sábado, 11 de dezembro de 2010

Essas coisas de primeiro amor


Comecei a escrever aos doze, quando as gotas de chuva na minha janela visitaram meus ouvidos em uníssono. Andava lendo muito romance policial e, naquele momento, muito possivelmente, larguei a Agatha Christie e busquei um papel e uma caneta. Na minha imaturidade, cuspi algumas palavras desajeitadas, uma poesia meio torta e inconvincente. Foi meu primeiro parto.

Depois disso, os versos passaram a me fazer visitas noturnas. Eram espasmos de dor no peito que se transformavam em coceira na palma da mão. Apalpava o bloco de notas que vivia na cabeceira da cama e, ainda em transe por causa do sono, rabiscava minhas rimas adormecidas.

Levava meus papéis às meninas da escola que conheciam bem essas coisas de sentimento. Queria que elas dessem algum sentido para aquelas letras desajeitadas e para aquelas escritas forçadas de quem lia romance policial. Sei que elas amavam. Ou fingiam amar, para me dar qualquer incentivo amador, como eu mesmo era. De todas elas, Fernanda merecia minha melhor atenção. Queria que ela amasse todas as poesias, que sentisse todas elas, que soubesse da minha admiração guardada em cada palavra. Ela foi meu primeiro amor.

Anos depois, sentado em uma cafeteria no centro da cidade, tomava meu expresso enquanto lia Dostoievski e rascunhava algumas ideias inspiradas pelo autor. Espiei por cima do livro e vi Fernanda entrar numa calça jeans surrada e numa blusa de frio listrada. Na mão direita, uma sombrinha molhada que denunciava a tempestade que caía do lado de fora. Na certa, ela entrou ali pra se esconder da chuva. Nossos olhos se encaixaram. Ela sorriu, sem demora. Foi se aproximando. Meus olhos eram só dela.

Perguntou se poderia assentar. Eu fechei o livro, sem me lembrar de marcar a página em que havia parado a leitura, e disse que sim, que poderia se assentar. Ela continuava a mesma. Conversamos sobre os anos passados, sobre o tempo de colégio, sobre os professores e colegas. Depois falamos da faculdade, tempo em que ficamos sem ver um ao outro. Me perguntou dos meus escritos, se eu havia encarado a profissão de escritor. Eu ri, envergonhado. Ela lia meus poemas, lembrei. Lia e fingia amar todos. Menti, respondendo que não continuei a escrever. Ela fez cara de espanto e disse que sempre adorou o que eu escrevia. Que via em mim um futuro brilhante. Eu agradeci e mudamos de assunto.

A chuva ficou mais branda. Ela se levantou e me deu um beijo no rosto. Nossas mãos se tocaram por cima da mesa, quase sem querer. Eu disse que fora bom tê-la visto. Ela sorriu e disse que torcia para um dia ter um livro meu na estante. Depois, pegou a sombrinha e saiu da cafeteria.

Não me concentrei mais na leitura. Meus pensamentos fugiram pra algum lugar distante, de sorte que eu bebi a xícara vazia três vezes, sem me dar conta de que não havia mais café. Depois, rabisquei algumas palavras no meu bloco de notas. O primeiro amor é como um livro fechado desatentamente.

Paguei a conta e enfrentei a chuva durante o meu caminho de volta para casa. Havia um livro a ser colocado na estante.

14 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Adoro você! Que bom que para tudo existe uma cláusula de arrependimento e aqui estamos com nossos sofismas outra vez.

agora vou ler o texto.

beijos

Sueli Maia (Mai) disse...

É sim...E este teu texto é bárbaro porque ele faz um quadro onde se vê um espelho. Antes da Fernanda a escrita te arrebatava nas madrugadas...A vida segue e a gente esquece de "marcar a página em que havia parado a leitura". E continua amando.

Por isto você está aqui e continua a me emocionar, portanto sempre há uma chance de ter um livro seu na estante.
Estou muito, muito feliz por esse seu reencontro com a Fernanda, com as letras, com "o mundo de Sofisma", com você mesmo e sua alma; e comigo, porque sempre estarei por aqui.

um abraço,Filipe, do seu tamanho, meu amigo. Fica bem!

lô colares. disse...

eu sempre fico sem ar quando eu leio os teus textos, sempre.

gabi disse...

voltou, Filipe.
voltou bonito, encantando quem esperava.

Anônimo disse...

E olha só, o começo do texto ali tinha eu pra todo lado. Agatha Christie influenciando demais! Li uns 25 livros dela e comecei a escrever.

E já disse que você escreve muito, né? Pois é.

Abraço!

Dalton Mesquita Filho disse...

cheguei a dar um suspiro de alívio quando vi que havia um post seu nas atualizações. Saiba Filipe que você efetua em mim o mesmo que a Agatha efetua em você. A cada texto seu, um turbilhão de ideias e versos que nem se comparam à qualidade dos seus.

Parabéns mais uma vez.

Abraço.

Luciana Brito disse...

um livro a ser colocado na estante, amor sendo distribuído aos montes e em cada página.

tão bonito isso.

Beijo, Lipe!

Anônimo disse...

Filipe, sou vítima certa das suas peripécias. Tão simples e corriqueiro esses desencontros... Tão naturais, que são dignos de uma iluminação, têm a exata dimensão que devem ter e nos trazem sempre um próximo passo gostoso, ainda que não se ande.

Eu só posso concluir que somos privilegiados. A vida nos brinda sutilmente a cada brisa, tanto que todo amor parece o primeiro. Sempre é. Mesmo não sendo.


Há um livro.
Há.

:*

Amanda Oliveira disse...

Um tempo atrás resolvi dar uma espiada aqui pra ver se você não tinha mudado de ideia, mas você não tinha mudado não, fiquei com cara de criança que não ganhou doce. Daí hoje pensei pensei e resolvi clicar no link, e aqui está você! Filipe, que surpresa boa !

Amanda Oliveira disse...

Acabei de ler. gostei,também falei de primeiro amor" no meu blog : http://esconder-ijo.blogspot.com/ seria uma honra.

Anônimo disse...

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