Ele acordou às 10h40 de um domingo chuvoso. O colchão de solteiro denunciava sua desordem interior: camisas, calças e cuecas pareciam ter sido sua companhia na noite passada. No criado-mudo, uma taça de vinho pela metade e um cigarro intacto ao lado de um isqueiro sem fogo. Levantou da cama arrastando os pés, lavou o rosto, o corpo, a alma. Sentia-se vazio de tudo, incrivelmente só.
Lembrou-se de quando foi, pela
primeira vez, a um bordel. Tinha quinze anos recém-completos. Foi levado por um
tio velho e promíscuo que o incentivava a isso desde seus doze anos. Escolheu
uma moça novinha, cabelos malcuidados, batom vermelho, unhas pretas. Ela o
pegou pela mão e o convidou para uma intimidade que ele jamais poderia
esquecer. Chorou no colo dela, dizendo que a amava. A moça, desnorteada, o
abraçou com carinho e disse que a primeira vez era assim mesmo e que o amor não
existia, que ele ficasse despreocupado. No dia seguinte, ele escreveu uma carta
de amor, com as melhores palavras, e voltou ao bordel para entregar à moça.
Encontrou-a nos braços de outro e isso foi o suficiente para ele desamar.
Olhou de relance para o celular e
se lembrou da ex-namorada. De como ela sabia preparar o melhor arroz com feijão
e ainda sabia ser linda quando dançava em cima da cama, só de calcinha e sutiã.
De como tinham sido felizes em curtos cinco meses de namoro. Dos planos futuros
que fizeram, dos nomes que dariam aos filhos, da gorda poupança que lhes
permitiriam viajar pra Paris uma vez ao mês. Pegou o celular e ligou para ela.
Saudade. Saudade, era o que ele escutava enquanto o tu tu do telefone indicava que, muito provavelmente, ela não iria
atender. E não atendeu.
Lembrou-se também da antiga
professora de inglês. Olhos vivos, usava um decote que deixava à mostra dois
seios muito bonitinhos de se ver. Ele nunca fora bom com idiomas, mas fez de
tudo para aprender a língua dela. Chamou-a para sair, disse que estava
apaixonado, que não dormia a noite, que perdera a fome, que só pensava em ir
pra Nova Iorque e colocá-la dentro de um daqueles taxis amarelos, pra poderem
se embolar no banco de trás. Ela se assustou com a declaração indiscreta e
pediu um tempo, mas não deu mais sinal. Isso porque as aulas eram particulares e
ela nunca mais atendeu o telefone.
Escovou os dentes e trocou de
roupa para ir comprar o jornal. No elevador, cruzou com a senhora do 504,
aquela que tinha uma filha jornalista, ruiva, com covinhas que apareciam sem
precisar sorrir. Ele perguntou pela filha e a mulher disse que ela estava na
Turquia, fazendo um passeio com o namorado. Ele sentiu ciúmes, muito ciúmes.
Mas se controlou e despediu-se da senhora do 504, que era sempre muito
agradável.
Abriu o guarda-chuva e caminhou até
a banca de jornal. Comprou o periódico de costume e ainda levou mais duas
revistas que traziam, na capa, atrizes que ele tinha muita vontade de conhecer
pessoalmente. Recortaria as fotos e guardaria na sua gaveta, pra poder fazer
juras de amor a elas, nos dias de solidão. Marchou de volta para casa,
sentou-se em frente à televisão, comeu as unhas, tirou as calças, bocejou. Ele não
gostava de ser só, mas já havia se acostumado. Solidão é hábito, é anestésico.
Solidão é a cama vazia. O quarto vazio. É a cara pintada de branco-e-preto e um
café feito com duas colheres de pó. Pra um só.
8 comentários:
Parabéns,pelo texto...Maravilha!!!Ótimo nota 1.000.
Admiro sua autenticidade,como escreve,como coloca as palavras como desenvolve perfeitamente uma história,como leva cada frase pra realidade,vivida por alguém...
Não canso de dizer que teus textos sempre são ótimos. E olhe que digo isso há 4 anos, mais ou menos.
Deu para sentir um pouco da solidão dele...
Beijo!
Quem é você que escreve assim tão bem?!
Ahh! Filipe, Filipe... Seus textos sempre me fazendo um bem tão grande que você não tem ideia. Amei demais.
Engraçado lembrar desse tempo em que amor se confundia com atração física. E que se estava só sempre, mas com várias paixões vivas.
Estava com saudade dessa sua escrita tão linda de se ver!
coitado talvez a solidão fez ele ficar assim.Que triste ele deve ser...Com os sentimentos em confusão...
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