quarta-feira, 20 de maio de 2009

Sorte sua que sou romântico


A você, que me procura.



Seus olhos eram embriagados de uma loucura que eu desconhecia. Havia um magnetismo nas pupilas dilatadas; destiladas. Delatadas. Você nunca conseguiu esconder um segredo de mim. Por mais insignificante que fosse. Era sua raiva. Meu triunfo.


- É o fim. – eu disse me referindo ao nosso romance. Você entendeu.


- O que se há de fazer? Tudo já nasce condenado. – conformismo nunca te alcançou de forma tão contundente.


- Você esperava? – minhas palavras vinham aos lábios como flechas, sem eu perceber ou controlar.


Seu consentimento foi tácito. Percebi enquanto você rodava o copo com o dedo indicador na borda, fazendo o objeto se inclinar de forma perigosa, suicida, quase.


- Disseram que nenhum homem é uma ilha. Eu acho que sempre foi. – foram suas palavras, num discurso péssimo, pessimista.


Então me encarou com saudade, de tempos que ainda não tínhamos vivido.


- Os laços se desfazem facilmente, não percebe? Esquecemos que, para deixar firme, é preciso dar um nó. – sua boca continuou. Você não. Você era distante das próprias palavras.


- O amor, pra ser amor, não precisa de toque. – eu deixei escapar, numa insensibilidade que me assustou.


- Eu sei lá de amor. Quem se dá conta daquilo que transborda do peito? Alguns chamam de amor. E se pra mim for outra coisa? Algo maior?


- Algo maior que o amor? – eu estava confuso, confesso.


O restaurante não estava cheio. Uma moça cantava no palco, enquanto tocava violão. Uma vozinha macia que entrava de um jeito gostoso de ouvir. Você sorriu. Não sei se da minha pergunta, ou da idéia que passou pela sua cabeça. Foi quando você se levantou, seguiu até o palco, cochichou algumas palavras com a moça do violão depois de interrompê-la. Meus olhos cuspiam lágrimas, nem sei por quê.


- “Desculpe estou um pouco atrasada, mas espero que ainda dê tempo...” – sim, era sua voz, vinda do palco, acompanhada do som do violão que você não tocava, e sim a moça.


Daí em diante, foi como se você estivesse cantando ao meu ouvido. Com um pedido de desculpas intrínseco e uma voz amargurada de quem pede um beijo imediato. Eu teria pegado você pelos cabelos, tirado você do palco, brigado por ter me feito passar tamanho vexame.


Mas não o fiz. Meus sentidos eram todo atenção à sua performance. De um jeito inusitado, você me afastou o mau presságio da nossa conversa inicial. Depois do seu show, tão particular quanto nossas conversas de sábado à tarde, sentados descalços em um tapete altamente alérgico da sua sala de estar, você desceu do palco com um emaranhado de estrelas nos cabelos. Aproximou-se de mim.


- Pode me bater, se quiser. Quis ser louca. Sua. Quis te perder em breve instante só pra poder te encontrar de novo.


- Não vou bater. Nem brigar.


- Não?! – sua cara era de desapontamento.


- Não. É que sou romântico. Sorte sua.


Algum bêbado aplaudiu. Nós rimos. A lua, lá fora, atravessava seus olhos, buscando, quiçá, as estrelas dos cabelos. Você estava diferente naquela noite. Eu não soube dizer por quê. Mas havia algo maior. Dentro ou fora, não sei. Um incômodo. Algo que transbordava, insistentemente. Você segurou minhas mãos. E qualquer resposta pareceu pequena, imprópria. Fugaz.


17 comentários:

Anônimo disse...

lindo de se encontrar, de se constatar. algo maior, não?

das loucas afeições que deveriamos receber, é que tenho mais saudade.

abraços.

Luciana Brito disse...

E dessas loucuras que os momentos se renovam... É arriscando!

E eu que jurava que o texto teria um final triste, fui surpreendida (assim como o personagem), pela sua amada subindo no palco e cantando Nando Reis (AAHHH!!)

Mais um texto que gostei muito! ^^
Beijão Lipe!!

Fernanda disse...

me lembrou 'ultimo romance' dos Los hermanos..
texto lindo lindo...
que linda a sorte dela...ele era romantico^^

Madame Morte disse...

Amor é só uma palavra,e as pessoas costumam dar valor demais à duas sílabas.É muito maior,é muito menor.Não está dentro,não está fora,mas está em todo lugar e em lugar nenhum.Não faz sentido.Mas nos move.E nos paralisa.

Lindo o texto.

Jaya Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas Vallim disse...

"Percebi enquanto você rodava o copo com o dedo indicador na borda, fazendo o objeto se inclinar de forma perigosa, suicida, quase." Eu até parei pra imaginar a cena. Descreveu tão nítidamente!

Gostei muito, sorte que é romantico, mesmo!

Laysla Fontes disse...

Nunca é tarde! Toda hora é hora para um recomeço, quando trata-se de amor.

Anônimo disse...

Obrigada pelas palavras no meu blog.
Obrigada por fazer parte das pessoas que me cercam e que tem em si o poder de ser sensivel.
Sorte a nossa que somos romanticos nato de uma rede que liga emoções, o AMOR!

Bjus no Coração!
Bom Find
e Obrigada por arrancar um sorriso do meu Rosto!

Anônimo disse...

Bonito isso.
E a música que ela cantou, também.

Ainda bem que eu também sou romântico.

hahahaha

abç!

gabi disse...

ai que vontade de ter um amor, pra se quer pensar em terminar...

que bonito isso, Filipe.
Depois do 'telefone' (nem lembro se é assim o nome do texto) é dos favoritos. ♥

Vanessa Cristina disse...

Senti uma saudade que eu ainda não descobri do que. Tamanho sentimento exposto tão claro nessas palavras tem me enlouquecido os últimos meses... O senti mais forte agora.

Beeijo
:*

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Hum... texto lindo! Romântico e misterioso! Parabéns!

Bem... sobre a caricatura, acho que o Clayton foi bonzinho comigo.

A respeito dos defeitos, a gente sempre vê mais as falhas que a beleza (da gente!). AHAHAHAHAHÁ! Mas achei divertido! Valeu a pena a brincadeira!

Te espero por lá!

Um abração e obrigado pela simpática presença!

Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, querido.
Um texto 'delator' . Palavras dilatadas tanto quanto as minhas pupilas e essas descritas.

Perfeito o teu texto.
Gostei do jogo das palavras.
Na loucura, na obsessão, nos ciúmes doentios e em tantos outros estados que acometem o homem, parece que tudo fica intenso e dilatado. Os olhos e as palavras delatam, também, o autor.

Carinho e admiração,

Mai

Mandie Lima disse...

O texto ficou incrivelmente belo. O tipo de historinha que nos eleva numa noite de sonhos com chuva na janela. haha

pois um beijo.

disse...

Filipe,

Incrível essa blogofera q nos cerca...vc aí escrevendo e, eu aqui lendo, ou melhor, sentindo...

Por um instante me senti a garota de seu texto e viajei num mundo onírico q tinha um carinha que, sorte q era romântico!

Encontrei-te e, sigo-te a partir de agora, posso???

Seus textos são apaixonantes...

Bjosss,

http://inverossimilhancadoreal.blogspot.com/

I.P.A. disse...

É nessas horas que a gente prefere não comentar nada. Não dá pra acrescentar muito mais.

Graziela C. Drago K. Zeligara disse...

"Quis ser louca. Sua. Quis te perder em breve instante só pra poder te encontrar de novo. "

"Qualquer canção de amor
É uma canção de amor
Não faz brotar amor e amantes
Porém, se essa canção
Nos toca o coração
O amor brota melhor e antes..."