domingo, 12 de julho de 2009

Ai, minha coluna


Precisava entregar a coluna pro editor no dia seguinte. A inspiração, porém, não chegava. Buscou nos jornais, nas revistas, na poesia, na música, nas cartas de amor das ex-namoradas. Nada. Não aparecia a palavra ideal, o tema ajustado, o tom adequado. Começava a digitar algumas palavras no computador, mas, na mesma hora, era compelido a apagar tudo. Uma porcaria. O que faria? Diria ao editor que naquela semana não haveria a coluna? Não poderia, o risco de ser demitido era grande. Poderia aproveitar uma crônica velha, talvez.


Debruçou-se na janela do quarto. A vista do seu apartamento dava para a praia movimentada de banhistas. Gente. Muita gente. De todos os tipos. De todas as peles, cabelos, corpos, estilos, modas. Gente em pé. Gente sentada, gente encurvada. Gente sozinha, gente acompanhada. Namorados. Marido e mulher. Crianças. Fotógrafos, manequins, castelos de areia, pranchas de surf, gente pobre, madames, vendedores de tudo: picolé, camarão, relógios, o escambau. O colunista visualizou toda a cena como se fosse um grande quadro pintado por algum artista. Nasceu ali sua inspiração. Enfim, pareceu ter brotado o sentimento certo, as palavras certas, o tema certo. Ficou contente e correu pro computador.


Não se lembrara de ter desligado o computador. Droga. As palavras já lhe escapuliam pelos dedos, precisava digitar algo. E tinha que ser logo. O computador se mantinha inerte. Deve ter pifado alguma coisa. O monitor só ficava ligado. Vai ver queimou. Pegou um caderno e uma caneta. Iria à mão mesmo. Tanto faz. Só não poderia deixar a idéia escapar. Concentrou-se. Que barulho era aquele? Vinha do apartamento de cima. Um rock insuportável. Doíam-lhe os ouvidos, a cabeça. Não dava daquele jeito. Tentou tapar os ouvidos. Mas era impossível tapar e escrever ao mesmo tempo. Pôs algodão. Inútil. Colocou os fones do mp3 com uma música clássica no último volume. O rock persistia ao fundo.


Subiu até o andar de cima e bateu no apartamento do vizinho. Explicou que estava a trabalho, precisava de concentração, aquele barulho estava insuportável. Perguntou se dava pra desligar por uns trinta minutos. O vizinho disse que tudo bem. Ótimo. Voltou pro seu caderno. Caneta na mão. Agradeceu pelo silêncio ter voltado a reinar. Tocou o telefone. Seja quem fosse, não atenderia. Não agora. Precisava escrever. Era urgente e a necessidade gritava mais alto. Um escritor, quando tem algo a dizer, não consegue esperar. Chiado infernal. Insistência era uma coisa que o deixava fora de si. Precisava atender ao chamado. E se fosse a mãe passando mal? Alguém precisando de ajuda?


- Alô!


A pessoa perguntou por Osvaldo. Osvaldo não tinha ali. Engano. Voltou pro caderno. Antes, desligou o celular, o telefone, fechou as portas, janelas. Não estava pra ninguém. Iria escrever, estava resolvido. Começou. Foi colocando as palavras. Caneta ruim, aquela. A tinta falhava. Precisava de outra caneta. Onde? Ah, mataria Elenice que sempre sumia com suas canetas. Lápis, então. Tinha um lápis jogado por ali, outro dia. Pronto. Só precisava apontar. Tudo tão difícil. Onde estava o apontador? Acertaria as contas com Elenice amanhã. Odiava ter que sair procurando as próprias coisas.


Foi até à cozinha. Olhou pra garrafa de café. Despejou o líquido na xícara e sorveu. Havia perdido a idéia original. Não valia a pena escrever mais. Sim, estava rendido. Não tinha como lutar contra tantos infortúnios. Explicaria ao chefe. Diria que as coisas não funcionam bem assim. Não é simplesmente sentar e escrever. Era mais complicado do que ele pensava. Foi ao quarto, trocou sua roupa por um short e uma camiseta. Desceu pra praia e foi se juntar àquela gente que, outrora, lhe servira de inspiração. Foi ser o colunista no meio deles.


8 comentários:

Graziela C. Drago K. Zeligara disse...

Foi ser sua própria inspiração.
E como é ruim quando as ideias, palavras, fogem pelos buraquinhos da cabeça... Ouvidos, bbrehcas dos olhos, buracos dos narizes, boca, poros capilares...
Terrível!

ps: olha o escambaaau! (me veio muito essa imgame; hahaha)

disse...

Putz...há uns quinze dias sinto-me assim...ideias q teimam em fugir..escondem-se longe de mim (deve ser complô) e, qdo aparecem, algo me atrapalha e mais uma vez, espertas q só, aproveitam-se para escapulir...danadinhas, as ideias...

Boa semana, meu lindo!! Repletas de ideias para nos dar o prazer de lê-las...

Bjoss :**

Vanessa Cristina disse...

Eu não serviria pra colunista. Odeio prazos, não funciono assim...

Beeijo
:*

Sofia Alves disse...

Eu tenho vontade de um dia trabalhar como colunista ou algo assim...
Hoje, vejo que seria praticamente impossível.
Tentei escrever algo que prestasse a semana inteira e não consegui.
Estava como você, as palavras insistiam em me fugir.
Até agora espero que voltem...
beijo enorme!

The-Insighters disse...

adorei o nome do seu blog!!

Anônimo disse...

quando a gente precisa elas somem.
palavras, palavras .. ai, minha coluna.

abraços.

Anônimo disse...

que blackout... parece eu..rs

beijos

Marcela disse...

A falta de inspiração é o maior impecílio de um escritor. E o pior é quando a culpa é totalmente dele. Quando nem a raiva consegue ser redigida.