Ontem as pessoas demonstravam uma
felicidade escancarada nas mesas dos bares. As luzes das ruas se acendiam como
se ilustrassem a chama viva que ardia em meu peito: o mundo é solidão. Não que
eu seja pessimista, nem melancólico. É que nascemos sós, vivemos uma vida
inteira a sós e morremos abraçado ao pó da terra. Sós. E a nossa alma, em
suplício, cuida de atrair outras almas que amenizam esse sentimento terreno
insaciável. Talvez assim o amor nos desperta: quando a conjugação das almas é
algo tão intenso, inteiro, imerso, que vira uma só. E a solidão passa a ser
entendida a dois.
Ontem a cachaça com duas rodelas de
limão me fez companhia até os metrôs fecharem. E você me olhava meio atônita,
como se quisesse me descobrir e palmilhar sobre os recônditos do meu espírito.
Me fiz de apaixonado, me interessei pelos teus assuntos triviais, rocei na tua
perna como se fosse algo sem querer. Minha mente transitava, meus instintos
falhavam, minha boca não esboçava poesia. Eu só queria ser analisado, só queria
que você me propusesse uma conversa em que eu falaria das minhas pequenas
felicidades e das minhas grandes alegrias.
Eu não tenho muitas dúvidas.
Certezas tampouco. Mas ontem eu andava muito seguro dos meus passos, muito
certo de que o caminho é uma sensatez: nos leva aonde sabemos chegar. Você me
segurou as mãos num gesto de afeição serena. Eu sorri e disse que, naquele
momento, eu estava sendo genuinamente feliz. Você chorou e respondeu que essas
coisas não são para serem ditas; que a felicidade deve ser um segredo muito bem
escondido. Eu concordei e mandei o garçom trazer a conta.
Ontem eu carregava sentimentos
profundos. Lembranças inefáveis e uma nostalgia inteira de uma cidade que vai se
despedindo de mim. Meu Cristo à minha janela; a enseada que me acena duas
montanhas de açúcar; a banca de jornal onde eu nunca comprei nenhuma notícia; a
madrugada barulhenta; o domingo de sol; o amor pelo céu limpo e pelos olhares
amistosos de quem me recebeu. Daqui uns anos, em minhas conversas futuras,
minhas remissões serão tão vagas quanto aquelas da minha infância. Mas hoje eu
carrego todas as cores da minha felicidade. Hoje eu sou capaz de apontar
exatamente os trechos em que eu suspirei de amores. E foram todos. O amor
transborda.
Minha lucidez oscila. Meu coração
parece uma bomba relógio. Meu peito infla de um sentimento incabível, que não
sei ser bom ou ruim. Suas palavras ontem me atemorizaram porque me levaram a
uma sublimação que jamais provei. Fui escárnio de mim mesmo e me fiz
consciente: felicidade não é estado, nem um atalho, nem nada físico. Felicidade
é olhar para todas as perdas e ter a certeza: meu coração é um território de
rimas. De imãs. Eu atraio o que me faz bem. E assim é possível deitar a cabeça
no travesseiro, segurar tuas mãos e dormir. Em paz.
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