sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Um trago


- Você tem isqueiro?

- Desculpa, eu não fumo.

- Eu também não. Mas eu prefiro encher a boca de fumaça do que de beijos sacanas.

- Você não precisa fazer nem um nem outro. Pode beber comigo.

- Eu aceito, obrigada. Não nasci pro amor.

- Todos nascemos, não venha com essa. Amor é questão de maturidade. A gente vê a pessoa, o olho brilha e depois se convive. Da convivência nasce o amor.

- Você já amou alguém?

- Eu desconfio que sim. Mas não tenho certeza. Não sei medir amor.

- Eu amei um cara que me pegava em casa todos os dias às cinco da tarde. Ele me levava na faculdade e depois me buscava às dez da noite. A gente brigava sempre no carro, mas depois a gente se beijava e ficava tudo bem.

- Amor é isto: é fazer ficar tudo bem.

- Eu não sou uma mulher fácil, sabe? Acho que eu implico demais com as coisas.

- Entendo.

- Minha mãe diz que eu preciso casar com alguém que seja dócil, mas eu acho que esse alguém não existe.

- Você não precisa se casar. Como não precisa fumar ou beijar. É uma questão de escolha.

- A gente escolhe amar, certo? É como se algo lá no fundo apitasse: “essa pessoa é boa de amar; ame; ame muito; faça ela feliz”.

- Não sei dizer. Nunca nada apitou em mim. Eu quase amei uma mulher que me fez enxergar coisas incríveis. Ela não gostava dos meus poemas, mas ela me elogiava o sorriso. Isso me fazia muito bem.

- E por que você não a amou?

- Porque o amor é uma simbiose. Quando se vê, os dois estão amando. Acho que não tínhamos simbiose.

- Simbiose é quando tudo se encaixa?

- Ou quase tudo.

- É sempre bom deixar uma parte de fora. Afogar-se no outro é não ter um salva-vidas.

- Não afogamos. Nem nada. O problema foi esse.

- Ela era bonita?

- Era sim. Uma beleza que mexia comigo de uma forma inusitada. Ela saía pela porta do metrô e meu coração disparava.

- Que bonito. Você gostava dela, isso é suficiente.

- Era bonito e era suficiente.

- Você percebe?

- O que?

- Que estamos falando sobre sentimentos parecidos, dando nomes diferentes?

- Talvez porque sejamos diferentes. O amor não é igual pra todo mundo.

- Talvez seja.

- Você ainda quer fumar?

- Sim.

- Então vamos procurar um cigarro, antes que o amor nos trague.

- Ou antes que eu te trague.

- Ou antes que eu me entregue.


Um comentário:

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Tua maneira de encaixar numa conversa de cotidiano o possível florescimento de um amor é mágico Filipe. Os fins sempre surpreendem, justamente pela amplitude de reflexões que gera em nós.

Este é perfeito nisso. Conversa comum sobre o amor. Ambos acabam se cruzando em meio as falas. Até que a entrega aconteça de fato. Mas só na nossa imaginação.

Abração!