O metrô não estava cheio, mas não
havia sequer um assento livre. Apoiei minha pasta no chão, enquanto afrouxava a
gravata que me sufocava o pescoço. No ato, derrubei a caneta do bolso que rolou
para perto de um par de sapatos muito distinto. A moça, dona dos sapatos, se
curvou para buscar o objeto. Constatei que alguns gestos me deixavam sem graça.
O fato de a moça ter perdido o seu precioso tempo agachando para pegar a caneta
que eu, estupidamente, deixei cair, me causou vergonha. Eu poderia ajoelhar
naquele instante e pedir mil perdões. Poderia dizer que faria de tudo para corrigir
aquele erro, que ela me desculpasse imensamente por eu ser tão descuidado e tão
estúpido. Poderia pagar-lhe um café, se ela quisesse, e depois recitar algumas
poesias ao pé do ouvido dela, dizendo que o amor a gente descobre assim mesmo,
no de repente.
A moça me entregou a caneta junto
de um sorriso que me espetou a alma. Agradeci timidamente, sem deixar de notar
que ela havia deixado a blusa desabotoada. Seria pra mim? Pensei e me achei
ridículo. Eu poderia ter dito que ela havia sido muito gentil em se preocupar
com uma caneta velha e gasta, que não precisava ter se incomodado, que ela
tinha os tornozelos mais lindos que eu já havia visto e que os olhos dela
pareciam duas luzes ofuscantes de um farol. Eu poderia ter perguntado seu nome,
sua idade, sua profissão. Dizer que ela tinha muito a cara de ser bailarina,
daquelas que dançam em cima das minhas costas, massageando meus ombros e minha
carência. Que, se ela quisesse, eu deixaria ela dançar em mim e me buscar para
uma valsa indecente, daquelas que desnudam-se todos os segredos sem qualquer
pudor. Eu queria amá-la numa cabine de metrô.
Ela coçou a nuca, deixando a
mostra um cordãozinho com um pingente em forma de cruz. Eu poderia ter
perguntado se ela era religiosa. Se rezava três vezes ao dia. Se ela beijava a
santa ou se ela tinha alguém que a beijasse sem escândalo. Se seus beijos eram
mornos, do tipo bossa-nova, ou eram quentes, no estilo rock and roll. Se ela
lia Sartre depois do almoço e se seus poemas preferidos eram os de Fernando
Pessoa. Eu poderia ter dito a ela que aquela sainha justa lhe dava um ar
ocasional de mulher insensata, daquelas que arrancam a roupa como quem quer rasgá-la,
que, se ela quisesse, eu a deixaria me rasgar inteiro.
A moça me olhava desconfiada e,
sem me dizer um adeus, saiu pela porta que, naquele instante acabara de se
abrir. O que ela faria na estação Carioca?
Ela teria algum encontro amoroso? Será que ela gostava de caras mais jovens,
com barbas mal-feitas? Será que ela era casada, mas escondia a aliança na hora
do almoço pra poder se apaixonar até uma hora da tarde? Eu poderia imaginar o seu
perfume e o formato do seu sutiã. Eu poderia alcançá-la antes que a porta se
fechasse e segurá-la pela cintura, dizendo-lhe algumas palavras indecorosas. Eu
poderia dizer que, sim, eu aceitaria me casar com ela em alguma praia de Cancún e que nossos filhos teriam todos
a cara de uma história de amor muito linda.
Esperei para ver se ela olharia
para trás e me acenaria um tchau discreto. Se seus lábios pronunciariam “me-ligue-pra-gente-tomar-um-vinho”.
Se ela voltaria para me dar um beijo muito assanhado. Se ela notaria que eu poderia
fazê-la muito feliz. As portas do metrô voltaram a se fechar e a moça se perdeu
na multidão de gente. O coração acusou inapropriadamente: o destino não é
deixar vir. É fazer vir; com a certeza muito aguda de que a inércia é a pior
das escolhas.