sábado, 19 de setembro de 2009

De repente

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

(Soneto de separação – Vinicius de Moraes)

Éramos matina nos olhos dos outros. Amizade que parecia casamento. Afinidade como aquela entre Diadorim e Riobaldo. Vivíamos o tabu de que homem e mulher não se podem ter por amigos. É bem verdade que tentamos um namoro. Lembra? Mas não passou de palavras, de meias conversas, de intenções que morreram quando veio a descoberta que o encontro das nossas carnes poderia abafar o do espírito.


Éramos cúmplices de todos os dias, de todas as vezes. Os risos trocados em sala de aula, os olhares-segredos cuspidos em momentos inoportunos, as mãos batendo sobre a mesa em ritmo de marchinha, música que íamos criando, sem nem saber que era poesia. Ficávamos naquela de um ser o outro e do outro ser o um, querendo cada dia mais semelhanças. Escrevíamos. Nossas letras trocadas eram a essência do eu te amo que pronunciávamos de lábios fechados, com todas as sílabas. Você me ensinava seus gostos, eu te ensinava os meus. Permutávamos.


Engraçado lembrar que antes, quando nossa aproximação nada mais era do que coleguismo, parecíamos moleques dados à rixa. Trocávamos chicotadas, zombarias, apelidinhos maliciosos. Uma criancice ingênua que não nos permitiu a amizade de supetão. Crescemos e nosso encontro se deu debaixo da pele, em qualquer lugar que nunca buscamos, por imaginar nunca existir. Você. Eu. Em uma dança demorada, na sala escura ao som de uma música nossa. Você com os braços enleados no meu pescoço, conduzindo meus passos desajeitados, meu descompasso nato, meu nervosismo de ter seu coração batendo junto ao meu. Dançamos a vida inteira.


De repente, não mais que de repente, como se já tivéssemos lido Vinicius em algum momento de nossas vidas, como se já houvéssemos desejado o fim de algo que nunca acabaria, acabou. Os dedos sinalizaram um adeus tímido e os olhos penderam para baixo juntamente com a cabeça e com o resto do corpo. Nos perdemos em qualquer esquina. Estranhamos um ao outro em encontros posteriores. Você não cabia mais em mim. Eu não participava mais de você. Nossa conversa, sentados na calçada, foi sobre os caminhos tortuosos da vida, sobre a falta das pessoas, sobre aquela velha história de cativar.


Nosso último abraço, palavras doídas ditas sem necessidade. Como se houvesse um rancor implícito pela distância inevitável. Fizemos tudo ao contrário do que tinha sido. Éramos opostos, agora. Quando foi que nosso liame se rompeu de forma tão insana? E você que dizia sermos eternos. Lembro de você escrever: “pelo menos sei que quando eu morrer terei você pra dizer coisas bonitas ao meu respeito; e então eu ficarei.” Retruco agora: as coisas bonitas não se escrevem. Eu poderia tentar um dia. Mas eu me mataria de desprazer. Bom mesmo são as lembranças e aquele cheiro de época distante que perpetua pelos cantos.


De longe, prevejo seus traços. Futuro bonito te espera.



16 comentários:

Juliana Porto disse...

Ah! Uma pena. Mas é apenas mais uma peça que a vida nos prega. Não estamos imunes. Mas a certeza que lembranças maravilhosas ficaram e que com certeza ele ainda falará coisas bonitas sobre ela.

Beijos.

Gabi Pasquale disse...

Interessante, passei exatamente pelos fatos narrados no texto. Aquela amizade que quase chegou um namoro, aquele quase namoro que virou uma amizade, aquele amizade que virou coleguismo, aquele coleguismo que virou distância, a distância que virou sintonia distinta. Sei exatamente o que é isso...

Caroline Fortunato disse...

Ei, Felipe! Como sempre, belas palavras.

Creio, em verdade, que todos passamos por isso. Sempre bato na mesma tecla: culpa das tais expectativas. Temos a mania de imaginar alguém (e alguém sempre nos imagina). Seja amigo, homem-mulher, mãe, pai, irmãos. Sempre queremos que as pessoas pensem e sintam como a gente, a mesma coisa, na mesma intensidade. Sintonia. Mas a vida sempre nos põe à prova de nossos sonhos. E sempre dá um jeito de nos mostrar que o tapete sobre o qual caminhamos pode ser puxado numa batida de coração.
Mas amor mesmo é desejar ao outro (outrora motivo de seu amor e sonhos), a felicidade ainda que longe da sua. Por isso, seu último verso é tão idílico e sincero: "Futuro bonito te espera". Sim, isso é amar.

Abraços e até o próximo!

Anônimo disse...

Você continua maravilhoso! E, pelo que parece, cada dia melhor.
Saudades.
Ju.

.Fran. disse...

Belíssimo texto. tua escrita é apaixonante. E a forma que concluiu o texto foi perfeita, linda!

òtimo blog. Voltarei sempre.

Fee disse...

Depois de muito se pensar no fim, enfim, ele chega e, ironicamente, é justo quando a gente se convence, sim, de que o fim das coisas boas não existe. E não dá pra fingir depois.

Eu gosto demais de ler os seus textos, Filipe.

Sorte.

Nena disse...

lindo o seu texto. eles sao sempre muito tocantes.
Bem com relaçao ao comentário que você deixou no meu blog, gostei muito dele, e acho que você tem razão, por dentro é que importa, algumas pessoas são necessárias, outras não. Obrigadas

Beijos e continue assim.

gabi disse...

não gosto de últimos abraços.

Ludmila Melgaço disse...

Tão bonito... Me faz pensar no porque da gente se perder uns dos outros.
Acaso.(?)


Beijo!

Maria disse...

Filipe, eu não sei o que dizer. Mas na última frase os olhos estavam cheios de lágrimas. Tenho constantes sustinhos ao ler vc, por identificar sentimentos meus, por encontrar palavras minhas. Mas hj a emoção se deu por ler uma história que tb foi minha. Fiquei tão sem palavras, e juro não era isso que eu queria dizer neste comentário.Se pudesse, teria copiado e colocado no meu espaço para que o outro ser que hj prevejo pudesse ler algo tão parecidos com o que tivemos. Que, infelizmente, teve o mesmo fim. Mas que, felizmente, tb virou poesia.

Minha admiração por vc.

entre-caminhos disse...

Como sempre, adorei seu texto.
E é estranho mesmo as coisas se acabarem. Ao mesmo tempo que a intimidade traz a cumplicidade, ela tb trás a verdade.
As aparências se vão e conhecemos quem está ao nosso lado.
De repente estra junto não tem mais nada a ver.

Luana Mendes disse...

Texto muito, muito lindo.
É realmente muito doido encontrar alguem que foi tao seu, tao intimo, onde foi tudo tao completo, e ver que nao passam de estranhos. Dói. Mas, pelo menos eu acredito que algum dia o reencontro trará de novo o passado.

;*

Larissa disse...

Ai, eu gostei tanto. Ia dizer que tá 'tão Vinícius' de novo, mas agora percebi que você É 'tão Vinícius'. Hahah, e tão verdadeiro nas palavras.

Victor Colin disse...

adorei o texto... você tem um diferente - e belo - jeito de escrever. saudações!

Ana EmíliaYamashita disse...

Não consigo encontrar palavras que descrevam o que isso me causou.
Lindo demais.
¥

Paulinha disse...

Pelo menos existem as lembranças e são elas que importam... afinal, acredito que o pra sempre, sempre acaba, comigo nada consegue ser enterno e por isso q recorro sempre a memória...