sábado, 12 de fevereiro de 2011

Entre nós


- Pai, o monstro do armário existe?

- Não existem monstros, filho. Só aqueles que a gente mesmo cria.

- O Daniel falou que viu um embaixo da cama dele, na noite passada. Mas ele é um pouco mentiroso. Ele sempre diz que na casa dele tem um disco voador. Isso é mentira, não é?

- Creio que sim. As pessoas têm a mente muito fértil. Basta ver quantas coisas são criadas.

- O que é uma mente muito fértil?

- É uma mente criativa.

- Ah. E por que não inventaram ainda um remédio contra a morte?

- Porque ninguém tem controle sobre a morte, só Deus.

- E se Deus ensinasse aos homens?

- Aí os homens se julgariam deuses.

- Eu pensei que eles já se julgavam. Outro dia eu escutei o pai do Alfredo dizer que Deus não existe.

- Muita gente não consegue enxergar os sinais de Deus.

- A professora explicou que cada coisa na natureza tem o seu papel, como se fôssemos todos obra de um inteligentíssimo arquiteto.

- Sua professora tem razão. A inteligência da criação de Deus é de deixar qualquer um de queixo caído.

- Deus tem a mente muito fértil, não é?

- Tem sim.

- Pai?

- Oi.

- Sabe por que eu gosto de ficar doente?

- Não sei. Você gosta?

- Gosto, porque é quando você vem no meu quarto e faz a febre passar.

- Será que ela foi mesmo embora? Vamos ver.

- Foi sim. Já estou bem melhor.

- A temperatura abaixou.

- Se eu fosse médico, receitaria uma conversa de pai pra poder passar a febre. Parece que funciona.

- Funciona quando os laços são muito estreitos e fazem nó. Não há qualquer distância entre um nó. Entre nós.

- Uma coisa estreita é uma coisa apertada?

- Sim.

- É que eu queria um abraço estreito, agora.

- Pois tome um abraço estreito e um beijo largo.

- Pai?

- Hum?

- Antes de você sair, não se esqueça de fechar o armário. É que aquelas roupas, às vezes, parecem um monstro.

7 comentários:

Jhonatan Thiago disse...

Filipe, sem palavras.
Estava com saudades já, sumiu.
Eu amo seus textos, parabéns

Maria disse...

"- Se eu fosse médico, receitaria uma conversa de pai pra poder passar a febre. Parece que funciona.

- Funciona quando os laços são muito estreitos e fazem nó. Não há qualquer distância entre um nó. Entre nós."

Foi uma das coisas mais lindas dos últimos dias. Queria um pai entre nós assim. Lindo, como sempre, Filipe. Admiro-te muito.

um beijo

Washington Vieira disse...

- Antes de você sair, não se esqueça de fechar o armário. É que aquelas roupas, às vezes, parecem um monstro.
kkkkkkkkk

Gostei muito...
Abraço.

Ricardo Nazar disse...

Fala Filipão,

Primeiro meus parabéns atrasado. Meu querido, esse texto está smell delicious... rss..

Abração

Amanda Oliveira disse...

Eu gosto da tua escrita, eu gostei gostei.

brenda matos disse...

Ê, que eu amei essa conversa entre pai e filho, Filipe.
Você é incrivelmente habilidoso com as palavras, sabia? Gosto muito de te ler.

Ps.: Nunca durmo com o guarda-roupa aberto, rs.

Beijo.

Ju Fuzetto disse...

Ainda tenho medo do mostro do guarda- roupa. Ás vezes ele parece querer sair...


Um beijo.