terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quando você se foi


Quando você se foi, era noite fria de um junho comum. Era frio em mim que, em prenúncio duvidoso, fui me despedindo de forma razoável, sem me deixar doer. Eu quis abanar a mão e escoar em você um abraço interminável, daqueles que a gente se fecha um no outro, sem pedir permissão.


Quando você se foi, eu parei estático na soleira da porta, assistindo seu cabelo ser levado pelo vento a cada trejeito. Você, de costas, não viu minhas lágrimas traiçoeiras, meu nó na garganta, meus lábios que se abriam pra cantar uma canção. Aquela que nunca gostamos de ouvir.


Depois, refiz em mim cenas que me martirizaram. Recolhi-me em lembranças que te trouxeram de volta, pra perto, pra dentro, e me entornei de saudades doídas. Quis de novo nossas conversas na madrugada, quando a lua virava qualquer coisa muito clichê e a gente brincava de colocar apelidos nas pessoas que iam passando pela rua. Quando batia o vento frio, você se encolhia pequenina, em meu ombro, e me abraçava de um jeito que eu ficava desconsertado, sem saber se era hora de te beijar.


Nos nossos momentos de angústia, você me trazia um travesseiro e um chocolate quente em uma xícara grande que mal cabia na minha mão. Então, me contava histórias engraçadas do seu tempo de infância e a gente ria, como se a tristeza pudesse ser escondida. Nos seus lábios, as palavras pareciam guia de estrelas, chamariz de sossego, água mansa. E seu jeito de piscar duas vezes antes de cada espirro, seu desajeito com as garrafas térmicas e sua dança estranha que coreografava sorriso torto, em mim.


Quanto você se foi, resolvi que não iria junto, não. Precisei ver você indo pra ter a certeza de que era pra ser assim, desde sempre. Que as pessoas que se gostam não ficam juntas necessariamente. São coisas distintas, apesar de conexas. Deixei você ir, mas quis esperar você virar a esquina, porque minha esperança era que voltasse seu sorriso, dizendo que não ia acabar assim, não. Que seríamos. Que haveríamos. Que iríamos juntos, mas separados.


Vai, e toca sua música pras pessoas que merecem te ouvir. Encontre seu par, seu pôr-do-sol, descanse sua poesia em qualquer canto, em qualquer quanto. Eu escreverei. Não mandarei nada, prometo. Mas escreverei. Porque sempre fomos assim: as palavras nos acompanham em torrente. E eu só me desvencilho delas quando as cuspo no papel.


Ainda que a coragem me falte, meu recado: fiz de você retrato. Colei um pedaço em mim.



16 comentários:

Unknown disse...

Ai, que amor bonito. Não é amor que prende. Liberta.
Lembrei de Engenheiros: "Já vi o fim do mundo algumas vezes, mas na manhã seguinte tava tudo bem."

Gostei especialmente do final: ... fiz de você retrato. Colei um pedaço em mim.
Os finais foram feitos para calar, não é?

Um beijo, Filipe.

Gabriela disse...

Filipe, meu bem.
Me desculpe.
"Julia" sou eu, Gabi-Melissa.

Sofia Alves disse...

A saudade machuca, ainda assim, é bom conservar lembranças gostosas, daquelas que nos fazem rir, pra em seguida chorar de saudade. Assim, sempre vai existir o carinho, ainda que distante.
Maravilhoso o texto!
Um beijo!

Fernanda disse...

Como a saudade dói né,as vezes parece que ela apenas espera um dia nublado pra surgir e machucar,parece que quando conhecemos que amamos o dia é lindo,com um azul intenso,mas quando o fim de um amor chega o dia fica tão cinza,um cinza sem tom...

Vanessa Cristina disse...

A imagem vira a esquina, mas segue reto, por dentro, sem nunca perder-se de vista.

Vira lembrança bonita, no tempo.


Beijo
:*

Flá. disse...

Filipe! :)
Depois não quer que seus textos sejam invejados, né? haha Muito bonito!

E bom te ver novamente. Da próxima vez coma com a gente, sem culpa, pra aumentar as taxas de colesterol..^^

Um abraço!

Madame Morte disse...

Não é sempre tã ofácil quanto parece.As pessoas vão e não necessáriamente você precisa ou tem que ir, mas sempre levam algo de você...sempre algo que nunca pode ser devolvido...porque é dado...ou roubado até.De qualquer forma, cada vez menos.

Willian Lins disse...

É sempre assim...
As pessoas vêm e vão, e sempre(eu disse sempre) deixam pedaços de si em nós.

Muito bonito teu texto, volto mais vezes pra ler.

Abraço!

Anna Vitória disse...

Muito bonito, muito bonito. Sobretudo o jeito de descrever as pequenas coisas, os detalhes, as piscadas antes do espirro. Essas coisas fizeram do texto algo doce, mesmo se tratando de algo que é amargo, como a saudade.
Beijos

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria disse...

Filipe, conhecemo-nos a pouco, mas posso pedir pra acreditar em mim? Olhos marejados diante deste relato, desde ‘quando você se foi’. Ah, se vc pudesse sentir o qnt isso falou ao meu coração... se soubesse que tuas mãos escreveram pelas minhas...

O prazer foi todo meu. Minha admiração. Meu beijo.

Unknown disse...

Quanto sentimento.
Muito bom!
Odeio partidas, odeio fins mesmo sabendo que algumas vezes é preciso.
adorei seu texto, de verdade! =*

Carla P.S. disse...

Vim dividir essa dor, que é tua, num café. Mas é tão bonito quando deixamos o outro virar a esquina para, depois, vermos a lua, e sentirmos um pouco de dor, nós também.

Fernanda disse...

Não aguentei ler tudo, parei no segundo paragrafo. Cansei de despedidas, meu sentir não aguenta mais não.


Café, sofá e Bolo de Fubá no fim do ano, heim?

Muitos beijos!

Lucas Vallim disse...

Sem palavras! Sem palavras MESMO! Muito lindo essas palavras.

Gabi Pasquale disse...

Oi Filipe,
Agradeço por ter entrado no meu blog e ter lido aquele texto que me inspirei no seu.
Bom, esse texto define exatamente como me senti quando um grande amigo foi embora, é a segunda vez que leio, mas confesso que na primeira chorei demais. Chorei de saudade, de saudade de um tempo que foi e que não volta mais.