segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Todo fim é carnaval


Aquele dia em que você saiu de casa, eu demorei algumas horas pra entender o que havia em você. Sim, porque nada explicava sua euforia com a minha chegada, seus telefonemas diários marcando os minutos para me buscar na rodoviária, suas mensagens repentinas falando de um amor-saudade trancado no peito. Concluí que você só podia ser louca, ou vivia a vida como uma bêbada incoerente.


Aí eu chego, você me abraça, impregna em mim seu perfume de duzentos e tantos reais, amarra na minha boca alguns sorrisos enquanto conta suas aventuras, seus sonhos, suas poesias. Você, aos poucos, me devolve a certeza de que ainda posso amar, posso gostar de alguém profundamente sem ser dramático, sem ser meloso, sem ser brega e exagerado. Eu me deleito com suas palavras e expressões pausadas, seu jeito de tocar meu ombro, gargalhar com o corpo inteiro, desarrumando os arranjos que ficam sempre nos devidos lugares. Você me desarruma.


Passamos a noite toda acordados, eu querendo dormir, você me beliscando de dois em dois minutos. Eu te amando. Você me enchendo de perguntas, de encantos, de piadas. Eu digo que quero muito dormir, porque a viagem foi longa e tinha uma mulher com seu bebê no colo sentada na poltrona ao lado. O bebê chorava e minha cabeça explodia. Você não quer nem saber. Quer minha atenção, ainda que sonolenta. Então eu tomo duas xícaras de café amargo e sento naquela cadeira dura. Fico te olhando, com os olhos empedrados nos seus cabelos. Eu quero dormir.


Na manhã que nasce, eu entro para o banho e demoro de vinte a trinta minutos. Depois disso, sempre tomávamos o café e comíamos o pão com ricota. Mas não naquele dia. Naquele dia você saiu de casa. Deixo o chuveiro, cantando aquela música que marcou a nossa infância por ser a que tocava no rádio do carro quando fomos juntos conhecer o museu das múmias. Não sinto o cheiro do café, nem do pão tostando na torradeira. Não sinto seu perfume, nem escuto seu barulho. Sei lá por que, me sobrevém uma onda eterna de inquietação. Nunca fui de ter sexto sentido. Naquele dia eu tive. Deito na cama e fecho os olhos. Queria abri-los e ver você ao meu lado, sorrindo da peça que me pregara. Riríamos juntos, eu ficaria aliviado, tomaríamos o café e tudo estaria bem.


Abro os olhos e o silêncio retumba em mim. Você havia partido. Eu sabia. Sabia que haveria um adeus. No guarda-roupa, alguns poucos vestígios, algumas peças que você não gostava muito. Meu dinheiro não está na carteira, mas há ali um sinal. Nada muito explícito, nada que diz algo significante. Uma foto nossa, quando éramos pequenos. Você com minha camiseta do Batman e eu com a cara emburrada, porque sempre detestei te emprestar minhas coisas.


Na cozinha, seu batom desenhado no guardanapo é minha certeza de que houve você ali, momentos antes. Meu peito apertado é a resposta à sua pergunta da noite anterior: “Somos um par?”. Meu problema é querer que você sempre leia meus pensamentos, adivinhe sempre os sentimentos que me visitam. Sempre me achei um quadro óbvio demais, fácil de decifrar. Talvez eu poderia ter dito, ainda que com palavras parcas e porcas. É que sou feito dos amores que se equilibraram à minha margem. Você, de todos eles, é o maior. Registre isso, se puder? É o maior.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Rimã


“Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?”

(Renato Russo)


A gente é assim, feito Eduardo e Mônica. Um amor que não faz sentido nenhum, porque desconheço pessoa que seja tão, mas tão, mas tão diferente de mim. Tá, não é tanto assim. É uma questão de gosto, né, rimã? Você só gosta de coisa chata, e eu só gosto de coisa legal (aposto que você gargalhou agora, não foi?).


Mas então, às vezes eu acho que sou seu pai. Você já quis ser minha filha? Cara, porque não é possível, você me maltrata muito. Maltrata sim, nem vem. Você me chama de chato, pernilongo, xacrilongo, mil coisas. E acende a luz na minha cara quando eu durmo. Quando não acende, canta bem alto na minha cabeça – com essa voz de sereia encalhada que você tem. O problema é que não tem como ganhar uma briga de você. Tentei a vida toda, desisti. Você é insuportável nesse ponto, me tira do sério, me agita até eu arrancar todos seus cabelos com minhas mãos.


E você também é cabeça-dura, sempre está certa de tudo – e calem a boca todos vocês! Mas é engraçada. Daquelas que fazem piada sem saber que faz. E olha, eu tô falando das piadas que você faz sem querer, ok? Porque as forçadas são péssimas. Meu, como são péssimas! Voltando às boas piadas, você tem um ar distraído, meio sonso, de quem anda sempre dispersa. Engano de quem pensa isso! Sei que você é uma pulga, de uma esperteza sem fim.


Lá de casa, é a mais carinhosa. Só quando quer. Fica abraçando todo mundo, beijando a Marcela que sempre grita: “Ai, para, Bruna, que saco!”. Mas a gente sabe que ela é seca, né, rimã? Na verdade, ela gosta. Gosta demais, mas fica se fazendo de difícil. E você se aproveita disso pra provocar. Você é também, de longe, a mais chorona. Chora por causa de um cachorro pulguento que fugiu de casa; por causa de uma amiga que foi morar em BH; porque Joey e Pacey não ficaram juntos; e aposto como está chorando agora – deve tá abrindo maior berreiro.


Olha, eu sei que você queria que eu fosse diferente. Que eu fosse festeiro, animado, essas coisas aí de adolescente. Desculpa eu ter nascido velho? Desculpa eu viver na sua cola, dizendo que não se fala “pra mim comer” e sim “pra EU comer”? Mas veja, até que eu não sou um irmão tão chato assim. Quantas horas nós ficamos naquela loja pra você experimentar as roupas? Umas quatro, cinco horas? Pois é. Quem faria isso por você, quem?


Digo que não há companheira melhor pra assistir House e Dawson´s Creek, nem parceira melhor pro buraco. Por fim, digo do meu amor por você. Que é grande-imenso e que espreme você inteira no meu peito, ainda que sejamos opostos. Ainda que você me coloque doido, dando nome aos meus cabelos brancos. Ainda que você cante todas as músicas, acenda todas as luzes, encha toda minha paciência. É assim que eu gosto. E ponto final.