- Você tem isqueiro?
- Desculpa, eu não fumo.
- Eu também não. Mas
eu prefiro encher a boca de fumaça do que de beijos sacanas.
- Você não precisa fazer nem um
nem outro. Pode beber comigo.
- Eu aceito, obrigada. Não nasci pro amor.
- Todos nascemos, não venha com
essa. Amor é questão de maturidade. A gente vê a pessoa, o olho brilha e depois
se convive. Da convivência nasce o amor.
- Você já amou alguém?
- Eu desconfio que sim. Mas não
tenho certeza. Não sei medir amor.
- Eu amei um cara que me pegava em casa todos os dias às cinco da
tarde. Ele me levava na faculdade e depois me buscava às dez da noite. A gente
brigava sempre no carro, mas depois a gente se beijava e ficava tudo bem.
- Amor é isto: é fazer ficar tudo
bem.
- Eu não sou uma mulher fácil, sabe? Acho que eu implico demais com as
coisas.
- Entendo.
- Minha mãe diz que eu preciso casar com alguém que seja dócil, mas eu
acho que esse alguém não existe.
- Você não precisa se casar. Como
não precisa fumar ou beijar. É uma questão de escolha.
- A gente escolhe amar, certo? É como se algo lá no fundo apitasse: “essa
pessoa é boa de amar; ame; ame muito; faça ela feliz”.
- Não sei dizer. Nunca nada
apitou em mim. Eu quase amei uma mulher que me fez enxergar coisas incríveis.
Ela não gostava dos meus poemas, mas ela me elogiava o sorriso. Isso me fazia
muito bem.
- E por que você não a amou?
- Porque o amor é uma simbiose.
Quando se vê, os dois estão amando. Acho que não tínhamos simbiose.
- Simbiose é quando tudo se encaixa?
- Ou quase tudo.
- É sempre bom deixar uma parte de fora. Afogar-se no outro é não ter
um salva-vidas.
- Não afogamos. Nem nada. O
problema foi esse.
- Ela era bonita?
- Era sim. Uma beleza que mexia
comigo de uma forma inusitada. Ela saía pela porta do metrô e meu coração
disparava.
- Que bonito. Você gostava dela, isso é suficiente.
- Era bonito e era suficiente.
- Você percebe?
- O que?
- Que estamos falando sobre sentimentos parecidos, dando nomes
diferentes?
- Talvez porque sejamos
diferentes. O amor não é igual pra todo mundo.
- Talvez seja.
- Você ainda quer fumar?
- Sim.
- Então vamos procurar um cigarro,
antes que o amor nos trague.
- Ou antes que eu te trague.
- Ou antes que eu me entregue.
Um comentário:
Tua maneira de encaixar numa conversa de cotidiano o possível florescimento de um amor é mágico Filipe. Os fins sempre surpreendem, justamente pela amplitude de reflexões que gera em nós.
Este é perfeito nisso. Conversa comum sobre o amor. Ambos acabam se cruzando em meio as falas. Até que a entrega aconteça de fato. Mas só na nossa imaginação.
Abração!
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