Houve
um tempo de carência. Quando as pernas bambas e trôpegas já não se sustentavam
sem razão. O jeito era aceitar carinhos estranhos, olhares vazios, peitos
abarrotados de convites vãos. Houve um tempo em que a poesia se perdeu ou se
converteu a alguma religião ortodoxa de ritos estranhos e comportamentos
excêntricos. Houve choros silenciosos e soluços histéricos. Porque a carência
produz solidão. E solidão mata, porque não se mantém.
Houve
um tempo em que o coração corria afoito para qualquer amor, qualquer jeito,
qualquer elogio. Era um mero toque de pele para fazer brotar um gostar insano
ou uma paixão ensandecida. Era como se o amor não escorresse com calma, não
pingasse com precisão, não florescesse sem querer. Era como se todo o peito
pudesse ser preenchido de qualquer coisa e isso bastasse. Mendigar sentires,
tempo de se enganar.
Houve
um tempo, porém, em que os planetas se alinharam. Os recados deixados em
bilhetinhos coloridos colados na geladeira reproduziam sons de serenidade. As horas
vagas eram agora preenchidas com carbono e giz. O tempo era de fazer a poesia
adormecer nas pálpebras para que, quando se pestanejasse, voassem trocadilhos em
versos. Era como se a gente sentisse a alma do outro tocando apenas os
dedos, trocando todos os medos, alternando os momentos de crença e de total
falta de fé. O que é o amor senão essas luzinhas escondidas dentro da sua boca
que só aparecem quando você sorri pra mim?
4 comentários:
Noites longas, de muita conversa gostosa pelo telefone, ou mensagens...
Me identifiquei, cara... Parabéns pelo seu texto!
Ai, que lindo.
Depois da falta de fé, ela ressurge e vem assim, em forma de amor.
Texto ótimo, Lipe!
Pra mim você parece mais uma entidade que consegue jogar pra fora tudo o que sente do jeito mais lindo que pode existir. Se (pra mim) você não fosse, te pediria em casamento!
O segundo parágrafo é bonito.
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