sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Era peixe no cardápio


Ela sabia do meu jeito tímido e das minhas histórias de amor mal-sucedidas. No dia dos namorados, éramos dois solteiros largados em uma festa que não nos cabia. Conversamos, então. Falamos de futuro, casamento, filhos. Falamos que, quando estivéssemos casados – não eu e ela, mas cada um com seu respectivo cônjuge – iríamos nos encontrar em Veneza para um passeio em gôndolas. Me perguntei por que um de nós não sugeriu que fossemos casados, um com o outro. Timidez, acredito. Ela também tinha suas reservas e tinha um jeito bonito de esconder o sentimento atrás dos cabelos.


Eu me apaixonei, verdade. Não foi nada muito intenso, como já me ocorreu algumas vezes. Era uma paixão contida, uma admiração secreta, um desejo incômodo de carregá-las nos braços e suspendê-la no ar por três ou quatro segundos. Tenho pra mim que ela percebeu meus olhos em algum momento. Eu a tinha, dentro deles.

Certo dia, era peixe no cardápio do restaurante. Não comíamos peixe, pra minha sorte. Saímos juntos, então, em busca de outros cardápios, outros restaurantes. Sentamos em uma mesa de dois lugares. Eu de frente pra ela, engolindo aquele sorriso imenso que pendia dos seus lábios, como uma estrela gigante. Então ela me falou dos seus amores, das suas desilusões. No meu íntimo, eu queria muito propô-la um romance sério com requintes de realidade. Puxei-a com meu olhar-zoom e ela se pôs inteira diante de mim, sufocada pelas minhas palavras mudas que saíam todas de uma vez só, pela pestana.

Ela me convidou para subir ao apartamento a fim de terminarmos a conversa. Confesso que me assustei. Nunca havia sido convidado por uma mulher para continuar uma conversa, no sofá. Mas não havia sofá. Sua sala era um colchão jogado ao assoalho. Foi onde sentamos e ela deu continuidade às suas histórias que mais pareciam romance de banca de jornal. Duvido que ela não tivesse algum plano subtendido por trás daquele convite inusitado. Duvido que, se eu tivesse lhe estendido a mão, ela não segurasse com força e me dissesse alguma coisa agradável que eu sempre quisera ouvir. Aliás, suas mãos pareciam macias e, segurá-las, certamente me traria um conforto eterno e um perfume que impregnaria todos os meus cafés da manhã.

Alguém bateu à porta, interrompendo nossa conversa. Ela foi abrir e abraçou uma amiga que me olhou com olhos de perguntas e sugestões de respostas nada agradáveis. Terminamos ali. Me despedi e prometi, em sussurro, que lhe escreveria uma carta. Carta essa que nunca tive a coragem de rabiscar, embora conhecesse todas as palavras que caberiam nela.

Depois disso, ela se mudou de cidade. Encontrei-a algum tempo depois, numa noite de chuva. Ela entrou molhada na lanchonete de onde eu saía e me abraçou surpresa, com toda a saudade que poderia existir. Seu sorriso não mentia: ela estava feliz em me ver. Trocamos algumas palavras de afeto e ela me apresentou o namorado. Nos despedimos com a certeza de que não haveria novo encontro, não como aquele em sua sala, no colchão, com todos aqueles sinais implícitos que nos rodeavam.

Abri meu guarda-chuva e lancei um sorriso. Ela sorriu de volta.


10 comentários:

Gabi Pasquale disse...

Veneza me lembra um texto que recebi uma vez de uma pessoa especial. Pessoa especial essa que descobri, aliás, acho que amo - muito. Pena que não é correspondido.
Enfim, seu texto é lindo. Está de parabéns como sempre.

amanda lima disse...

Esse finalzinho me remeteu a outro texto teu - aliás, que adoro - chamado 'Do meu encontro com Dulce'. Como sempre, estilo encantador.

Pois um beijo.

Luciana Brito disse...

Quase choro, admito que me contive. Essa coisa de amores subentendidos, reencontros que não acontecem e toda essa coisa de não ser correspondido é algo que me deixa sentimental demais.

Talvez seja a época.

Bonito, como sempre.
Beijão, Lipe!

Alexandre Lucio Fernandes disse...

No fim, sempre uma doce e fugaz sensação de que devia ter mais, porém ficou pouco estabelecido, muito sugestionado.

Um estilo que só pode ser o seu.
Estilo que não se perde. Nos instiga com os títulos pouco casuais e com fins mais supreendentes ainda.

Porém não menos belos. Por isso sua escrita é tão gostosa de ler.


Abraço Filipe.

Menina_Mulher disse...

Falar de encontros, reencontros e desencontros nem sempre é tarefa fácil.
Porém, vc o faz com a delicadeza e a maestria que só os poetas possuem.

Beijos!

entre-caminhos disse...

Como sempre suas palavras me surpreendem. Assim como suas estórias tão simples, mas tão pronfundas. Como a rotina de todo mundo.

Amanda Oliveira disse...

Você sabe ser delicado como uma rosa, e como a própria, com espinhos profundos... :D ameei!

Luifel disse...

Reencontros e lembranças...o seu texto me fez rememorar tantas pessoas e acontecimentos, e sempre aquela sensação de que podia ter sido e não foi, infelizmente nunca sabemos bem porque...

Abç!

Gaby Lirie disse...

Laços que poderiam ser criados e não foram por nossa escolha, isso dá um aperto no coração de ler, de sentir, mas no fundo um sorriso sempre se abre ao longo do caminho, e mesmo não sendo foi e é.
Lindo mesmo.

Grande beijo.

Ana EmíliaYamashita disse...

E assim segue a vida...