L,
A gente passa uma vida amando e
desamando. E tudo parece mais um jogo de sorte. Ou de azar. Difícil é a
sintonia que abre os poros, que encaixa os abraços, que denuncia o sorriso, que
arqueia as pernas. Eu pensei que isso não existia, até você.
Ontem eu andava pelos contornos da
Praça Sete, aquela multidão desconhecida, indiferente ao meu mundo, com suas pirraças
e caprichos. Eu te enxergava em cada rosto. No mexer do cabelo da moça da
esquina, na risada escancarada das amigas de colégio, na gentileza do moço que
vende flor, na agitação do guarda de trânsito. Eu senti você muito perto, muito
dentro de mim.
Foi quando constatei que meus
cadarços estavam desamarrados e me lembrei do último domingo, quando sentamos
em um banco no Parque das Mangabeiras, uma chuva fininha caía e você não
conseguia parar de dizer que adorava estar ao meu lado. No instante em que eu
te peguei pelas mãos, foi como se eu ouvisse um ruído longínquo, uma seresta de
instrumentos de sopro, como se o mundo festejasse o nosso entrelaçar.
Os cadarços. Você me apontou o pé,
dizendo pra dar um jeito naquilo. Que homem da minha idade não usa all star. Perguntei se você me achava
velho e você disse que não, embora tivesse constatado vários fios brancos do
lado direito da minha cabeça. Contra-argumentei, dizendo que eu usava tênis
para aliviar o semblante sério. E você riu. Riu como se aquilo fosse realmente
engraçado. Talvez fosse só uma estratégia para eu poder notar seu sorriso mais
de perto, bem como as ruguinhas que se formam no canto da sua boca - que aqui chamamos de covinhas.
Não sei se essa carta chegará a
suas mãos. Você não me parece o tipo de mulher que se surpreenderia com flores
e por isso pensei em carta. Porque hoje em dia as coisas se resolvem por
e-mail, torpedos ou através de alguma rede social. Daí me lembrei de você
dizendo que não conseguia viver sem Internet e telefone celular. E pensei se,
de repente, um dia, você me dissesse que não conseguiria viver sem mim. Tremi a
alma e engoli em seco.
Desconheço seu endereço e o seu trajeto
diário. Talvez você resolva ligar no telefone que lhe passei e me diga duas ou
três palavras de afeto. Eu te diria que o amor é algo delicado, que ele se
apresenta sem muitas preocupações. Que a gente respira e, quando menos se dá
conta, já está amando. Que o amor pulsa de um jeito diferente, fazendo o
coração se estender por todo o corpo. Que o amor, esse estado de graça, pode
muito bem ser você vindo me encontrar no final da tarde. E a gente de mãos
dadas, caminhando pela São Paulo, onde as prostitutas mantêm seus bordeis.
Eu não sei se você me sente. Só sei
que, nesse instante, pareço muito cativo ao que você fez por mim. E não foi
nada de mais. Apenas um abraço, um carinho na nuca e um riso displicente. Que
você não notou, mas eu fotografei.
Não existe conselho para um coração
que não quer se desapegar, eu sei. Talvez a memória do passado valha mais a
pena que a solidão do presente. Por isso te faço aqui perto. Tão perto. Que
chega a doer. Só preciso saber que você leria essas palavras, que elas, de
certa forma, existissem e fossem destinadas a você. Meu jeito aéreo nesses dias
que antecedem minha viagem escancara: meu desejo é você aparecer no aeroporto e
dizer que quer ir comigo. O resto todo ficaria para trás. Porque só de amor não
se vive. Mas quem consegue viver sem amor?
Com carinho,
F.
2 comentários:
daqueles momentos que (des)constroem os sentimentos...
Nossa o menino dessa vez tá apaixonado!!!
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