Não era um
bêbado sentado num restaurante. Era um bêbado sentado num restaurante ao nosso
lado, inserido nos nossos cosmos, na nossa sensibilidade de enxergar o mundo.
Ele era o porta-voz do nosso silêncio inquieto, da nossa conversa sem-jeito,
dos nossos olhares pausados e ainda um tanto tímidos.
Com um copo
na mão, ele se anunciou. Os olhos dele transbordavam poesia, o que saía com
muita facilidade pela língua embolada em álcool. Poesia não se aguenta.
Escorre.
“Vou lhes recitar um poema” – ele disse
enquanto ríamos daquilo que parecia ser uma cena de filme. E ele continuou:
“A alma, em seu espaço físico, jamais se limita. O
encontro se faz aos arranhões, sob a percepção de uma afinidade patente. A alma
é esconderijo das sensibilidades, das mãos que tateiam, dos corações que
pulsam, dos olhos que veem muito além. Eu sugiro, pois, que se seu desejo é possuir,
agarre nas paredes da alma. Arranhe, unhe, se apegue, agrida. Marque com o seu
encanto, ajeitando as quinas irregulares. As almas caminham de mãos dadas
porque, ao contrário dos nossos preconceitos, elas se identificam apesar de. E
acima de”.
O riso agora
foi suspiroso, desatando nossa estranheza e aceitando o convite para deixá-lo
vir mais perto, jogando nas nossas caras todas as verdades que ainda não
aceitávamos:
“Vocês têm a chance de fazer isso dar certo. É a vez
de vocês. Não se preocupem com os que vieram antes, eles já puderam escolher.
Arrisquem, se permitam, deixem doer se tiver que doer, mas deixem voar se o peso
é leve demais”.
Agora parecia
que os nós estavam desatados. Ou, ainda, que havia mais de mim, mais de você
(mais de nós). E as percepções, ora fugidias e escondidas, agora se faziam
evidentes: era o encontro, era a vontade, era a cumplicidade de uma vida inteira
que desembocou ali, naquele lugar.
A noite
daquele dia nunca acabou. Estamos lá ainda, recebendo versos diários e
rememorando com clareza a cena que parece ter se materializado. Afinal, quem
eram os bêbados daquela noite? E onde foi parar o resto do mundo naquele
instante?
E que não haja resposta. Porque não nos interessa saber.
3 comentários:
Filipe,
Eu não sei mais quantas vezes já lhe disse isto, mas vim aqui hoje com lágrimas nos olhos e aperto no peito. Procurar nas suas palavras algum tipo de refúgio. Consolo? Talvez entendimento.
Chorei. Ainda choro. Mas me sinto mais leve. Ser de alma, assim, por inteiro, é difícil. Dói. Mas como o sábio bêbado disse, "deixem doer se tiver que doer". Crescer dói. Aprender é um processo lento e doloroso. Mas a gente o faz pra caber naquele abraço. A gente abre mão das nossas vaidades.
Não vou me prolongar mais, só: obrigada.
Por hoje. Por sempre.
Um beijo,
Aline.
"A alma é esconderijo das sensibilidades" deves ter uma alma imensa para caber tanta sensibilidade.
Como é gostoso te ler, rapaz!!!
Sempre com textos doces e de alguma forma, inspiradores...
Sabe, nem sempre as pessoas se importam, umas com as outras, principalmente agora...
Mas, o fato é que há seres humanos muito complexos e interessantes por aí...
Bjo, bjo!!!
P.S.: Meu blog mudou, agora você me encontra no http://mesmiceseepifanias.blogspot.com.br
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