sábado, 3 de agosto de 2013

Terapia


Foi a conta de eu pagar meu lanche na Colombo e eu logo a vi passando pela rua, despropositadamente. Eu a persegui com os olhos, depois com os ombros, depois com o corpo inteiro. Segui seus passos numa discrição de um elefante. Eu estava afoito, nervoso, suando pelas têmporas. Naquela ambição, acabei esquecendo o troco e a ligação que eu precisava fazer para o médico. Era só ela que eu queria. Tocá-la por detrás para que ela, surpresa, girasse em minha direção com um sorriso que fosse se abrindo à medida que ela detectasse em mim traços de um romance quase-pronto. Eu não sei o que é isso, não, Aurélio. Eu tenho dessas coisas: fissura, urgência, supetão. Minha pretensão era chamá-la para tomar um sorvete de duzentos sabores, impor-lhe um beijo muito gelado que travasse a língua no céu da boca, apertando o meu peito contra os dela pra depois deixar cair algumas sacanagens em seus ouvidos. Ela dobrou a esquina e a minha coragem dobrou junto. Apressei os passos, limpei o suor da testa, tentei recitar rapidamente um poeminha que eu havia escrito para momentos como aquele. Era preciso abordá-la com um poema. Naquele instante, naquele exato instante, eu notei uma folha de árvore cair sobre a cabeça dela. Folha miúda, seca, inexpressiva. Fiquei aguardando para ver como ela haveria de tirar o negocinho dos cabelos. Não tirou. Sequer notou que algo havia caído sobre ela. Continuou sua marcha, com um enfeite pouco amistoso agarrado nos lindos cachos. Minhas pernas, então, travaram. Uma pena, pensei. Uma pena ser tão linda, mas tão distraída. Dei meia volta e passei na Colombo pra buscar meu troco. Em tempos de crise não é bom perder nenhum tostão, né não, Aurélio? 

3 comentários:

sblogonoff café disse...

E a culpa foi da folha...
Tsc tsc tsc...

Anônimo disse...

Amei!!!

Anônimo disse...

você como sempre me encanta com seu jeito de colocar as palavras...Cada dia que passa te admiro mais e mais...