Foi a conta de eu pagar meu
lanche na Colombo e eu logo a vi passando pela rua, despropositadamente. Eu a
persegui com os olhos, depois com os ombros, depois com o corpo inteiro. Segui
seus passos numa discrição de um elefante. Eu estava afoito, nervoso, suando
pelas têmporas. Naquela ambição, acabei esquecendo o troco e a ligação que eu
precisava fazer para o médico. Era só ela que eu queria. Tocá-la por detrás
para que ela, surpresa, girasse em minha direção com um sorriso que fosse
se abrindo à medida que ela detectasse em mim traços de um romance
quase-pronto. Eu não sei o que é isso, não, Aurélio. Eu tenho dessas coisas: fissura,
urgência, supetão. Minha pretensão era chamá-la para tomar um sorvete de
duzentos sabores, impor-lhe um beijo muito gelado que travasse a língua no céu
da boca, apertando o meu peito contra os dela pra depois deixar cair algumas
sacanagens em seus ouvidos. Ela dobrou a esquina e a minha coragem dobrou
junto. Apressei os passos, limpei o suor da testa, tentei recitar rapidamente
um poeminha que eu havia escrito para momentos como aquele. Era preciso abordá-la
com um poema. Naquele instante, naquele exato instante, eu notei uma folha de
árvore cair sobre a cabeça dela. Folha miúda, seca, inexpressiva. Fiquei aguardando
para ver como ela haveria de tirar o negocinho dos cabelos. Não tirou. Sequer
notou que algo havia caído sobre ela. Continuou sua marcha, com um enfeite
pouco amistoso agarrado nos lindos cachos. Minhas pernas, então, travaram. Uma
pena, pensei. Uma pena ser tão linda, mas tão distraída. Dei meia volta e
passei na Colombo pra buscar meu troco. Em tempos de crise não é bom perder
nenhum tostão, né não, Aurélio?
3 comentários:
E a culpa foi da folha...
Tsc tsc tsc...
Amei!!!
você como sempre me encanta com seu jeito de colocar as palavras...Cada dia que passa te admiro mais e mais...
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