Com licença. Hoje eu não quero mais esse negócio de terapia, o senhor vai me desculpar. Sempre eu falo, falo, falo e nunca chego a conclusão nenhuma. Nunca achei que problema se resolvesse com o simples extravasar de palavras. Fosse assim, todos os escritores, todos os poetas, todos os locutores seriam as pessoas mais bem resolvidas desse mundo. Além do mais, sempre tem uma coisa chata de se falar. Sim, aquele detalhe que ninguém nunca soube, nem nunca saberá. Mas se eu começo a falar de uma coisa, logo caio em outra e aquele detalhe que pra todo mundo era despercebido, diante de mim se sobressai, avivando minha memória. Tem coisa que eu quero perder, perder pra sempre. E não ficar ruminando, tentando achar uma saída. Do que adianta eu ficar aqui buscando uma resposta pra minha solteirice? Tentar entender por que as mulheres fogem de mim assim como o ateu foge da bíblia? Perda de tempo! Tudo não passa de cogitações loucas da minha cabeça e da sua. Quer ver só? Eu paro a primeira mulher na esquina ali e pergunto: “Quer ser aquela amada com amor predestinada sem a qual a vida é nada sem a qual se quer morrer?”. Certamente ela morrerá de amores e aceitará meu pedido. Só então eu explicarei pra ela que minha vontade de ter uma namorada é tão-só para me ajudar a cortar os cabelos das axilas. Ela vai me insultar e eu vou sorrir, porque a vida é leve e cheia de ironias. Cansei mesmo dessa história de pagar uma fortuna pra você me dar conselhos, ter que ficar quarenta minutos nesse sofá-caqui horroroso que parece ter saído de um porão fedido. Não estou menosprezando sua profissão. Estou é buscando a simplicidade que eu mesmo perdi quando desenhei um novelo de lã tentando entender o que é isso que se chama de vida. Não se entende. Ponto. Aquele que tenta se entender por um minuto se perde em outros dez. Do que adianta? Hoje eu resolvo meus problemas e amanhã a bolsa de Nova Iorque fecha em baixa e eu fico pobre. Mais problemas. Outros mil. Ou então um meteoro cai na Terra e mata cem milhões novecentos e cinqüenta e quatro mil duzentos e setenta e sete pessoas de uma só vez. Imagina só? A vida é isso aqui, sabe? Pequena e boba. Que nem essas piadas que a gente conta, ri e depois, se ouvir de novo, não ri mais. Pequena e boba. Eu vou acertar minhas contas com você. Mas antes eu vim lhe fazer um convite: topa fazer as malas e passar uma semana na praia? Não é brincadeira. Estou indo. E agora. Porque esses lampejos de liberdade somem em três tempos. Não se preocupe. Eu volto. Com dois amores debaixo do braço e um sorriso de alívio no resto do corpo. Eu vou.
14 comentários:
Que estes dois amores não estejam contando os pêlos da sua axila.
Sempre achei que o melhor psicanalista, é o espelho.
Enfim, cara, amei teu blog, me indentifiquei muito, mesmo
(um dia te pago uma cerveja, haha)
=*
Bem, não posso deixar de lado o fato de que essa terapeuta em questão poderia ser eu. Oh céus!
Que ele não perca os rompantes de liberdade que somem tão rápido... mas do jeito que ele está, uma terapia (decente, claro), não seria nada mal! kkkk xD
Ótimo monólogo, Lipe!
Bem escrito, como sempre.
Beijo!
Desde quando vc pede para alguém cortar os cabelos das axilas? ahaha. muito bom! eu iria rir muito se alguém me pedisse uma coisa dessas.
acho que esse treco de psicanalista não é para todo mundo, alguns saem de lá melhores, outros piores.
Gostei muito do texto,e se você pensar bem, ele está implicitamente dizendo que se conhece
até daqui alguns anos-luz!
Esses lampejos de liberdade batem, e fazem sempre bem, mesmo quando fazem mal.
Otimo Texto!
Grande Abraço!
A vida é isso: pequena e boba. Mas é vasta! Vai, menino, sê livre.
Meu beijo
posso dizer que eu ri?
nem é um texto engraçado, mas eu ri. ri da urgência, sabe? imaginei um homem que fala com pressa e cheio de gestos.
;*
Nunca entendi terapeutas,mas você deu um novo sentido pra eles em teu texto...lindo lindo o texto.
Mais um que percebeu que o caminho da felicidade tem nome: simplicidade.
Bom te ler como sempre rapaz!
Abraços!
A inconstância de algumas mentes não cabe na sala de um terapeuta. A de outras, entretanto, ajusta-se perfeitamente. Falar ajuda, sem dúvida. Ter de pagar, não.
Não sei os outros, mas eu prefiro falar pra mim mesmo ou para os amigos. É - em vários sentidos - gratuito.
Aprendi ao longo desses poucos anos de vida, um meio eficiente de terapia: multiplicidade. Já consegui ser seis, de um vez. Cada um de mim dá a sua opinião, aponta os prejuízos da opinião do outro, e o mediador julga tudo. É bem democrático, sabe?
Agora, evitemos mais detalhes, que isso é um tanto comprometedor.
Sabe aquele livro que você me indicou, quando falamos do mundo de Sofia? Então, tô lendo. Já passei da metade. Rs.
Até!
É que ter problemas e ser feliz não são coisas incompatíveis. O que te faz uma pessoa que sofre ou uma pessoa que goza da vida é a forma como lida com os problemas. E não os problemas em si.
Você até pode ir viajar, espero que seja uma grande viagem, mas como você mesmo disse: voltará com dois amores debaixo do braço e um sorriso de alívio no corpo. Ou seja: deixará coisas por lá e voltará com outras tantas.
--- se fosse para continuar a história com a Terapeuta falando...
Beijoss!!!
Ps. Sempre passo, mas nem sempre comento! Fica com Deus...
Só consigo dizer que achei incrivel. Adorei o fim, dos amores, onde logo toda a loucura ( ou sanidade ) volta.
;**
"esses lampejos de liberdade somem em três tempos" não tem verdade mais certa pra mim. Os meus acho que até que somem em dois. Se eu tivesse um surto desses, provavelmente nem passaria da porta, voltaria para o sofá fedido, o psicanalista me perguntaria "o que você pensa sobre isso?" e eu voltaria a falar, fingindo que falar é o bastante pra curar as feridas...
Gosto de texto assim, que fale de coisas sérias brincando.
A vida é isso, saimos de férias pra praia, e voltamos com dois ou mais amores debaixo do braço...
eis a vida.
abs
Postar um comentário