quinta-feira, 2 de julho de 2009

Encontro no meio-fio


*Com a Clara.


-Sabe quando você senta sozinha, só pra acender um cigarro, um incenso de jasmim e tomar um bom café? Eu tenho essas manias de parar e me rever por dentro, junto com jasmim, café e cigarro. No meio disso tudo, encontro uma coisa estranha, sem nome, aqui por dentro. Talvez seja um sorriso se formando - sim, por que veja bem, um sorriso não nasce assim do nada, ele se forma durante horas, dias, sai o que transborda, o que já está maduro- talvez seja um sorriso querendo ir embora, não sei.


- Eu tenho disso, às vezes. Um dia, durante a noite, quis chorar. Mas não havia por quê. Pensei numa cena triste de filme. Pensei na África. Chorei uma lágrima doída, forçada. E foi num olho só. Choro é tal qual um sorriso. Só mudam os sintomas, só muda a maneira de fixar os olhos. Mais café?


-Mais café. Sintomas, essa palavra é gostosa de falar, não sei bem o motivo. Enquanto tu falavas, pude te olhar bem nos olhos e perceber a tua poesia. Já reparou que as pessoas são versos? Livres ou não, mas versos. Me encanta isso, me faz cultivar sorrisos, colher choros, fixar os olhos. Acreditas nisso?


- Sim. As pessoas nada mais são que palavras encarnadas. E buscam motivos para usá-las. Quem não as domina, vira escravo literário. Já viu aquela gente que anda com um bloquinho na bolsa? Que lê bula de remédio? Que se exaspera diante de um teclado de computador? Quando se está cheio delas, impossível é retê-las. Há estouro. Viram poesia.


-Engraçado, eu ando com um bloquinho na bolsa, leio bula de remédio e me exaspero diante de um teclado de computador, voas por aqui quando estou imersa em mim? Me sinto cheia de letras, estou-rando. Mas tem vezes que elas travam, ficam guardadinhas aqui dentro, parece que uma se segura na outra com medo de encarar o mundo lá fora, de voar alto demais. Aprendi, durante esse tempo, a cultivar pessoas-versos e palavras. Estão por lá, no jardim, és uma delas. Ah, preciso de outro cigarro, você se incomoda?


- Não gosto quando você fuma. Mas acho bonita a forma como você fala de mim, de jardins, de palavras. Agora entendo porque você falou de um sorriso contido. São palavras escondidas que vão fazendo cócegas, não é? E daí você lembra de um amor, de um afago, de um gesto singelo. Os lábios vão se abrindo. Lembrança de uma felicidade atual que ainda faz morada. Larga o cigarro. More em mim, agora.


-Você e essa sua coisa de achar solução, achar sossego, é lindo. Deixa só esse cigarro acabar, me deixa aproveitá-lo até a última cinza, o último trago. Daí eu moro em você, me jogo em você. Não me olha assim, já largo, já vou. Fica com esse sorriso, meio aberto, meio fechado, essas palavras se contorcendo dentro de ti para chegar até as minhas e rodopiar, esse brilho que sai dos teus olhos e se agarra ao meu. Pronto, o cigarro já foi, estou pronta para me adentrar, de alma, em você.


8 comentários:

Anônimo disse...

Sorrisos e Palavras q não cabem aquii...
Lindo Texto meu lindo.

Bjus!

Unknown disse...

lindooo...
E a lágrima(em um olho só) veio parar em mim...

Clareana Arôxa disse...

Nossa, que surpresa boa.
Para nós, toda a poesia desse mundo e alma para continuar se jogando.

Foi (e é) muito bom escrever contigo!

Vanessa Cristina disse...

Que conversa linda...
Tão linda que chega a não existir.

Que bom que existe.

Beeijo
:*

Graziela C. Drago K. Zeligara disse...

"São palavras escondidas que vão fazendo cócegas, não é?"
Que lindo!
Lindíssimo!

disse...

Filipe, sem palavras.. :D

Apenas emoção...

Ah, qto ao selinho era para eu te avisar, mas, tive q sair e deixei para depois...pois é, vc é merecedor de muitos elogios, não apenas selinhos, mas, não podendo ter mais, aí estão eles (mesmo tendo no meio o das amigas blogueiras..hehee).. :DD

Tenho o maior prazer em ler-te!!!

Bjoss no coração! :**

Fernanda disse...

que papo bom,me lembrou aqueles papos de madrugada,que dá vontade até de ter insônia...
p e r f e i t o ,

gabi disse...

"More em mim, agora."

Eu acho incrível quando, às vezes, encontro o mundo inteiro em três ou quatro palavras.