O tempo todo ela olhava no relógio como quem admira um mar remansoso. A esperança era que os ponteiros marcassem seis e trinta, a hora que ele costumava chegar. Os minutos são eternos quando a saudade debruça sobre eles.
Qualquer barulho lá fora parecia sineta anunciando sua chegada. O amor devia ter limites, pensou, mas logo se arrependeu.
A mesa estava pronta. O café fumegante dentro da garrafa térmica a fazia lembrar daquelas tardes de sábado preguiçosas. Os dois sentavam-se à mesa e faziam caretas pra garrafa que, em espelho, distorcia suas formas. E aquilo era como cócegas no céu da boca que explodiam
Olhou para o porta-retrato. A foto era em preto e branco de um dia colorido. A felicidade visitava os olhos dos dois e fazia uma poesia calada, interna, segredo só deles. Não se lembrava em que época o flash tinha eternizado aquele passado que agora era saudade trazida para mais perto. E a saudade, pensou, vem com um certo esquecimento.
Rodou a maçaneta na esperança de que tal gesto fosse um ímã que trouxesse ele mais cedo. Empurrou a porta e deixou entrar todas as lembranças. Surpresa, viu que ele estacionava o carro na rua, em frente à casa. Ela sorriu, como sempre sorria. Ele desceu do veículo com o rosto mergulhado em assuntos chatos, mas com um sorriso discreto que ia pedindo afago.
Ela sentou-se na escada da varanda, de frente ao portão. Dali podia ver a rua, podia repetir quantas vezes quisesse o momento em que ele chegava com o carro, descia com o rosto contorcido - assuntos chatos - mas sorria um riso pequeno, de quem quer afago. O amor devia não doer, ela pensou. E era como se fosse um pedido.
Ele não chegava. Nem nunca ia chegar. Mas ela esperaria. A saudade lhe bastava.
4 comentários:
A saudade não me basta... ele precisa voltar.
Esse texto me fez um pouco triste. Porém, bonito mesmo assim.
Beijo, Lipe!
A espera é o caminho. Às vezes o caminho é mais importante que a chegada.
Beijos doces
triste viver bastando saudade.
Você escreve coisas lindas, sempre digo.
Mas hoje, doeu demais, sabe?
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