”. Foi quando senti a dor de uma despedida, a previsão de que ir é uma variável com a qual se tem de contar. Confesso que chorei nos seus cabelos, de forma que você não notasse. Odiava quando você me pegava nesses momentos sensíveis que me entregavam de bandeja à sua poesia. Você conhecia minha fraqueza, sabia do poder das minhas sete tranças.
Ainda sem olhar pra mim, imersa em meus braços moles, você disse que perto de tudo aquilo que não tínhamos vivido, o amor era algo pequeno. Seguíamos apenas rastros, apanhando as migalhas que iam caindo pelo chão. O amor mesmo, em seu ápice, só seria percebido quando da partida, do último abraço, do último “eu amo você desde a vida inteira”. Eu quis te amordaçar e te proibir de falar coisas tão bobas, tão lindas. Quis esquecer que um dia eu iria dar razão às suas palavras. Chorei de novo, em silêncio.
E sem saber que seu lirismo me criava verrugas internas, porque era como se eu saísse a contar estrelas, você suspirou. Contou-me que éramos um amor pequeno. Um amorzinho. Mas que, ainda pequeno, fazia erupção de um vulcão adulto. Concluiu que o amor nunca teria a petulância de ser grande, porque sempre assumiria poder ser maior do que já é.
Sua filosofia me provocava contorcionismo cardíaco. É que nunca tive o amor por suficiente. Nunca foi pronto e acabado. Amorzinho. Que cresceria em medidas desproporcionais e absurdas. E senti, enquanto você tagarelava nos meus braços, fagulhas de amor pequeno. Quer saber? Eu poderia me despedir naquele dia. É que, desde então, ele - o amor - parece ter assumido todo seu tamanho e dimensão. Você inteira, vazando dentro de mim.
8 comentários:
É, o amor é assim, cheio de pequenas coisas.
Há quem diga que o amor é um todo, não nego, apoio. Mas nem sempre esse todo é tudo. É preciso ser muito mais parar ser tudo.
Quando finalmente fizermos desse todo, tudo, teremos aprendido a viver.
Abraço
Amor...não sei explicar, não enxergo, mas sinto, em suas palavras leio.
Amor...não sei explicar, não enxergo, mas sinto, em suas palavras leio.
Com carinho, GG
Me tiraste as palavras.
Beijos
Um amor cheio de detalhes, poesia, lirismo. Seu texto é lindo, como sempre.
Parabéns.
Um lindo texto que pega delicado nas coisinhas de amor, nas coisinhas de amar.
Bélíssimo. Beijo.
Que coisa mais linda! Que linda a forma como você descreve o amor. Que lnda a poesia. Lindo, apenas isso.
um beijo
"Só nós dois, meu amor, não cabemos em mim ou em você. Como toda gente tem que não ter cabimento para crescer."
Veio à minha memória, Filipe.
Uns versos de Arnaldo Antunes.
Gostei do chamado "amorzinho". Não há mesmo dimensão pro amor. :)
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