- É porque você acorda todo dia às sete da manhã e me arranca os lençóis sem aquela suavidade que se precisa para não levar um susto, me bota doida pra arrumar seu café, repetindo mil quatrocentos e cinquenta e quatro vezes que está atrasado e que a água do chuveiro anda gelada demais, que eu preciso ir ao salão fazer as unhas, mas você esquece que eu trabalho para uma empresa capitalista que suga todos os meus horários possíveis e me paga a hora extra que garante nossa viagem de fim de ano. Lá do corredor, você vem falando em voz alta que nosso jantar do sábado será cancelado porque você marcou a peteca com os colegas de trabalho e eu deixo seu pão queimar na torradeira porque odeio quando você desmarca as coisas em cima da hora, mas você não me deixa falar das minhas bravezas e já vai contando dos sonhos esquisitos que teve durante a noite, emendando a pergunta frequente: se o ronco tem diminuído. Respondo que não, que você nunca parou de roncar e que, para piorar, você vem adquirindo uma nova mania noturna: empurrar os pés gelados pra cima de mim, me fazendo acordar com o coração aos pulos acreditando piamente estar sendo arrastada por uma avalanche e, depois, caindo dentro de um cubo gigante de gelo. Você come seu pão em silêncio e diz que o almoço vai ser corrido, as crianças precisam estar prontas para que não haja atraso algum, frisa novamente que minhas unhas estão feias e que meu cabelo até que anda legal. Odeio seu sarcasmo matinal e sua insistência em querer me ver linda e bronzeada em cinco minutos, esquecendo dos meus caprichos e da minha demora na maquiagem. Eu o chamo de insensível e você derrama a xícara de café, sempre derrama. Algumas gotas caem na sua camisa branca e você vai trocá-la, esbravejando. Então você segue pelos corredores com pés pesados de quem dança um samba doido e aparece de novo ajeitando a gravata que não combina em nada com a nova camisa. Eu lhe digo e você me pede pra escolher uma melhor. Eu escolho e você xinga, dizendo que eu só gosto daquela, o que é mentira porque todas as suas camisas foi eu que comprei, mas você gosta de me provocar dizendo que algumas foram sua mãe e eu repito: ela não teria tanto bom gosto. Você se troca com cara de quem quer ir trabalhar é com a camisa manchada de café mesmo, que se dane a estética e eu o atraso, sussurrando que você fica ainda mais bonito com a listrada de marrom. Sorrimos juntos e eu o acompanho até a garagem onde nos despedimos num beijo apressado e numa troca de carinhos suados que se misturam com a saudade que já vai apontando no peito. Eu aceno, como todas as vezes, e espero o portão se fechar entre nós dois. Retorno pra cozinha e ponho sua camisa suja na máquina, lavo as louças do café, ligo pro restaurante cancelando a reserva do final de semana, marco horário no salão pra fazer as unhas e penteio os cabelos. Acordo as crianças e peço pra elas ficarem prontas ao meio-dia, me arrumo e saio pro trabalho. Por dentro, estou agitada. Ninguém como você pra me deixar assim. Pronto, acabei. Vai dizer alguma coisa?
- Casa comigo de novo?
25 comentários:
Que texto fantástico! Adorei mesmo! É a primeira vez que venho aqui, e de cara me deparo com uma narrativa daquelas que sequer nos permite respirar! Parabéns!
Voltarei outras vezes!
Aahh que lindo...
pra algumas pessoas é pouco, mas outras (como eu), apenas sonham com um futuro de uma vida normal e pacata, desde que tendo uma família e sendo feliz.
beeeijo!
Filipe,
Que lindo!!! Desnorteadoramente lindooo!!
Obrigada por esse texto, amigo!
Hoje desejo-te muitas palavras bonitas para que seu mundo de palavras seja repleto de palavras doces e tocantes...
Bjoss no coração :**
Ah, lá no meu cantinho tem um post para os meus amigos, tipo vc... ;D
http://inverossimilhancadoreal.blogspot.com
Ah, o layout novo tá lindo demais...
Amei mesmooooo!!!
Mais bjoss :** (risos)
Muito bom, Filipe! :D
'Um par' hem seu lipe? pareceu até música sussurrada ao ouvido...
Nossa, a narração é consideravelmente corrida, e a ideia que o texto passa de rotina, da pressa da família se acentua muito bem dessa forma. Genial.
que lindoo!!!!*___*
meu lado mais romântico aflorou todo,lendo seu texto!!
- vejo que nossos valores são bem parecidos,né?
;)
Eu queria um dia te ler e não me derreter....
Ou não...
talvez eu goste...
;*
nunca casei.
mas acho tão necessário não deixar nada morrer....
beijo, filipe.
Delicioso, tal qual um expresso.
Parabéns, adoro o talento em letras. Obrigada pela visita, e, por favor, volte mesmo. ;)
Um expresso duplo, então.
Lembrei do case-se comigo... Letra imperativa de uma música que a Vanessa da Matta canta.
Teu ritmo está bem acelerado, dinâmico. Adorei.
Casar outra vez.
Um duo de cordas.
Beijos, querido.
Fica bem.
Quem não casa?
Tem que casar...
tem que casar.
Que delícia de texto !
Beijo carinhoso,
Solange
http://eucaliptosnajanela.blogspot.com
CASO!
AISJAS
Beijinhos! ;*
Impossível não se derreter, né?
beijos!
ohhhhh... esse casamento tá precisando ser renovado msm.. rsrs
adorei!
Caso, caso, caso!
Toda briga tem um fundo de amor, não é?
beijos
Olha que se pedir de novo eu caso, hein!
A gente nem comenta, né seu moço, só suspira.
beijas
Só consegui escutar a música do Chico tocando ao fundo, sentindo o "beijo matinal"... Além da velocidade do texto e fluidez gostei muito de se colocar no personagem feminino... Sensações tão reais... Lindo texto...
É, você já tem um monte de noivas. Quero alguns conselhos, viu? Rs.
Sobre o texto, achei a organização bem interessante. Pormenores irrelevantes e, por vezes, desagradáveis, tão bem costurados junto a outros componentes da rotina, formam uma narrativa avassaladora, que parece convergir rapidamente para um único ponto.
Mas, como o amor, é bem isso mesmo. Em detrimento do tamanho da reclamação, a resposta é sempre a mesma.
Queria perguntar algo sobre o título do seu blog. Mas isso, vai por msn mesmo. É que depois eu vou comentar a resposta, e então vai virar um diálogo, e pelo blog dá muito trabalho. Rs.
Ah, ótimo texto!
E é só isso.
:)
fantástico!
Em tal sentimento, casaria qnts vezes fosse possível...
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